Gustavo Ramos*
A notícia de suspensão provisória da Lei nº 13.434/2022 que trata do piso nacional da enfermagem e beneficiaria já a partir deste mês de setembro milhões de profissionais das carreiras de enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e parteiras, em hospitais e instituições similares, públicas ou privadas, leva aos tribunais uma luta da categoria que se mobilizou por uma vitória junto ao Legislativo. A decisão foi tomada isoladamente no último domingo (4) pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), e atendeu a um pedido da Confederação Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde).
O ministro concedeu 60 dias para que alguns órgãos e entidades evidenciem os impactos econômicos da lei nos estados e municípios, na empregabilidade e na qualidade nos serviços de saúde prestados no país. A lei, aprovada no Congresso e sancionada pelo governo federal, prevê que o piso salarial nacional de enfermeiros e enfermeiras seja de R$ 4.750 ao mês. A remuneração de técnicos de enfermagem será de 70% do mesmo valor e a de auxiliar de enfermagem e parteiras, de 50%.
A decisão é provisória e as alegações de inconstitucionalidade da lei serão discutidas em breve, no plenário do STF. Nesse contexto, vale lembrar o alerta que o professor Roberto Lira Filho fazia, de que o direito não se confunde com a lei, pois é conquista e emana da luta organizada dos legítimos interessados. Da mesma forma, o renomado jurista do século passado Rudolf Von Ihering, na obra “A Luta pelo Direito”, alertava que o direito é um dever do interessado consigo e com a sociedade, pois a paz é o fim que o direito visa, mas a luta é o meio de que ele se serve para o conseguir.
A promulgação da lei do piso da enfermagem é uma conquista histórica da classe trabalhadora que mais sofreu e salvou vidas durante o auge da pandemia de covid-19. Fica claro, entretanto, que não será sem muita luta que o direito a um mínimo remuneratório digno será efetivado. Vencida a batalha do parlamento, o campo de luta será nos tribunais.
A defesa da Lei do Piso do Magistério (nº 11.738/2008), na qual atuamos em nome da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), também teve a constitucionalidade questionada no STF e, da mesma forma, foi provisoriamente suspensa em decisão liminar. A reversão em favor dos profissionais de ensino foi posteriormente revertida após a mobilização da categoria dos professores e intenso trabalho jurídico realizado na Suprema Corte.
Há fortes razões jurídicas que poderão ser apresentadas ao STF em prol da revisão dessa decisão liminar, que se distanciou do princípio da separação dos poderes ao inverter, em exame superficial, a presunção de constitucionalidade das leis. A decisão revela ainda o desconhecimento das profundas discussões ocorridas no Parlamento, que levaram à edição da Lei 13.434/2022.
É legítima a frustração de trabalhadores e trabalhadoras do setor ante a esperança de concretização de um piso salarial digno e merecido, principalmente depois de uma brava luta na linha de frente da pandemia da Covid-19. Essa indignação há de ser convertida em mobilização coletiva e atuação em várias frentes, inclusive no âmbito do STF.
Ao contrário da premissa adotada na liminar, a qualificação da prestação de serviços de saúde no Brasil passa necessariamente pela valorização dos profissionais que atuam no ramo, algo perfeitamente possível de ser concretizado por um setor que elevou os lucros nos últimos dois anos, e pelo compromisso estatal prioritário com a saúde, estabelecido na Constituição. Como se sabe, contudo, nada vem de graça. Sem a luta organizada, muitos direitos nunca saíram do papel.
*Gustavo Ramos é advogado, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, especialista em Direito Material e Processual do Trabalho, professor em pós-graduação no IGD e integrante da Rede Lado e da ABJD
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