Dirigente do PL, de Bolsonaro, é indiciado por abusar sexualmente das netas
A turma do 'pintou um clima': Netas tinham 6 e 7 anos quando começaram a ser abusadas pelo correligionário de Bolsonaro. José Renato da Silva é vice-presidente do PL em SP
O dirigente do Partido Liberal (PL), partido do presidente Jair Bolsonaro (PL), e vice-presidente estadual da sigla em São Paulo, José Renato da Silva, foi indiciado pela Polícia Civil por abusar sexualmente das netas quando elas tinham 6 e 7 anos até a adolescência.
Caso foi revelado pela filha, Cintia Renata Lira da Silva, que também diz ter sido abusada pelo pai quando era criança. Ela publicou um desabafo no Instagram sobre o caso. Cintia é secretária municipal de Suzano (SP), cidade em que José Renato já foi prefeito.
No texto, ela conta que viveu por anos guardando esse segredo e que só decidiu denunciar o pai depois de tomar conhecimento de que suas filhas passaram pela mesma situação. Na carta aberta, a secretária ainda relata como se sentiu e como vem apoiando as filhas.
“Por várias vezes oscilei em fazer isso e permanecer calada, quieta no meu canto conhecido, porque já estou acostumada a lidar. Passei minha vida inteira tentando provar para alguém, sempre com a sensação de não pertencer ao lugar, seja ele qual fosse”, conta.
Cíntia ainda critica a posição de algumas pessoas que tentaram abafar a situação para preservar a imagem de José Renato. “Eu, uma criança de 6 anos apenas, e minhas filhas tinham 6 e 7 aninhos quando começaram os abusos feitos pela mesma pessoa, o avô. Elas continuaram sendo abusadas pelos 9 anos seguintes. Crianças sendo acariciadas por quem deveria protegê-las. Sendo obrigadas a acariciá-lo também. Não tinha como sermos adultas e saudáveis tendo que conviver com isso e ainda nos calar”, afirma.
Leia a íntegra:
“De todas as coisas impossíveis que imaginei que aconteceriam em minha vida esta, sem dúvidas, estava no topo da lista. Falar abertamente sobre algo que escondi por mais de 42 anos não é uma tarefa nada fácil.
Por várias vezes, oscilei em fazer isso e permanecer calada, quieta no meu canto conhecido, porque lá já estou acostumada a lidar. Passei uma vida inteira tentando sempre provar algo pra alguém, sempre com a sensação de não pertencer ao lugar, seja ele qual fosse. Mas no fundo, só estava tentando fugir da verdade. Depois de pensar, pensar e pensar, percebi que é o necessário a se fazer. Quando eu tinha seis anos de idade meu pai me convidou para tomar banho com ele. Esse banho mudou o resto da minha vida.
Após o abuso ocorrido, eu apaguei 7 anos da minha memória e uma grande parte da minha infância. Era como se eu tivesse dormido com 6 e acordado com 13 anos. Não tenho lembranças desse período; nem boas e nem ruins. Com o passar do tempo acreditei que poderia esquecer, apagar as imagens da minha mente e seguir como se nada tivesse acontecido. Apesar de nunca ter tocado nesse assunto com ninguém, ele me assombrava todos os dias.
Uma angústia constante tomou conta do meu peito, e um desconforto na presença dele faziam parte da minha rotina. Mas eu seguia fingindo estar bem. Achei que poderia superar em silêncio e guardar esse segredo pra sempre! Como só eu e ele sabíamos e ele nunca tocou no assunto, achei que bastava abafar tudo e continuar fingindo ter uma vida normal.
Esse pensamento continuou até o dia em que eu descobri que ele, meu pai, também tinha abusado das minhas filhas. Sem dúvidas, foi o pior dia da minha vida. Parecia que o mundo era apenas um campo magnético que me puxava para baixo. Não sabia sequer que direção tomar. Relembrar esse dia dói mais do que relembrar o próprio abuso que sofri. Como ele pôde? Com minhas filhas? Por semanas senti vergonha, culpa e fragilidade, tristeza e indignação.
A coragem que nunca tive enquanto filha, tive enquanto mãe. Eu já fazia tratamento psicológico e psiquiátrico há anos e, sem dúvidas, isso me deu amparo para organizar meus pensamentos transformar esses sentimentos em forças pra continuar.
A violência sexual não só tira nossa autoestima, como nos faz sentirmos humilhadas, destrói qualquer capacidade de nos movermos. O medo nos congela. Medo de ser responsável pelo que pode acontecer a ele, medo de perder emprego, ser culpabilizada, medo de levantar o tapete e tirar esse segredo debaixo dele. Passa de tudo na nossa cabeça. Como iria reagir? Como as pessoas reagiram? Tive acolhimento não só no âmbito pessoal como também profissional. Mais do que imaginaria que teria. Isso me fez continuar firme por mim e pelos meus filhos principalmente. Todos nós tivemos sequelas dessa situação.
