Fiel não concordou com pressão de líder evangélico por voto em Jair Bolsonaro e levou tiro de outro frequentador da igreja, que é PM e amigo do pastor. Culto continuou normalmente mesmo após vítima agonizar no chão: "Quando alguém fala que não vai votar em Bolsonaro, é tido como um 'endemoniado'", diz testemunha
Um fiel foi baleado dentro da Igreja Congregação Cristã no Brasil, em Goiânia, na última quarta feira (31/08), durante uma discussão política sobre o voto na eleição que se aproxima. Davi de Souza, de 40 anos, levou um tiro na perna disparado pelo policial militar Vitor da Silva Lopes, que também é frequentador da igreja.
Testemunhas afirmam que Davi discordou publicamente da pregação do pastor evangélico Djalma Pereira Faustino. O líder religioso afirmou que os fiéis não deveriam votar no candidato “vermelho” — referindo-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo o irmão da vítima, Daniel Augusto de Souza, de 45 anos, Davi permanece internado em Goiânia, passou por cirurgia na perna e segue estável. “Meu irmão saiu para beber água e o policial, que é amigo pessoal do pastor, também. Do lado de fora, meu irmão, o policial e outra pessoa começaram um debate sobre quem da igreja apoia ou não o governo, que os membros estão sendo pressionados a não votar na esquerda”, relata.
“A briga foi por motivação política. Vitor (o PM) não gosta de políticos de esquerda, assim como o pastor. Mas a raiva dele era maior pelo meu irmão ter denunciado o Djalma ao conselho da igreja, por ser contra o que o pastor falava. A gente é nascido e criado na congregação e nunca foi de se envolver em política”.
Daniel Augusto contou que a briga e o tiro são, na verdade, resultado da entrada da política na igreja, que vem acontecendo mais intensamente há algumas semanas. “O problema foi a entrada da política na igreja, que começou com essa guerra entre quem apoia ou não o governo Bolsonaro. Esse pastor começou a fazer política durante os cultos e dizer que os membros não deveriam votar no candidato da esquerda, que chamou de ‘vermelhinho'”, explicou.
Dias antes do tiro em Davi, no momento em que o pastor fazia a indicação de votos, uma pessoa levantou a mão e argumentou que a igreja não é lugar para fazer política. “Nenhum político doa dinheiro para igreja, para que falar de voto, então?”, questionou.
“A partir daí, virou uma confusão séria. Os líderes se reuniram para avaliar o que ia ser feito com isso e no dia de uma reunião sobre o tema, aconteceu essa discussão e o tiro contra o meu irmão”, lamentou Daniel.
Culto continuou mesmo após disparo
Testemunhas contaram que, apesar da gravidade do caso, o culto evangélico continuou normalmente enquanto a vítima agonizava e era socorrida pelo Corpo de Bombeiros. Muito sangue foi espalhado no local, como mostram vídeos sobre o episódio divulgados nas redes (ver abaixo). “Ele [Davi] baleado e sangrando e a pregação continuou como se nada tivesse acontecido”, lamentou um fiel.
O Boletim de Ocorrência, registrado como ‘agressão por arma de fogo e lesão corporal culposa’ (sem intenção de machucar a pessoa agredida), tem apenas as versões dos policiais militares que atenderam o chamado na igreja, de onde a vítima saiu em uma maca, levado por bombeiros. A Polícia Militar de Goiás limitou-se a informar que instaurou um procedimento de apuração e que o cabo estava de folga no dia em que fez o disparo.
“Assim que a Polícia Militar tomou conhecimento do caso, determinou a instauração de procedimento administrativo disciplinar para apurar as circunstâncias do fato. Informamos ainda, que o policial militar apresentou de forma espontânea na delegacia de polícia civil para os procedimentos cabíveis”, diz nota da PM goiana.
Outros fiéis da Congregação Cristã do Brasil em Goiânia têm relatado que os pastores do templo usam o microfone para defender abertamente o governo do presidente Jair Bolsonaro e atacar legendas de esquerda como o PT, PSOL e PCdoB.
“Em muito anos de igreja, eu nunca vi isso acontecer. Essa é a primeira vez que o fanatismo entrou dessa forma na nossa igreja. Quando alguém fala que não vai votar no Bolsonaro, é tido praticamente como um ‘endemoniado'”, relata um fiel.
“É lamentável porque sempre frequentei os corredores da igreja com muita tranquilidade e sem problemas com relacionamentos políticos. O próprio Estatuto da Religião define a mesma como uma organização ‘apolítica'”, finalizou.
Segundo a última atualização do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), Davi passou por 6 horas de cirurgia para retirar a bala que atravessou as duas pernas, e segue sem risco de morte. O PM Vitor Lopes foi liberado após prestar depoimento.
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