Jair Bolsonaro

O golpe taí, cai quem quer

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Imagem: Anderson Pires

Anderson Pires*

O presidente Bolsonaro direciona todos os esforços na construção de uma narrativa que justifique um golpe. Suas falas com ataques ao sistema eleitoral e o judiciário deixam claro que sua intenção é validar junto aos seus apoiadores a legitimidade de uma intervenção militar para barrar as eleições que estariam viciadas.

Para tanto, Bolsonaro chega ao absurdo de afirmar que até sua eleição para presidente em 2018 foi fraudada. Afirma que teria ganho no primeiro turno e o resultado manipulado. Imaginemos que depois de todo processo de destruição jurídica que o PT foi submetido, com claro ativismo dos procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro, mais a conivência do STF e amplo apoio dos grandes grupos de comunicação, iriam fraudar as eleições para favorecer Fernando Haddad, o candidato de Lula.

Se houve alguma manipulação nas eleições em 2018, foi a fraude jurídica que inviabilizou a candidatura do ex-presidente Lula, que liderava com folga todas as pesquisas e foi preso sem trânsito em julgado, por ser a única maneira de impedirem sua vitória. Em menos de seis meses, condenaram um ex-presidente da república com base nas convicções de um grupo de procuradores e um juiz suspeito.

O apoio a Bolsonaro foi explícito por todos que de alguma maneira permitiram que a Lava Jato seguisse impune desrespeitando o Estado de Direito e condenando sem provas. Procuradores, juízes e ministros constituíram um verdadeiro partido político que atuava de forma ilegal para consumar o objetivo de exterminar o PT e suas lideranças.

O principal beneficiado em todo esse processo foi o candidato Jair Bolsonaro, que incorporava as pautas moralistas, antipolítica, contrário aos direitos humanos e todas as bandeiras que os progressistas de esquerda sempre defenderam. Ainda haveria um lunático que o atacaria com uma faca. Impossibilitado de participar da campanha e se expor em debates, Bolsonaro foi a escolha cega do antipetismo.

Bolsonaro foi eleito sob a aura moralista promovida pela Lava Jato e protegido por uma facada. Nada mais apropriado para o momento que o Brasil passava, juntaram os seguidores de Moro e Dalagnol a legião de autoritários, fascistas e preconceituosos que lhe tinham como espelho.

Mas após eleito, ele teria que encarar as demandas e responsabilidades gigantescas de governar o Brasil. Não seria com bravatas e propagação de preconceitos que resolveria os problemas econômicos e sociais do país. Os primeiros meses de gestão foram suficientes para se perceber que estávamos entregues a um grupo de saqueadores, milicianos, terraplanistas e militares fascistas de viés entreguista.

Nem o liberalismo de Paulo Guedes se sustentava, na medida em que o aparelhamento do Estado produzia um rombo tão grande nas contas públicas, que seria necessário quebrar preceitos liberais e usurpar o erário, para atender desde gastos absurdos com o cartão corporativo até o favorecimento dos amigos do presidente.

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Para completar a situação de desgoverno, o mundo teria que conviver com uma pandemia capaz de paralisar o planeta. A economia global sofreu muito, mas no caso do Brasil teríamos o agravante de um presidente negacionista, que propagava absurdos como o uso de medicamentos ineficazes e total desrespeito às vítimas da covid-19.

Nem diante de um mal global Bolsonaro entendeu que propagar insanidades não surtiria efeito para confrontar o impactos negativos provocados pela pandemia. Mas o poder de persuasão do presidente em relação aos seus apoiadores era maior que o de todas as principais nações e especialistas do mundo. É um caso de dissonância cognitiva coletiva que serve para validar teses contrárias a medicamentos, vacinas e urnas eletrônicas.

Porém, os objetivos de Bolsonaro não terminam na contraposição à ciência ou na imposição dos seus valores morais. Existem interesses financeiros que estão atrelados ao poder que exerce na presidência. O Bolsonarismo é sustentado por grupos conservadores que representam também interesses econômicos de uma minoria que sempre viveu de depenar o Brasil e o povo mais pobre.

Empresários sonegadores, desmatadores do agronegócio, atravessadores de emendas parlamentares, especuladores financeiros, mercadores da fé, militares arraigados as benesses estatais e até milicianos com seus negócios clandestinos, engrossam o caldo do bolsonarismo. São esses grupos que patrocinam suas ideias conservadoras e garantem a ressonância entre uma massa que não vê crime em praticar preconceito, muito menos a democracia como um regime baseado em um acordo legal mínimo, que garanta direitos e estabeleça deveres.