Crises de depressão, ansiedade e tentativa de suicídio são algumas das situações que aconteceram em minha família. Acordava todos os dias sem querer sequer abrir os olhos, mas eu precisava seguir. Precisava ser forte e dar forças para eles. É o tipo da situação que você nunca acha que vai acontecer na sua vida. Muito menos com suas filhas. Desde então muita coisa se passou. Ele já foi indiciado e o processo corre em segredo de Justiça, mas eu não posso me calar mais. Se tornou uma situação inevitável e irreversível.
Eu e meus filhos nos unimos como nunca antes. Um deu forças ao outro, e eu tento dar mais força ainda a todos. Hoje já conseguimos conversar sobre o assunto, falarmos o que pensamos, o que achamos. Isso faz parte do processo, e mesmo não querendo passar por tudo, aceitamos que o processo é longo. Longo e doloroso. Muito doloroso. Várias pessoas nos acolheram, nos ajudaram e continuam nos ajudando. Tanto no âmbito pessoal quanto no profissional. Mas ainda existem algumas que não conseguem assimilar, nem entender.
Eventualmente nos deparamos com comentários sem sentido que ferem a alma:
‘Deixa isso pra lá que logo tudo se resolve’.
‘Pra que mexer mais com isso, já passou, vida que segue’,
‘Ah não teve conjunção carnal, né? Então menos mal. Só seguir’. Seguir..
Cada uma dessas frases foi como lanças no meu peito. Eu não retruquei nenhuma delas. Apenas observei e percebi como algumas pessoas têm dificuldade em sentir empatia. Talvez no momento em que me disseram isso, enxergaram apenas três mulheres adultas e supostamente saudáveis. Não tiveram a sensibilidade de nos enxergar o que éramos à época. Eu, uma criança com 6 anos apenas, e minhas filhas tinham 6 e 7 aninhos quando começaram os abusos feitos pela mesma pessoa, o avô. Elas continuaram sendo abusadas pelos 9 anos seguintes. Crianças sendo acariciadas por quem deveria protegê-las. Sendo obrigadas a acariciá-lo também.
Não tinha como sermos adultas e saudáveis tendo que conviver com isso e ainda nos calar. Hoje estamos unidos e fortalecidos. Dentre todas as terapias que fizemos, falar foi a mais a eficiente. Falar e falar. Não se calar. Não fingir. Não guardar mais esse segredo. Não ser mais obrigada a cuidar da “imagem” dele, mas sim, de juntarmos todas as forças pra cuidarmos de nós. Existe muita especulação sobre o assunto. Mas essa é a verdade. Foi difícil chegar até aqui e enfrentar tudo de frente. Mas, após pensar muito, cheguei à conclusão de que falar publicamente poderia ajudar mais pessoas, mais crianças, mais mulheres.
Os abusos aconteceram na nossa infância. Não podemos nunca esquecer ou mudar o que houve. Mas podemos mudar o que está para acontecer. E o que faremos sobre isso? Nós é que decidimos. E eu e minha família decidimos superar. Enfrentar e tentar, de alguma forma, ser feliz. Nosso tempo no casulo já se esgotou. É hora de voarmos como borboletas livres! Tentar ajudar mulheres que ainda não conseguiram iniciar a trajetória do processo de libertação. E se alguma delas estiver lendo isso, quero dizer que vale a pena se permitir.
A sensação de liberdade, de tirar um peso das costas é muito intensa. A cada dia que conseguimos enfrentar mais uma batalha e superar, serve de mais força pra continuarmos e ficarmos bem. É muito importante que esse tema não seja ofuscado. Quanto mais e mais mulheres conseguirem se libertar, mais nossas crianças terão com quem conversar e pedir socorro. Devemos sim discutir o assunto à luz do dia. É nossa obrigação. Não só para quem foi ou é vítima de abuso. Mas é uma obrigação de todos nós. Temos que abordar o tema com muito amor e principalmente empatia.
E fazer isso não é confortável, mas é um caminho irreversível. Infelizmente as dores humanas são, na maioria das vezes, silenciadas, pois mexer com elas está fora da nossa rotina. Até o dia em que essa dor faça parte da sua própria rotina. O silêncio que muitas de nós mantemos só reforça a cultura que impede mais mulheres de falarem. O trauma e o silêncio nos deixam em posição de impotência e isolamento. Quando falamos sobre o assunto rompemos essa condição que nos paralisa. Enfrentar esse assunto, falar com minha mãe, com meu namorado e amigos me fez perceber que eu não estava sozinha.
Isso fez com que eu, nós, ressignificássemos nossas vidas. Nós fomos vítimas. Não somos mais! Não se calem. Procurem um profissional ou alguém da sua confiança e converse. Fale. Isso trará paz à sua alma. Ainda se pode mudar o que está por vir. Ainda é possível ajudar mais mulheres e crianças. E esse é o verdadeiro propósito desse desabafo. Mostrar que tudo pode melhorar. Creia! Você pode! Sempre há esperança!”