Carcereiro de Lula na Polícia Federal declara voto no ex-presidente
Antes sucateada e pouco ativa, Polícia Federal foi modernizada e ganhou autonomia na era Lula. Ao declarar seu voto para a Presidência, ex-chefe do Núcleo de Operações da PF revelou detalhes dos 580 dias em que Lula ficou preso
O responsável pela carceragem da Polícia Federal em Curitiba, local onde o ex-presidente Lula ficou detido por 580 dias por determinação da Operação Lava Jato, declarou voto no petista. As informações são de Thiago Herdy, colunista do UOL.
Jorge Chastalo Filho, ex-chefe do Núcleo de Operações da Polícia Federal em Curitiba, disse ter convicção em seu voto ao petista. “Diante da tragédia que estamos vivendo, eu declaro voto com todo vigor do meu peito”, disse Chastalo, que hoje atua como adido da Polícia Federal em Lima, no Peru.
Chastalo ficou famoso a partir de 2017, pela sua onipresença em fotos de presos pela operação Lava Jato no momento em que chegavam ou saíam da carceragem da PF em Curitiba. Ficou conhecido também como “Rodrigo Hilbert da PF”, por conta de sua semelhança física com o ator global.
Na condição de chefe da carceragem, cabia a Chastalo escalar em modelo de rodízio agentes para cuidar da vigilância na carceragem do ex-presidente, e também decidir o que era permitido e o que não era permitido na cela onde Lula cumpria parte de sua pena de prisão.
A função aproximou-o do ex-presidente, figura que agora ele diz admirar por conta de sua força política. “A sensibilidade de sua preocupação com a pobreza, com a desigualdade social, com o bem-estar das pessoas, tudo isso se mostrou algo muito verdadeiro nele e foi algo que me marcou. Nunca o vi deprimido, na carceragem era um sujeito humilde e que sempre demonstrou gratidão e compaixão por quem estava ali com ele”, diz o ex-carcereiro.
Chastalo afirma não gostar de ser encaixado em tipos ideológicos (“a gente precisa de um governo que seja competente, não importa se de esquerda ou de direita”) e diz ter evitado se manifestar politicamente até aqui sobre eleições, por conta de sua condição de funcionário público diretamente envolvido em questões sensíveis, como a própria prisão do ex-presidente.
Mas ele afirma estar disposto a se “arriscar” e “arcar com as consequências disso” diante de sua indignação em relação à qualidade do atual governo, que considera “abominável”.
“Diante deste absurdo que a gente tá vivendo, de ataque à democracia, essa falta de civilidade, de desamor gigante, do ódio estimulado entre as pessoas, tenho absoluto desprezo pelo governo que está aí. Como disse um dia Ulisses Guimarães, ‘tenho nojo’. Então me sinto moralmente obrigado a me manifestar”, justifica.
Durante o período em que Lula esteve preso, o agente conversava com ele sobre diversos temas – família, filhos, futebol, entre outros. E também sobre política e acusações de corrupção em governos petistas, corroboradas por acordos de colaboração premiadas e devolução aos cofres do Estado de valores pagos ilegalmente a dezenas de agentes públicos.
Segundo Chastalo, Lula nunca demonstrou sentir-se culpado pelo que foi revelado nas investigações da força-tarefa, sustentando que, na condição de presidente, deixava órgãos de controle “trabalharem livremente”, por considerá-los “aliados do governo”.
Lula considerava-se preso por conta de um “fato indeterminado”, segundo o agente. Dizia na cela que voltaria um dia a ser presidente do país.
Polícia Federal nos governos Lula
A Polícia Federal só adquiriu autonomia e foi modernizada a partir do governo Lula. Esses fatos foram admitidos até mesmo pelo ex-juiz Sergio Moro, adversário declarado do petista.
“Foi garantida a autonomia da Polícia Federal durante esses trabalhos de investigação nos períodos do governo Lula, e isso continuou com Dilma. É certo que o governo na época tinha inúmeros defeitos, mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para que fosse possível realizar esse trabalho [Lava Jato]. Seja de bom grado ou seja pela pressão da sociedade, essa autonomia foi mantida”, disse Moro.
O ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima destacou, em 2016, que “boa parte da independência atual do Ministério Público, da capacidade administrativa, técnica e operacional da Polícia Federal decorre de uma não intervenção do poder político” durantes os governos Lula e Dilma. Santos Lima é quem sugeriu que o Ministério Público fosse “direto na jugular”, usando a morte de Dona Marisa no confronto público com Lula.
RELEMBRE: Procurador da Lava Jato diz que PT é o único que não impede investigações
Os ex-procuradores gerais da República Cláudio Fonteles e Antônio Fernando Barros e Silva também declararam expressamente que nos governos Lula não houve interferência em investigações . Pelo contrário, houve aprimoramento. De acordo com Cláudio Lemos Fonteles, Lula respeitou a autonomia do Ministério Público da União ao nomeá-lo após a Associação Nacional dos Procuradores ter feito uma lista, em que ele foi colocado em primeiro lugar. “O presidente confirmou a vontade da classe”, pontuou. “Nunca, em nenhum momento, houve qualquer pedido direto ou indiretamente sobre as atividades que eram da minha atribuição nem de outros colegas do Ministério Público”, afirmou Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
A realidade é que a Polícia Federal ganhou mais recursos e autonomia com a chegada de Lula à Presidência, em 2003. O salto no volume de recursos investidos pelo governo federal em segurança pública passou de R$ 3,73 bilhões em 2002 para R$7,95 bilhões em 2014.
Também no combate à corrupção, o Brasil viveu um momento inédito. Pela primeira vez na história, o país teve instituições sólidas, com independência para agir em defesa do Estado e da sociedade, e ordens expressas para não engavetar investigações nem varrer escândalos para debaixo do tapete.
Jair Bolsonaro já trocou mais de 10 delegados da Polícia Federal que ousaram iniciar investigações contra seus filhos e/ou aliados do governo. Completamente aparelhada, a instituição hoje não investiga nada que possa prejudicar o atual presidente.