Estudo inédito revela associação dos agrotóxicos aplicados de avião em plantações de SP ao desenvolvimento de câncer. Para os pesquisadores, essa pode ser uma das explicações para o alto índice da doença em polos da cana-de-açúcar nas regiões de Barretos, Ribeirão Preto, Presidente Prudente e São Joaquim
Hélen Freitas, Repórter Brasil/Agência Pública
Estudo inédito revela que 30% dos agrotóxicos aplicados de avião em plantações de cana-de-açúcar do estado de São Paulo têm associação ao desenvolvimento de câncer.
Para os pesquisadores, essa pode ser uma das explicações para o alto índice da doença em polos da cana-de-açúcar nas regiões de Barretos, Ribeirão Preto, Presidente Prudente e São Joaquim.
Embora cruciais para a saúde da população, as informações sobre quais agrotóxicos são aplicados de avião não são abertas ao público e foram obtidas, pela primeira vez, pela Defensoria Pública de São Paulo.
Os dados serviram de base para pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sobre a relação entre as doenças que esses agrotóxicos podem causar e as enfermidades que ocorrem nas regiões onde foram aplicados. Chamou a atenção dos pesquisadores a prevalência de casos de câncer e a grande quantidade de pesticidas associados a essa doença.
Foram analisadas as aplicações feitas em 2019 em 63 cidades, todas nas regiões de Barretos, Batatais, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São Joaquim da Barra.
Sete substâncias potencialmente cancerígenas foram encontradas em 12 produtos pulverizados nos canaviais. Em grande parte dos casos, o câncer só aparece depois de anos de exposição aos venenos, sendo difícil fazer a correlação direta entre a aplicação e a intoxicação.
“Não posso afirmar que a pulverização está causando câncer nessas regiões, mas o que a nossa análise mostra é que esse é um fator de risco e que existe câncer acima da média nessas regiões”, disse Sônia Hess, engenheira química e uma das responsáveis pela pesquisa.
A Basf é a fabricante do agrotóxico associado a desenvolvimento de câncer mais aplicado sobre a área em questão. Com nome comercial de Opera, o epoxiconazol é proibido na União Europeia devido a evidências de que pode provocar câncer no fígado, problemas para o sistema reprodutivo e no desenvolvimento do feto.
Desde 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reavalia a permissão para uso desse agrotóxico no país devido aos seus riscos para a saúde.
A empresa afirma, entretanto, que seus produtos são seguros, submetidos a testes e avaliações e aprovados por autoridades competentes. “Seguindo estas premissas, o epoxiconazol continua sendo usado com segurança desde 1993 em mais de 60 países e contribui com sucesso para manter o potencial produtivo dos cultivos recomendados”, disse a Basf. Veja a íntegra da resposta.
Outros agrotóxicos, como o glifosato e o 2,4-D, também aparecem na lista de químicos potencialmente carcinogênicos pulverizados no céu paulista. Classificados pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer como “provavelmente” e “possivelmente” cancerígenos, respectivamente, foram os agrotóxicos mais vendidos no Brasil em 2020, segundo o Ibama.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que 10% dos agrotóxicos vendidos no Brasil são utilizadas na cana-de-açúcar, estando esse cultivo atrás somente da soja e do milho. A aplicação desses agrotóxicos acontece, prioritariamente, por meio aéreo.
Alternativas mais seguras, como uso de tratores vedados, são descartadas pelo grupo que representa o setor da cana.
“Seria absolutamente inviável a aplicação de defensivos agrícolas por meio manual, com equipamentos costais, ou mesmo por tratores com braços extensores, uma vez que o canavial é um extenso e denso maciço vegetativo, o que impede o acesso de pessoas e equipamentos agrícolas”, afirma a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar por meio de sua assessoria de imprensa. Leia a íntegra do posicionamento.
Com uma área plantada superior ao estado da Paraíba, a cana paulista abastece os mercados nacional e internacional de açúcar e etanol.
Aumento de câncer
Os casos de câncer nas cinco microrregiões têm crescido ao longo dos anos. Barretos é a que mais registrou mortes por câncer. De 2010 para 2019, houve um aumento de 63% dos casos entre os homens e de 28% entre as mulheres. Além disso, enquanto 120 homens a cada 100 mil habitantes morreram por câncer no Brasil em 2019, o número de óbitos salta para 214 nessa microrregião.
O estudo aponta três fabricantes que detêm 41% dos produtos utilizados na pulverização aérea de cana nas regiões —elas são as multinacionais europeias Syngenta e Bayer e a norte-americana FMC, que têm o Brasil como um dos maiores compradores de pesticidas proibidos em seus países de origem.
A Anvisa questiona o critério usado pelos pesquisadores para classificar agrotóxicos associados ao câncer. A agência afirma que tanto o glifosato quanto o 2,4-D foram reavaliados recentemente e não foram encontradas evidências suficientes que associam essas substâncias ao desenvolvimento de câncer. Confira a resposta na íntegra.
O Ministério da Agricultura diz que, “se forem atendidas as normas e recomendações constantes nas bulas dos produtos, as atividades aeroagrícolas são seguras para a população”.
As empresas e a associação que representa o setor, a CropLife, seguem a linha de argumentação da Anvisa e do Ministério da Agricultura. Segundo elas, seus produtos são seguros para a população e meio ambiente, caso a bula seja respeitada. Leias as respostas na íntegra.
Regras desrespeitadas
A pulverização aérea de agrotóxicos pode ser um risco para as pessoas e para o meio ambiente.
Por isso, o Ministério da Agricultura define regras que proíbem o uso de avião na aplicação de agrotóxicos em áreas a menos de 500 m de distância de cidades, povoados e mananciais utilizados pela população, ou de 250 m de moradias isoladas. Caso não seja possível respeitar essas distâncias, o aplicador é obrigado a comunicar previamente aos moradores da área e não pode passar por cima das casas.
Mas há diversas denúncias de descumprimento, afirma Diógenes Rabello, pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e morador de assentamento na região de Presidente Prudente. Ele relata que as pessoas sentem o cheiro forte dos agrotóxicos e depois têm dores de cabeça e coceiras pelo corpo.
Estudo conduzido pela Unesp registrou ainda os impactos nas plantações dos assentamentos próximos. Dias após a pulverização aérea, é possível perceber o apodrecimento das frutas ainda no pé, um dos primeiros sinais de contaminação, segundo os pesquisadores. “É um trabalho de meses perdido”, afirma Rabello.
A mortandade de abelhas é outro sinal da contaminação
Dezessete produtos utilizados na cana possuem ingredientes tóxicos para esses insetos, de acordo com a análise da Defensoria Pública e da UFSC.
O Altacor foi o mais usado pelos produtores. Esse inseticida da FMC Química do Brasil é feito à base de clorantraniliprole, ingrediente classificado como “muito perigoso ao meio ambiente”. Estudos apontam efeitos de longa duração sobre a capacidade locomotora de abelhas, danos ao sistema imunológico e efeitos nocivos sobre o desenvolvimento de larvas.
Questionada, a empresa afirmou que “este produto foi considerado apto para uso nos cultivos registrados, seguindo as recomendações da bula”, entretanto, não respondeu sobre a relação do agrotóxico produzido por ela com a mortandade de insetos.
Segundo a Unica, as empresas buscam constantemente atualizar sua base cartográfica para definição das zonas em que serão aplicados os agrotóxicos. A entidade afirma que a falta de formalização da apicultura impossibilita que “as usinas tenham conhecimento de sua existência e localização, portanto, impedindo que sejam determinadas como zonas de restrição no momento da aplicação”.
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