Bolsonaro tirou milhões do Farmácia Popular e remanejou para o orçamento secreto. Presidente cortou de fralda geriátrica a remédio contra hipertensão e asma. Campanha pressiona para reverter desgaste
A campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou em campo para tentar reverter o desgaste provocado pelo corte de recursos no Orçamento de 2023 nas verbas da Farmácia Popular, que distribui gratuitamente remédios à população de baixa renda.
Até o momento, porém, não há nenhum movimento do governo para mudar o projeto que já foi enviado ao Congresso. Como revelou a Agência Estado, a proposta de Bolsonaro foi colocar mais dinheiro no orçamento secreto, esquema montado pelo seu governo para compra de voto no Parlamento.
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O corte de 60% nos recursos do Orçamento de 2023 para a gratuidade de medicamentos da Farmácia Popular foi revelada na semana passada e vai restringir o acesso da população a fraldas geriátricas e a 13 tipos diferentes de princípios ativos de remédios usados no tratamento da diabetes, hipertensão e asma, segundo alerta da ProGenéricos, associação que reúne os principais laboratórios que atuam na produção e comercialização no país.
Seis desses medicamentos são para o controle da hipertensão: Atenolol, Captopril, Cloridrato de Propranolol, Hidroclorotiazida, Losartana Potássica e Maleato de Enalapril. Todos os produtos da Farmácia Popular são destinados ao tratamento de doenças mais prevalentes, que segundo o Ministério da Saúde são as que mais acometem a população.
Em 2022, as despesas com a gratuidade do programa Farmácia Popular prevista no Orçamento aprovado pelo Congresso foi de R$ 2,04 bilhões. No projeto de Orçamento de 2023, o governo Bolsonaro previu R$ R$ 842 milhões, um corte de R$ 1,2 bilhão.
O governo Bolsonaro retirou verba do programa, considerado uma política bem-sucedida para desafogar o SUS, para garantir mais recursos em 2023 ao orçamento secreto. O presidente não vetou as emendas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 e o projeto enviado ao Congresso no fim de agosto prevê R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto, modalidade de destinação de verbas sem critérios técnicos ou mesmo vínculos com políticas públicas.
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Os princípios ativos são moléculas de uma substância que possuem efeito terapêutico. Eles ficaram hoje mais conhecidos depois da chegada dos medicamentos genéricos que têm o nome da molécula. O genérico contém apenas o nome do princípio ativo e o G do Genéricos.
A presidente da ProGenéricos, Telma Salles, diz que vê com grande preocupação o corte dos investimentos e a pressão maior no Sistema Único (SUS) com o esvaziamento da gratuidade da Farmácia Popular. Segunda ela, o corte vai impedir o acesso de novas pessoas aos medicamentos gratuitos e deixar boa parte dos atuais beneficiários sem os remédios. Isso porque são produtos de uso continuado e, portanto, não podem deixar de serem consumidos. O resultado, afirma, é que elas vão buscar o tratamento na rede do SUS.
“A diminuição da impossibilidade de alguém se tratar é devastadora sobre todas as formas. Tem o agravamento da doença e o custo para o próprio SUS. Não me parece ser inteligente porque vão afogar o SUS com doença que não são tratadas”, critica Telma, que inicia em Brasília reuniões com autoridades para tentar ampliar os recursos na votação do Orçamento, que ocorrerá depois das eleições.
Após a repercussão da manchete da Agência Estado com a reportagem sobre a tesourada no programa, que está sendo replicada por rádios de todo o País, a campanha acionou o presidente para a necessidade de anunciar a recomposição dos recursos. Os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Saúde, Marcelo Queiroga, foram acionados pelo presidente.
O programa Farmácia Popular atende mais de 21 milhões de brasileiros em quase 3,5 mil municípios, por meio de mais de 28 mil farmácias conveniadas, segundo dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) referentes a 2021.