Esses são os pilares de um possível golpe de Bolsonaro contra a democracia brasileira. A confusão midiática que tenta promover serve para esconder sua fragilidade eleitoral. O poder por intermédio do voto parece impossível, a conjuntura é bem diferente de 2018. Até a base do presidente no Congresso Nacional sabe que a derrota eleitoral é inevitável, tanto que tentam aprovar medidas que garantam a manutenção do orçamento secreto, a imposição na execução orçamentária e ensaiam o semipresidencialismo, mesmo sem respaldo constitucional. O que seria uma outra forma de golpe.

Bolsonaro trabalha tanto com a possibilidade de golpe, que até testou a repercussão que teria no mundo, quando convidou representantes de cinquenta países para escutarem suas mentiras sobre as eleições brasileiras. O recado dado pelos principais países do mundo foi que não apoiarão um golpe, principalmente, pela segurança e lisura que atestam ao sistema eleitoral brasileiro. Agiram dentro do padrão.

Isso elimina a possibilidade de um golpe de estado?

Não mesmo. Bolsonaro já demonstrou ser uma figura desprovida de princípios e limites legais. Promove ataques à Constituição cotidianamente sem qualquer constrangimento. Alguém que afronta as leis de trânsito e gasta milhões dos cofres públicos semanalmente para promover motociatas de cunho político-eleitoral, que tentam reproduzir desfiles nos moldes dos imperadores romanos, ditadores e genocidas como Mussolini e Hitler, não tem medida para ponderar que até um déspota precisa do mínimo de esclarecimento.

A última vez que subestimei os limites de Bolsonaro foi em 2016, quando uma dúzia de pessoas segurava faixa com seu nome no Busto do Almirante Tamandaré, na praia de Tambaú, em João Pessoa. De lá pra cá, o monstro cresceu e se tornou presidente. Desacreditar na possibilidade de golpe é flertar com a irresponsabilidade. A preocupação em preservar a democracia deve acender o alerta em todos.

É sempre bom lembrar que da mesma ralé de militares como Bolsonaro foi parido o Golpe de 1964 e o Brasil penou durante 21 anos de ditadura. Naquele momento, o entreguismo do país aos interesses externos foi parte da trama. Criaram a versão fantasiosa do perigo de uma ditadura comunista, como justificativa para implantarem um governo autoritário, que promoveria desigualdade e miséria, em troca de benesses estatais e favorecimento de amigos empresários.

Sabemos que o mundo não é mais o mesmo, que o acesso a informação coíbe muitas arbitrariedades, mas não estamos diante de alguém que sinta vergonha em ser o próximo ditador do Brasil. A horda que sustenta Bolsonaro lhe apoiará em qualquer situação, pois, visa tirar cada gota de riqueza que exista no país, independente do que essa concentração absurda possa proporcionar de miséria. Pobre que se exploda ou se mate.

Alguns podem questionar, mas ele não temeria o isolamento internacional? O grau de dependência que os mercados hoje operam faz o pragmatismo econômico maior que a defesa da democracia, do meio ambiente ou da vida dos mais pobres. O Brasil não é Cuba, que pode ser excluída do mercado sem arranhar os interesses globais. Por mais que propaguem metas ambientais e defendam práticas menos predatórias na economia, não irão vetar produtos brasileiros por serem vendidos por desmatadores golpistas. Fosse assim, já teriam deixado de comprar.

O exemplo da guerra entre Rússia e Ucrânia serve de parâmetro para os golpistas. Pouco importa para Putin os reflexos que o conflito pode causar aos mais vulneráveis. Da mesma forma, Bolsonaro sabe que no mundo capitalista não importam vidas pobres e excluir o Brasil provocaria uma crise maior que uma guerra, com desabastecimento de alimentos e commodities que elevariam os preços em todo mundo.

A defesa da democracia brasileira terá que ser feita pelos brasileiros. Não esperem que corporações internacionais comprem uma briga que não lhes interessa. Se Bolsonaro garantir os interesses comerciais e financeiros das grandes nações, será tratado com a mesma condescendência que os ditadores no Oriente Médio, que matam o povo e jornalistas, mas o ocidente não deixa de comprar seus barris de petróleo e até recebem visitas do presidente dos Estados Unidos.

O golpe está desenhado. Não podemos adotar uma postura passiva, muito menos permissiva. A única segurança para que as eleições sejam respeitadas está na mobilização popular e respeito as instituições. Quem não estiver disposto a gritar agora e votar para derrotar Bolsonaro em primeiro turno, pode dormir numa democracia e acordar numa ditadura.

*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.

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