Lives espalhafatosas, Luísa Mell correndo com um cachorro, populares gritando em frente à mansão e Datena tratando Margarida como uma senhora digna de pena, 'vítima' de abandono de incapaz. Coincidência ou não, todo o circo aconteceu justamente no dia em que foi revelado o momento mais terrível de toda a história
Nina Lemos, Universa
Na noite de quarta-feira (20), um circo se formou em frente à mansão destruída onde mora Margarida Bonetti, a personagem principal do podcast reportagem “A Mulher da Casa Abandonada”, produzido pela Folha de S. Paulo e criado e apresentado por Chico Felitti.
Teve gente fazendo live, Luisa Mell saindo correndo com um cachorro. Carros de polícia, ambulância e um coro de populares gritando: “Ei, Margarida, vai tomar no C.”
Na transmissão televisiva, Datena chegou a tratar Margarida como uma senhora digna de pena. Os carros de polícia estavam lá, e a casa foi arrombada para que a saúde psíquica de Margarida fosse avaliada. O que se investigava ali era se a dona da casa era “vítima” de abandono de incapaz.
A mulher que agora está sendo tratada como vítima é uma escravocrata, racista e que era procurada pelo FBI. Só saiu da lista de procurados porque o crime expirou.
Se você não sabe da história, um resumo rápido. Margarida, junto com seu ex marido René Bonetti foi condenada por manter uma empregada doméstica brasileira nos Estados Unidos em condições análogas a escravidão. A mulher foi dada para o casal como “um presente de casamento”. Sim, terrível como nos tempos em que a escravidão ainda era legalizada. E foi tratada como lixo por todos esses anos. Até que, com ajuda de vizinhos, escapou. O ex-marido de Margarida foi preso nos Estados Unidos. Ela teria fugido para o Brasil.
É perturbador. Mas o circo se formou em seu esplendor na porta da casa de Margarida justamente no dia em que o último episódio do podcast foi ao ar. E é esse episódio que mostra um dos momentos mais terríveis da história.
No programa, é exibido uma entrevista com Margarida Bonette, que mostra ter uma mente totalmente escravocrata, racista, gordofóbica. Ouvir a entrevista não é fácil.
Margarida fala que conhece a “empregada” desde criança. Que eram amigas, brincavam juntas. E uma hora solta: “ela dizia que estava brincando para não trabalhar. Ela sempre foi mentirosa”. Margarida fala de uma criança. Uma criança que trabalhava, o que é proibido e inaceitável em todas as esferas morais.
Ela passa o resto da entrevista fazendo comentários horríveis, do tipo, “ela tem uma cara de lua”, em relação à mulher que manteve como escrava. E parece, o tempo todo, não entender o crime que praticou. O que faz sentido, já que para uma “escravocrata raiz” tipo Margarida manter uma empregada desde criança em condições análogas à escravidão não é nada demais.
Chocante mesmo é ver como vários influenciadores negros comentaram ontem no Twitter, como uma escravocrata foi tratada com “dó”. E como morou por tantos anos em uma área nobre de São Paulo sem nunca ser punida. E como disse a podcaster Andreia Freitas, do podcast Não inviabilize: “Rico é rico. Até quando é criminoso e mau caráter”.
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