Por todo o Brasil, apoiadores de Bolsonaro têm interrompido missas da Igreja Católica e agredido padres sob a alegação de que os religiosos supostamente defendem temas que julgam serem alinhados à esquerda, como "dar comida aos pobres" e pregar contra "discursos de ódio"
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, têm interrompido missas da Igreja Católica ou ofendido padres sob a alegação de que os religiosos supostamente pedem votos ou defendem temas que julgam serem alinhados à esquerda.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e religiosos alertam para o aumento da intolerância.
↗ “Deus, Pátria, Família!”: Esse slogan é uma blasfêmia
Veja episódios recentes:
Tumulto em Aparecida
Bolsonaristas que estavam do lado de fora da basílica velha de Aparecida (SP) vaiaram o padre Camilo Junior durante uma missa no dia da padroeira (12). Bolsonaro visitava o Santuário de Aparecida na ocasião. Camilo elogiou na ocasião os fiéis que haviam ido a Aparecida: “Hoje não é dia de pedir voto; é dia de pedir bênção”.
↗ Bolsonaristas agridem funcionários da TV Aparecida, emissora da Igreja Católica
Mai cedo, em uma missa no santuário nacional, o arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes havia dito durante a homilia que o Brasil precisava vencer muitos dragões, como o do ódio, da fome e do desemprego.
Padre se retira das redes até o fim das eleições
Também em 12 de outubro, depois da confusão de bolsonaristas em Aparecida, padre Zezinho, da Congregação do Sagrado Coração de Jesus, de Minas Gerais, disse em uma rede social que não se manifestaria mais até depois das eleições. “Depois das ofensas de hoje contra o Papa, contra os bispos, contra mim, com calúnias e palavras de baixo calão, estou fechando esta página até dia 31 de outubro […]. Continuam a dizer que sou mau padre, que sou comunista e que sou traidor de Cristo e da Pátria porque ensino doutrina social cristã”. Zezinho é um cantor religioso e inspiração para padres como Marcelo Rossi e Fábio de Melo. “O triste é que as ofensas são todas de católicos radicais que preferiram o seu partido político ao catecismo católico”, escreveu.
Padre interrompido no Paraná ao citar armas
Uma missa que era realizada na última quarta-feira (12) em Fazenda Rio Grande, no Paraná, foi interrompida após um dos fiéis que estava na igreja acusar o padre de pedir votos no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A discussão começou já no fim da cerimônia religiosa, que durou 47 minutos e foi transmitida nas redes sociais, quando o padre seguia para fazer o encerramento. Durante sua fala final, ele criticou o uso de armas e aqueles que utilizam a religião para fazer política.
“O Deus da vida nunca vai pactuar com as forças da violência. O Deus da vida nunca vai estar ao lado daquele que prega o armamentismo. Porque Deus é amor, é solidariedade. E que nós católicos, como cristãos, como devotos, também não possamos aceitar o que tantas pessoas estão fazendo com a religião para angariar votos”, disse o padre.
Segundos depois, uma mulher o interrompeu: “O Deus da vida é a favor do aborto, padre?”. Ele, então, respondeu que não e tentou seguir com a missa, mas foi novamente interrompido. “É a favor da ideologia de gênero? Ninguém aqui fala nada. [Trecho inaudível]. O senhor está pedindo voto para o Lula”, afirmou a fiel.
Na sequência, o padre diz que não pediu votos a Lula e segue na condução da missa. No entanto, um grupo maior de fiéis começa a falar enquanto ele continua as orações. “Eu não estou pedindo voto para o Lula. Eu estou falando a palavra”, diz o padre ao interromper novamente a cerimônia religiosa. Depois disso, mais pessoas começam a falar ao mesmo tempo e a transmissão ao vivo da missa é encerrada.
Missa interrompida em Jacareí
Uma mulher interrompeu uma missa e discutiu com um padre em Jacareí, no interior de São Paulo. Um vídeo gravado por fiéis mostra a mulher discutindo com o padre na paróquia usando expressões bolsonaristas — como “esquerdista” e “ideologia de gênero”. O padre havia mencionado na homilia a vereadora Marielle Franco, do PSOL, assassinada em 2018 em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas.
“O senhor não vai falar de Marielle Franco dentro da casa de Deus. O senhor não vai falar de Marielle Franco, uma homossexual, uma envolvida com o tráfico de drogas, o senhor não vai falar de Marielle Franco dentro da casa de Deus. Uma esquerdista do PSOL, uma homossexual, que quer a ideologia de gênero dentro da escola das crianças”, disse a mulher, segundo o jornal O Globo.
Cardeal chamado de ‘comunista’
Nao último dia 16, dom Odilo Scherer, cardeal e arcebispo metropolitano de São Paulo, foi chamado de “comunista” por usar roupas vermelhas – norma da Igreja Católica para cardeais como ele. Ele foi, ainda, acusado de apoiar o aborto, o que é repudiado pela igreja. Dom Odilo também foi associado ao ex-presidente Lula (PT) e a uma suposta “ditadura da esquerda”.
“Sou a favor da família, contra o aborto e toda violência contra a pessoa; não aprovo comunismo nem o fascismo; sou a favor da moral dos mandamentos de Deus. Estou em comunhão com o Papa…”, disse o cardeal sobre suas crenças.
↗ Bispos católicos condenam exploração da fé no 2º turno da eleição
“Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!”, afirmou.
‘Falta de respeito e sensibilidade’
À GloboNews nesta terça (18), o vice-presidente da CNBB, citando a hostilidade aos religiosos em Aparecida (SP), disse que a agressão verbal é falta de respeito com Dom Orlando Brandes, arcebispo do Santuário, e com o próprio Santuário Nacional de Aparecida. “Não é lugar para manifestações desse tipo”, afirmou. Ao jornal O Estado de S.Paulo, na segunda-feira (17), ele afirmou que a fé dos católicos não pode ser “manipulada” para “fins espúrios” durante as eleições.
Em 11 de outubro, a CNBB divulgou nota lamentando o que chamou de “intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno” das eleições deste ano. No texto, a entidade afirma que “momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições. Desse modo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lamenta e reprova tais ações e comportamentos”.
A nota não cita candidatos nem situações específicas.
O ex-presidente Lula (PT), candidato à Presidência, disse em encontro com católicos nesta semana que padres e religiosos têm sido atacados no Brasil porque estão “falando da fome, da pobreza e da democracia”.
↗ Igreja confirma que garoto-propaganda de Bolsonaro nunca foi padre
via G1
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