"O dia que você me largar ou denunciar, eu mato você". Mulher passou a temer pela própria vida e decidiu registar tudo com um celular escondido. As agressões aconteciam praticamente todos os dias
A mulher de um tenente do Exército procurou a polícia para denunciar agressões que vinha sofrendo. Ela conseguiu filmar os momentos de terror que vivia dentro da própria casa. As imagens mostram a mulher sendo agredida verbal e fisicamente. As cenas de agressão se repetiam quase todos os dias, segundo a vítima.
A comerciante Patrícia Coutinho, de 45 anos, diz que conheceu o oficial do Exército Gean Franque da Silva, de 41 anos, em janeiro de 2019, numa roda de samba em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Após três meses de um namoro intenso, decidiram morar juntos, na casa dela, em São Gonçalo, em 2019, e se casaram pouco tempo depois.
Foi então que o sonho, com promessas de cuidados e zelos, se tornou o maior pesadelo da vida. “Ele era um homem muito encantador, carinhoso, fazia de tudo para me agradar. Ele se apresentou para mim como um homem perfeito, mas sempre demonstrou muito ciúmes e também era bastante possessivo e controlador”, lembra.
Patrícia contou que primeiro começaram as agressões verbais e psicológicas, que logo evoluíram. A primeira agressão física aconteceu em maio de 2019, logo depois dele ter se mudado. “Ele deu um tapa na mão e minha unha quebrou e começou a sangrar. Desde então foram várias agressões físicas e psicológicas. Por ser tenente do Exército, ele acreditava que nada nunca ia acontecer contra ele”, diz.
“As agressões foram aumentando. Começou com um tapa na mão, depois um tapa no rosto, depois um puxão de cabelo, gritos, xingamentos, sempre por ciúmes. As agressões foram ficando mais intensas, ele começou a dar soco na minha cabeça, soco nas minhas costas, muito tapa na cara, me arrastava pelo cabelo. Sempre batia na cabeça, nas costas, para não deixar marcas”, narrou Patrícia
Quando passou a temer pela própria vida, ela decidiu registar com um celular escondido. Numa das gravações, o marido diz: “Não adianta correr para o banheiro, não. Se não eu vou quebrar a porta do banheiro. Aí você vai chamar a Polícia Militar. Eu vou quebrar a porta do banheiro hoje, com tudo dentro. Aí acaba de vez o casamento”, disse o marido. E continuou falando: “Chama a polícia, então. Liga pra polícia e me leva de uma vez. Acaba de uma vez, chama a polícia, faz o BO, vai na delegacia e dá parte. Vai lá e fala com o general, chorando e mostra as fotos todas. Eu vou dizer que não estou nem aí. Eu não estou nem mais aí para nada”, afirmou Silva.
Dependência financeira
Patrícia revela que Gean a tornou totalmente dependente financeira dele.
“Eu sempre trabalhei a vida inteira, mas depois ele não deixou mais eu trabalhar. Todos os empregos que eu arrumava ele inventava uma desculpa para eu não ir, porque eu ia lidar com homens na empresa, porque o dono era homem e só queria me contratar por meus atributos físicos. Quis voltar a estudar, e ele dizia também que não tinha como porque eu ia ter professores homens, colegas homens. Me tornou, assim, 100% dependente financeira dele e isso foi uma das coisas que me impediu de sair do relacionamento. Primeiro porque eu o amava muito, era completamente apaixonada por ele. Mas eu parei de viver, ele me afastou de todo mundo”, disse ela
Patrícia conta que acreditava que o marido pudesse mudar.
“No inicio, eu acreditava que ele pudesse mudar, tentava dialogar, pedia para ele procurar um tratamento, fazer uma terapia. Quando eu percebi que ele não queria se tratar, não queria mudar, que ele não ia mudar, eu pensei: eu preciso fazer alguma coisa para provar o que ele faz comigo e também porque eu posso morrer. Eu botei uma câmera de celular, com muito medo, para filmar e filmei”, contou .
Marcas da violência
As marcas da violência ficavam no rosto, nos braços, na orelha, na boca e no cabelo.
“Ele inclusive falava sempre: o dia que você me denunciar ou você me largar, eu mato você, Eu volto e boto fogo na sua casa, ele sempre disse isso”, disse Patrícia.
Em uma publicação onde mostra o rosto machucado, Patrícia desabafa.
“O homem que eu honrei, amei e cheguei a dizer aqui mesmo ser o homem da minha vida, que coloquei dentro da minha casa, foi o mesmo que durante mais de três anos me agrediu fisica e psicologicamente, frequentemente. Mas posso afirmar para vocês que de todos os socos, tapas, nenhuma das agressões físicas me machucavam mais do que as agressões psicológicas que eu era submetida diariamente. Os motivos? Ciúmes. Ciúmes do nada”, disse a vítima.
No dia 11 de junho, o casal teve uma nova briga por causa de ciúmes. No dia seguinte, Dia dos Namorados, o oficial do Exército queria obrigar a mulher a postar uma foto dos dois nas redes sociais. Ela se negou, a briga continuou até o dia seguinte, quando ela foi agredida mais uma vez, e chamou a polícia.
“No dia 13 ele já acordou gritando, me xingando, ele me xingava de tudo que é nome, me chamava de coisas horríveis. Ele começou a quebrar as coisas e eu peguei o meu celular para filmar. Ai ele foi para cima de mim, pegou o celular, me arrastou pelos cabelos, tentou me enforcar, me deu soco na cabeça, tapas no rosto. Ali eu não aguentei mais. Eu estava muito magoada. Era um dia pós dia dos namorados, dia 12 foi pesado, a gente estava brigando, e é uma data simbólica para os casais, importante. Estava magoada e chamei a polícia”, falou Patrícia.
Antes de os agentes chegarem, Gean fugiu. Patrícia registrou a denúncia na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de São Gonçalo e passou por exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal. Ela conseguiu uma medida protetiva para que o militar não se aproxime. Para ela, todas as mulheres que sofrem agressões deveriam fazer o mesmo.
“Para as mulheres não romantizarem o ciúmes, não aceitarem agressão. E as mulheres que já passam, denunciarem, não sentirem medo, vergonha, nem culpa”, disse Patrícia.
Prisão
O tenente do Exército Gean foi preso na manhã da última sexta-feira (8), no Centro do Rio, por agentes da Deam de São Gonçalo. Ele foi indiciado por violência doméstica.
Com G1 e Band
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