Meio Ambiente

Derretimento de geleiras redesenha fronteira entre Suíça e Itália

Share

Consequências das mudanças climáticas alteraram a fronteira entre a Suíça e a Itália, provocando uma disputa sobre a localização de um refúgio de montanha italiano que agora fica do lado suíço

Imagem: Fabrice Coffrini | AFP

AFP

No alto dos Alpes nevados, a uma altitude de 3.480 metros, as consequências das mudanças climáticas alteraram a fronteira entre a Suíça e a Itália, provocando uma disputa sobre a localização de um refúgio de montanha italiano que agora fica do lado suíço.

A linha de fronteira entre os dois países é determinada pelo fluxo de água do degelo, que corre em direção de um país ou outro.

No entanto, o recuo da geleira Theodul significa que a bacia deslizou em direção ao Rifugio Guide del Matterhorn, adjacente ao pico Testa Grigia, com 3.480 metros de altitude, passando gradualmente abaixo do refúgio.

Leia também: Por que as temperaturas na Europa estão batendo recordes históricos?

A situação surpreende atletas e turistas, como Frederico, de 59 anos, que, ao ver o cardápio em italiano com preços em euros, em vez de francos alemães e suíços, pergunta: “Estamos na Suíça, ou na Itália?”

A pergunta é válida, e a resposta foi alvo de negociações diplomáticas que começaram em 2018 e foram concluídas no ano passado. Os detalhes do acordo permanecem em segredo.

Dormir do lado suíço

Quando o abrigo foi construído em um afloramento rochoso em 1984, suas 40 camas e longas mesas de madeira estavam inteiramente do lado italiano. Agora, dois terços do albergue, incluindo a maioria das camas e o restaurante, estão tecnicamente no sul da Suíça.

A questão voltou à tona porque a área, dependente do turismo, está localizada no topo de uma das maiores estâncias de esqui, e uma nova estação de teleférico está sendo construída a poucos metros de distância.

Um acordo foi feito em novembro de 2021, em Florença, mas o resultado será revelado apenas quando aprovado pelo governo suíço, o que não acontecerá antes de 2023.

“Concordamos em dividir a diferença”, disse Alain Wicht, chefe de fronteiras da agência suíça de mapeamento Swisstopo, à AFP.

Seu trabalho inclui guardar 7.000 marcadores ao longo dos 1.935 km da fronteira suíça com França, Itália, Alemanha, Áustria e Liechtenstein.

Wicht participou das negociações, nas quais ambos os lados fizeram concessões para encontrar uma solução em que “mesmo que nenhum dos lados ganhasse, pelo menos ninguém perderia”.

Linha na neve

A fronteira ítalo-suíça atravessa geleiras ao longo da bacia hidrográfica e somente a geleira Theodul perdeu quase um quarto de sua massa entre 1973 e 2010. Esse processo expôs rochas sob o gelo e alterou a divisão de drenagem, forçando os dois vizinhos a redesenharem cerca de 100 metros de sua fronteira.

Segundo Wicht, esses ajustes eram frequentes e tendiam a ser resolvidos sem envolver políticos. “Estamos discutindo sobre um território que não vale muito”, disse. Neste caso, “é o único sítio que envolvia uma propriedade”, que dava “valor econômico” ao terreno.

Seus colegas italianos se recusaram a comentar, “devido à complexa situação internacional”. O ex-chefe da Swisstopo Jean-Philippe Amstein disse que essas disputas geralmente são resolvidas com a troca de parcelas de terra equivalentes em tamanho e valor.

Neste caso, “a Suíça não está interessada em obter um pedaço da geleira”, explicou, “e os italianos não podem compensar a perda de superfície suíça”.

“O vinho é italiano”

Embora o resultado do acordo seja secreto, o zelador do abrigo, Lucio Trucco, de 51 anos, foi informado de que o local permanecerá em solo italiano.

“O abrigo ainda é italiano porque sempre fomos italianos. O cardápio é italiano, o vinho é italiano, e os impostos são italianos”, afirmou.

Anos de negociações adiaram a reforma do refúgio, uma vez que nenhuma das cidades de ambos os lados da fronteira podia emitir licença de construção.

As obras não serão concluídas a tempo da inauguração de um novo teleférico no lado italiano do Monte Klein Matterhorn, que está prevista para o final de 2023.

Algumas estações de esqui de altitude média estão se preparando para fechar as operações, devido ao aquecimento global, mas é possível esquiar no verão nas encostas de Zermatt-Cervinia, embora isso contribua para o recuo da geleira.

Saiba mais: ‘Não precisamos esperar o futuro, o clima já está mudando’, diz pesquisador

“Por isso temos que valorizar a área aqui, porque com certeza será a última a morrer”, comentou Trucco.
Por enquanto, nos mapas da Swisstopo, a sólida faixa rosa da fronteira suíça continua sendo uma linha tracejada ao passar pelo abrigo.

→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… considere ajudar o Pragmatismo a continuar com o trabalho que realiza há 13 anos, alcançando milhões de pessoas. O nosso jornalismo sempre incomodou muita gente, mas as tentativas de silenciamento se tornaram maiores a partir da chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Por isso, nunca fez tanto sentido pedir o seu apoio. Qualquer contribuição é importante e ajuda a manter a equipe, a estrutura e a liberdade de expressão. Clique aqui e apoie!