De acordo com o Sindusfarma, estudos demonstram que o programa tem ajudado uma grande parcela da população, especialmente famílias de baixa renda, a seguir corretamente tratamentos de saúde, principalmente de doenças crônicas e de larga incidência, como hipertensão e diabetes.
Nas redes sociais, aliados do presidente estão tentando mostrar que não faltam medicamentos nas farmácias credenciadas agora, mas escondem que o corte dos recursos foi feito no projeto de Orçamento de 2023 – e que só vai ser votado depois das eleições. Ou seja, se nada for feito, os remédios e fraldas geriátricas vão faltar no ano que vem.
O projeto de Orçamento tem sido fonte de desgaste para o presidente nas eleições. A proposta foi sem recursos para manter o Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023 (ficou a previsão de R$ 405) e sem a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, promessas do presidente. Por outro lado, o governo manteve no texto a desoneração dos combustíveis com custo de R$ 52 bilhões no ano que vem.
Na semana passada, em nota, o Ministério da Economia afirmou que os cortes na Farmácia Popular são resultado da “enorme rigidez alocativa a que a União está subordinada, agravada pela necessidade de alocação de recursos para reserva de emendas de relator”, afirma, em referência ao orçamento secreto.
O ministério disse ainda que “embora a situação gere uma alocação de recurso inicialmente aquém da vontade do governo federal, a discussão em torno do valor final a ser destinado no próximo ano se dará no Congresso Nacional, o ambiente legítimo e, com certeza, sensível aos anseios e às escolhas da sociedade em torno das políticas públicas consideradas mais relevantes”, diz a nota. Ou seja, jogou a responsabilidade para recompor as verbas do programa para os deputados e senadores.
Segundo Leonardo Ribeiro, especialista em Orçamento, o presidente da República pode enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos enquanto não for iniciada a votação na Comissão Mista de Orçamento (CMO). O Ministério da Economia foi questionado sobre se haverá alguma alteração do projeto apresentado ao Congresso, mas não respondeu.
“É um processo político, ainda não houve encaixe”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, a empresários durante almoço na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), nesta quarta-feira, 14. Ele não sinalizou que enviará uma mudança ao projeto de Orçamento de 2023 que já foi entregue ao Congresso no dia 31 de agosto.
Concorrência
Técnicos do governo na área de saúde ouvidos pela reportagem, na condição de anonimato, afirmam que o corte de 60% coloca em xeque a própria continuidade da Farmácia Popular. Eles lembram que as pesquisas mostraram o forte impacto do programa na população de baixa renda e na redução de custos para o SUS. Sem os medicamentos, a tendência, alertam, é o doente só ir atrás de tratamento quando a enfermidade piorar.
Os técnicos chamam atenção que essa política pública teve um efeito importante de aumento da concorrência entre os fabricantes, com a entrada de um grande comprador, o que barateou o custo dos medicamentos. Essa é uma das hipóteses para justificar o fato de que a tabela está com preço congelado desde 2016.
Medicamentos atingidos
Veja o princípio ativo do remédio e em que ocasiões ele é aplicado:
Remédio 100% gratuito
brometo de ipratrópio – asma
dipropionato de beclometsona – asma
sulfato de salbutamol – asma
cloridrato de metformina – diabetes
glibenclamida – diabetes
insulina humana – diabetes
insulina humana regular – diabetes
atenolol – hipertensão
captopril – hipertensão
cloridrato de propranolol – hipertensão
hidroclorotiazida – hipertensão
losartana potássica – hipertensão
maleato de enalapril – hipertensão
Remédio com copagamento (governo paga até 90%)
acetato de medroxiprogesterona – anticoncepção
alendronato de sódio – osteoporose
budesonida – rinite
carbidopa + levodopa – doença de parkinson
cloridrato de benserazida + levodopa – doença de parkinson
etinilestradiol + levonorgestrel – anticoncepção
maleato de timolol – glaucoma
noretisterona – anticoncepção
sinvastatina – colesterol
valerato de estradiol + enantato de noretisterona – anticoncepção
fraldas geriátricas
Com Agência Estado
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