Ministro diz que não sabia que sua entrevista serviria de gancho para os bolsonaristas mais radicais pedirem o adiamento das eleições. Arrependimento surge após Fábio Faria perceber que a rádio do seu próprio pai está entre as emissoras que ele denunciou por supostamente terem veiculado menos inserções de Bolsonaro. Há, ainda, rádios evangélicas abertamente apoiadoras do atual governo. Em novo depoimento, servidor bolsonarista exonerado pelo TSE muda versão
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse que abandonou a estratégia de questionar as inserções de propaganda eleitoral em rádios do Nordeste. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, sugeriu que, para haver reparação ao pai, as eleições teriam de ser adiadas. A ideia conta, porém, com forte oposição do Centrão, que temem ser associados à defesa de um golpe e do incentivo a uma tática para ganhar no “tapetão”.
Fábio Faria disse que se arrependeu de ter dado aquela entrevista coletiva ao lado de Fabio Wajngarten. As informações são da jornalista Mônica Bergamo. “Tentei [apenas] mediar um acordo para recebermos inserções e não foi possível. Aí saí do tema”, disse.
A ideia inicial, segundo Fabio, era que o TSE concedesse à campanha de Bolsonaro o mesmo número de inserções, na reta final das eleições, que supostamente não haviam sido divulgadas nas rádios.
“A falha era do partido, que percebeu o problema tardiamente, e não do tribunal. Como havia pouco tempo para o TSE fazer uma investigação mais aprofundada, eu iniciei um diálogo com o tribunal em torno do assunto”, diz ele.
A iniciativa desandou, diz ele, quando bolsonaristas passaram a usar o fato para pedir o adiamento das eleições, que acusavam de “fraude”. “Eu fiquei imediatamente contra tudo isso. Fui o primeiro a repudiar”, diz. “Isso prejudicaria o presidente Bolsonaro”, segue.
Faria afirma ainda que, quando a situação “escalou”, protestou internamente e decidiu “sair de cena”. “Me arrependi profundamente de ter participado daquela entrevista coletiva. Se eu soubesse que [a crise] iria escalar, eu não teria entrado no assunto”.
O ministro afirma que, por manter um bom diálogo com magistrados de tribunais superiores, sempre fez a mediação entre a campanha de Bolsonaro e o TSE, “desde o primeiro turno”.
Quando surgiu o problema das rádios, a partir de um dossiê montado pelo PL, ele também foi chamado para tentar um acordo com os magistrados. Ministros do TSE ficaram contrariados com a atitude de Faria, mas ele afirma que já conversou com todos e que o episódio foi esclarecido.
“O arrependimento de Fábio Faria é inútil porque a mentira se espalhou entre os bolsonaristas, que agora acreditam piamente que há uma conspiração das rádios, dos petistas, do TSE, dos illuminati, dos cavaleiros templários, dos chineses com chip 5G de vacina, do Hulk, do Thor, Homem de Ferro, para impedir que Bolsonaro vença as eleições”, declarou o jornalista Leonardo Sakamoto.
No entanto, Leonardo Sakamoto ponderou que a polêmica entrevista do ministro “cumpriu seu papel para a campanha de Jair de forma exemplar” porque “ajudou a botar fogo na floresta”.
“Agora, que a floresta queima, o arrependimento – provavelmente para se proteger de punições futuras – é inutil. Agora, Ines é morta. Mas a cara de pau do bolsonarismo segue vivíssima”, completou.
Rádio do pai
Fábio Faria acabou descobrindo através da imprensa que uma rádio que pertenceu ao seu próprio pai está no dossiê que ele apresentou na entrevista coletiva — o que demonstra que a acusação foi feita às pressas e sem checagem. O relatório foi montado por uma empresa que presta serviços à Havan, de Luciano Hang.
A rádio do pai de Faria é a Agreste FM, do Rio Grande do Norte. Diversas rádios evangélicas que são abertamente bolsonaristas também foram inclusas no relatório — o que fragiliza a denúncia, uma vez que as emissoras não tinham razão alguma para conspirar contra Bolsonaro e deixar de exibir as inserções. Uma proprietária de uma dessas rádios evangélicas aparece sorridente em foto com Michelle Bolsonaro.
Servidor do TSE muda versão
O servidor Alexandre Gomes Machado, exonerado da função de confiança no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mudou sua versão sobre os alertas que alegou ter feito à Corte sobre problemas na fiscalização das inserções de propaganda eleitoral – peças publicitárias dos candidatos com 30 segundos de duração.
Ao prestar depoimento à Polícia Federal, Machado disse ter alertado sobre falhas de fiscalização no “acompanhamento da veiculação das inserções”, e não no controle das peças suspensas. No entanto, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ex-servidor do TSE disse ter relatado, após as eleições de 2018, sobre queixas de descumprimento de ordens para suspensão de inserções na TV.
Uma reportagem do Pragmatismo mostrou que o servidor se comportava nas redes sociais como um militante bolsonarista. Saiba mais: