Garoto-propaganda de Bolsonaro, candidato que se autodenomina padre nunca foi padre, diz igreja. Kelmon, do PTB, foi alçado ao posto de candidato pelo corrupto confesso Roberto Jefferson, aliado do presidente. Principal missão do falso padre é ajudar Bolsonaro nos debates
Kelmon Luis da Silva Souza (PTB), de 44 anos, ganhou fama no último debate presidencial ao fazer dobradinha com o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após o evento no SBT, no sábado (24), ele agora se prepara para de novo ganhar os holofotes no debate da TV Globo, neste quinta (29), graças à regra eleitoral que dá o direito de participação a candidatos com representação de cinco ou mais parlamentares no Congresso.
Padre Kelmon, como se intitula, era vice e foi promovido à cabeça de chapa após Roberto Jefferson, liderança do PTB e candidato original, ter sido vetado pela Justiça Eleitoral devido à condenação no escândalo do mensalão. O plano de governo apresentado por Kelmon ao TSE é o de Jefferson.
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No PTB desde dezembro de 2020, Kelmon já foi filiado ao PT e, hoje, se diz arrependido por este ato praticado em sua juventude. Nas redes sociais, Kelmon exalta políticos como Bolsonaro, Jefferson e Daniel Silveira (PTB-RJ) e pede “o fim do STF e a prisão de todos os seus ministros”.
Ao final do debate no SBT, Kelmon defendeu Bolsonaro. “Só o fato de o presidente não ser de esquerda, já nos garante um alívio muito grande.”
Antes, Simone Tebet (MDB) afirmou que não se confessaria com Kelmon. Desde agosto, ele está licenciado da igreja devido às eleições.
O presidenciável, que se define como “homem cristão, conservador de direita”, disse durante o horário eleitoral que “estão sexualizando as crianças nas escolas brasileiras”. Já o seu programa de governo é intitulado “Direita, graças a Deus”.
O candidato a vice-presidente na chapa de Kelmon é o Pastor Gamonal (PTB), de 50 anos. Nascido no Rio de Janeiro, ele ocupa temporariamente a presidência do Movimento Cristão Conservador (MCC) da sigla partidária.
Arcebispo confirma que Padre Kelmon não faz parte da Igreja Ortodoxa
A aparição de Kelmon fez com que a Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia no Brasil, predominante entre as denominações ortodoxas no Brasil, emitisse esclarecimento se desvinculando do candidato.
De acordo com uma nota, publicada no dia 14 de setembro, o candidato à Presidência da República Kelmon Luís da Silva Souza, que se autodenomina padre, não é membro da Igreja Ortodoxa. O texto é assinado por Dom Tito Paulo George Hanna, arcebispo da Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia do Brasil.
“Chegou ao nosso conhecimento que muitos cidadãos têm questionado membros da nossa igreja a respeito de um candidato à Presidência da República pelo PTB que se auto apresenta como Padre Kelmon, utilizando insígnias de nossa tradição, sobre a veracidade de seu vínculo à nossa Igreja”, começa o texto da Igreja Ortodoxa.
“Diante disso, esclarecemos que, em pleno respeito, mas também gozando da mesma liberdade de pensamento, consciência e religião prevista no 18º artigo da Declaração dos Direitos Humanos e no artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, o referido candidato não é membro de nossa Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia do Brasil em nenhuma de suas paróquias, comunidades, missões ou obras sociais”, diz o documento.
Ainda segundo o documento, o “padre” nunca foi seminarista ou membro do clero da Igreja em nenhum dos três graus da ordem, quer no Brasil ou em outro país.
“Não é e nunca foi seminarista ou membro do clero de nossa Igreja em nenhum dos três graus da ordem (diácono, presbítero/padre e bispo), quer no Brasil, quer em qualquer outro país, e também não é nem nunca foi membro leigo ou clérigo de nenhuma de nossas Igrejas irmãs”, diz o comunicado emitido pela igreja.
Padres católicos questionam denominação
Mesmo com as polêmicas, a candidatura de Kelmon, ainda não o tornou conhecido entre todos os religiosos. “Eu teria que pesquisar para ver quem é e mesmo assim não saberia encontrar boas fontes. É aquela história… ‘De onde apareceu essa criatura?’ Só sei que padre católico ele não é”, declarou o padre Otávio Juliano de Almeida, professor de Teologia da PUC Minas e pároco da Basílica do Santo Cura d’Ars, no bairro Prado, na região Oeste de Belo Horizonte.
“Ele não tem comunhão. Nem em Roma, nem mesmo com qualquer igreja de rito ortodoxo. De maneira nenhuma alguém assim pode atribuir-se esse ‘título’. Em se tratando de ‘religioso’, parece mais um ‘outsider’, que quer posar”, declarou o padre Fabiano de Oliveira, da Igreja Católica Apostólica Romana.
“Dizer-se de si mesmo, que se é padre, é muito fácil. Quase como Napoleão, que coroou-se a si próprio, negando o sinal divino encerrado neste gesto, este senhor manifestamente não tem comunhão com as referidas igrejas”, ponderou Fabiano.
O padre Edir Carvalho do Carmo, administrador da Paróquia Nosso Senhor dos Passos e São Cristóvão, em Sarzedo, na região Metropolitana de Belo Horizonte, ressaltou que a Igreja Ortodoxa é considerada pela Igreja Católica como um segundo pulmão, principalmente no Leste Europeu, e falou sobre as normas para os religiosos que querem entrar na vida política.
“O que eu posso dizer, como membro da Igreja Católica Apostólica Romana, é que quando um padre vai se candidatar a vereador, prefeito, presidente, ele tem que deixar o Ministério. A igreja não tem partido, apesar de ressaltar a importância do voto, que é uma conquista da sociedade”, explicou.
De acordo com o padre Caio Queiroz, membro da igreja, o candidato usa um tipo de véu chamado eskimo, que é específico deste patriarcado e usado exclusivamente por monges celibatários (na igreja, padres podem ser casados). A igreja ortodoxa tem diversos patriarcados independentes no mundo, sendo a Sirian uma delas.
A assessoria de Kelmon afirmou que a igreja à qual pertence usa vestuário regulamentado por ela própria. “Existem várias ordens ortodoxas e todas são independentes e autocéfalas, ou seja, possuem domínio de si próprias. Nenhuma precisa estar subordinada a outra. Cada uma se autorregulamenta. Portanto, a afirmação da Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia não faz sentido”, afirmou a assessoria do candidato.
Igreja Ortodoxa do Peru
Segundo a assessoria do candidato, Kelmon foi ordenado padre em agosto de 2015 e é pároco de uma igreja autônoma peruana envolta em polêmica mesmo em seu país natal.
O candidato pertence à Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru, sem nenhuma ligação com qualquer outra denominação Ortodoxa, o que gerou, inclusive, manifestação da Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia no Brasil ressaltando este ponto.
Segundo a igreja peruana, Kelmon é pároco interino na Missão Paroquial Ortodoxa Malankar de São Lázaro, na Ilha de Maré (BA). A estrutura do templo atualmente limita-se a um barracão de madeira.
O presidenciável, porém, diz que para ministrar a palavra de Deus basta contar com “altar, um telhado e um padre”. Além da Bahia, segundo a assessoria, a igreja do Peru possui paróquias em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Nas redes sociais, além de pedir transferências em dinheiro para o seu Pix com o objetivo de construir um templo na Ilha de Maré, Kelmon já pleiteou ajuda para viabilizar a instalação de um cais na região. A Ilha de Maré, localizada na baía de Todos-os-Santos, reúne 4.200 moradores e não tem ligação por terra com o continente. A travessia até Salvador é feita por barco.
Kelmon também faz apelo para que os seguidores destinem o dízimo à igreja ou façam doações mensais para que consiga realizar ações pastorais na ilha. “Vamos fazer como disse Jesus: Lavai os pés uns dos outros” [sic], publicou o candidato.
No Peru, a igreja à qual Kelmon pertence também já foi alvo de questionamentos e polêmica. Um dos líderes da igreja, que assina documento confirmando o pertencimento de Kelmon à instituição, foi citado em reportagem do jornal La Republica em tom de denúncia.
“A Polícia Nacional do Peru (PNP) afirmou que falsos sacerdotes realizam atividades fora de seus poderes em diferentes lugares de Lima. São quatro pessoas que até têm instalações, realizam missas e pedem donativos que utilizam em benefício próprio”, diz o texto.
Francisco Ángel Morán Vidal, citado na reportagem, posteriormente aparece em outra matéria do jornal defendendo a legitimidade da instituição e afirmando que ela é reconhecida pelo Estado peruano.
Questionada sobre esse assunto, a assessoria de Kelmon afirmou que houve uma averiguação quando a igreja estava se estabelecendo no Peru, mas que ela já foi reconhecida oficialmente e representantes foram até recebidos pelo presidente Pedro Castillo, conforme fotos enviadas à reportagem.
Kelmon recebeu auxílio emergencial
Entre 2020 e 2021, o religioso recebeu 15 parcelas do auxílio emergencial, totalizando R$ 5.100, segundo o portal da transparência. Hoje, em seu canal no Instagram, Kelmon pede doações para sua igreja informando chaves de Pix como o seu email ou CPF. As contas bancárias pertencem ao padre.
A assessoria de imprensa do petebista disse que, “ao contrário da Igreja Católica, os padres da Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do Peru não recebem salário e vivem de doações. E prossegue: “Durante a pandemia, as igrejas foram fechadas no Brasil, e o padre Kelmon precisou do auxílio para sobreviver”.
Antes disso, segundo sua assessoria, ele celebrava os sete sacramentos –batismo, crisma, eucaristia, confissão, ordens, matrimônio e unção de enfermos.
Ao TSE, Kelmon declarou um patrimônio de R$ 8.548,13. Para a sua campanha, a direção nacional do PTB investiu R$ 1,545 milhão até esta segunda (22). Boa parte do recurso, R$ 1,2 milhão, foi direcionada a uma empresa de marketing sediada em Cuiabá (MT), segundo portal da Receita Federal.
Com FolhaPress e Estado de Minas
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