Novas evidências mudam a linha central de investigação, que tinha Fernando Montiel como principal acusado e executor do plano de matar Cristina. Depoimento e mensagens apontam para a possibilidade de Uliarte ter sido mandante do crime. Troca de mensagens revela que o plano do assassinato ganhou corpo no dia seguinte à apresentação do pedido de prisão da vice-presidente pelo promotor Diego Luciani, uma espécie de Dallagnol da Argentina
O inquérito sobre o ataque de um brasileiro à vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, ganhou novos capítulos que podem alterar a principal linha de investigação sobre o caso.
Nesta quarta (14), a polícia tomou o depoimento de Agustina Díaz, 21, amiga da namorada do agressor, que foi detida na terça (13), e prendeu o quarto suspeito de envolvimento na ação. Gabriel Carrizo seria proprietário de um carrinho de algodão-doce que foi visto nas noites anteriores ao crime na esquina da casa de Cristina.
O lugar, no bairro portenho da Recoleta, vinha sendo um ponto de manifestações desde que um promotor apresentou um pedido de 12 anos de prisão para a política, em um caso em que ela é acusada de corrupção.
As declarações de Díaz, segundo a polícia, podem mudar a linha central de investigação, que tinha Fernando Andrés Sabag Montiel, 35, como principal suspeito e executor do plano de matar a ex-presidente. Por esse caminho, sua namorada, Brenda Uliarte, 23, seria no máximo cúmplice.
Na noite do dia 1º, Sabag se aproximou a menos de um metro da vice-presidente, que cumprimentava apoiadores ao chegar em casa, e apontou uma arma contra seu rosto. O ataque não teve êxito porque as duas tentativas de atirar falharam, embora a Bersa calibre 32 estivesse carregada com cinco balas.
Nos dias seguintes à ação surgiu a questão sobre se o homem sabia ou não manejar a pistola, mas um vídeo divulgado no último domingo (11), que estava no cartão de memória do seu celular, mostra-o manuseando a arma, carregando as balas e simulando os tiros.
Em seu depoimento, Díaz confirmou a veracidade de mensagens trocadas por ela com a namorada de Sabag que apontam para a possibilidade de Uliarte ter sido a mandante do crime.
Em uma delas, Uliarte diz: “Hoje vou virar San Martín [herói da independência argentina], vou mandar matar Cristina. Me cansei que só falamos e falamos e não fazemos nada. Eu, sim, vou fazer. O espírito de San Martín se meteu no meu corpo”. Em outras, fala de levar coquetéis molotov e armas à praça onde estavam Sabag, Díaz e Gabriel Carrizo.
Este último era o dono do carrinho de algodão-doce, que, segundo mostram imagens anteriores ao dia do ataque, esteve sempre próximo à casa de Cristina. Para a polícia, isso foi uma estratégia para o grupo se misturar à multidão, sem chamar a atenção, de forma a poder monitorar a situação e escolher a melhor hora para que Sabag enfim se aproximasse da vice-presidente.
A conversa entre as duas amigas, que sugere ainda algum tipo de envolvimento íntimo, vem de longa data. O plano para matar Cristina, pelas mensagens reveladas, teria ganhado corpo em 23 de agosto, dia seguinte à apresentação do pedido de prisão de Cristina pelo promotor Diego Luciani. Naquela noite, armou-se no entorno do prédio da ex-mandatária um ponto de protestos e apoio, dia e noite.
O cenário na região se tornou especialmente confuso depois de a polícia da cidade, chefiada pela oposição ao presidente Alberto Fernández, ter deixado o local após enfrentamentos com manifestantes kirchneristas.
O grupo liderado por Uliarte teria tentado atacar Cristina pela primeira vez no dia 27, sem sucesso. A troca de mensagens então discute alternativas e a possibilidade de usar outras armas.
À Justiça Díaz declarou que Uliarte não era politizada até pouco tempo atrás, mas que vinha se mostrando obcecada. “Precisamos passar logo à ação”, dizia. A amiga também afirmou que perguntou à namorada de Sabag se ela havia pagado a pessoa a quem tinha encarregado a missão de Cristina e que ouviu uma negativa em resposta. “Não, ele vai fazer porque também está muito bravo com o que está acontecendo. Te juro que ela vai morrer. Estou louca que ela continue roubando e continue impune.”
Díaz se declarou inocente, dizendo nunca ter participado do plano. “Brenda sempre foi uma pessoa muito fantasiosa, muito manipuladora, muito mentirosa. Juro que não acreditei que ela passaria da fantasia para a realidade nesse caso”, afirmou, segundo a imprensa argentina.
AFP