Se a história de Lula merecia destaque, a reparação jurídica com reestabelecimento dos direitos políticos, permitiu a ele escrever mais um capítulo condizente com a sua dimensão. Após todos os ataques, ilegalidades processuais, manipulações, difamação, condenação midiática, numa proporção que nenhum outro político talvez conseguisse sobreviver, Lula retorna para vencer as eleições, quebrar com o ciclo de ódio promovido pelos moralistas de extrema-direita e ser presidente do Brasil pela terceira vez
Anderson Pires*
A história é feita por personagens épicos. Muitos deles parecem parte de algum roteiro espetacular. Hoje, graças aos registros cada vez mais acessíveis, o que poderia parecer ficção vira fato propagado de forma imediata e alcance global.
São muitos homens e mulheres que atravessaram séculos com exemplos de superação, que serviram para transformar o mundo e escrever a história. No período mais recente, do século XX até os dias de hoje, a política tem produzido personagens de relevância global, capazes de ditar novos comportamentos e padrões humanitários.
É verdade que muitos se destacaram pela desumanidade, a exemplo de Hitler, Mussolini e alguns facínoras de menor relevância. Da mesma forma, temos grandes nomes que ficaram na história pelo legado que deixaram e a trajetória de superação.
Gandhi na sua luta pela independência da Índia foi preso por mais de uma vez, mas nem por isso deixou de lado os valores que defendia. Pregou a desobediência civil massiva não violenta e morreu como o grande líder indiano, um ano após se libertarem da Inglaterra.
Outro grande líder perseguido, condenado e preso por 27 anos foi Nelson Mandela. Sua luta contra o racismo e o segregacionismo garantiram lugar na história como a maior liderança política africana, com um legado reconhecido em todo mundo.
Tanto Gandhi como Mandela foram atacados pelas elites que lhes imputaram penas e tentaram marginalizar a atuação política, por representarem ameaça à dominação e lutarem contra a desigualdade. Apesar de serem lideranças de países periféricos e representarem setores progressistas ou de esquerda na sociedade, a relevância das causas que defendiam não permitiu que distorcessem suas histórias, apesar de muitas tentativas.
No Brasil, a história de Lula é também épica. Certamente, caberia em grandes roteiros, pelos diversos detalhes da sua trajetória. Porque poderia ter o mesmo desfecho de milhões de nordestinos pobres que fugiram para o Sudeste. A maioria foi engrossar as favelas e o máximo de sucesso era ter um emprego que desse condições de subsistir.
Outros tantos morreram por não conseguirem condições mínimas de vida. Muitos seguiram pela criminalidade sem qualquer perspectiva, condenados a uma sentença de morte precoce. Em comum, todos tinham origem semelhante ao Lula, o destino previsto de pobreza, criminalidade ou morte sem qualquer glamour. Dessa forma, as elites reforçavam a tese da meritocracia positivista e mantinham o regime de exploração que sempre garantiu um nível de concentração de renda absurdo.
Mas Lula era um transgressor como nenhum outro do seu segmento social. O retirante representava um risco maior do que os grandes capitalistas brasileiros poderiam imaginar. Na condição de intocáveis que muitos sempre gozaram, protegidos pela ditadura militar e o estado, subestimaram a capacidade que um líder popular, oriundo do Nordeste, teria de produzir transformações políticas nunca vistas.
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Pois é, de líder sindical até se transformar na maior liderança política do Brasil, Lula derrubou barreira por barreira e colocou na pauta nacional discussões que antes eram sequer consideradas. O limite da discussão sobre fome, miséria e desigualdade era a inserção do tema em matérias jornalísticas, filmes que abordavam o tema ou campanhas de caridade.
A discussão sobre racismo, machismo, gênero, orientação sexual, distribuição de renda e tantos outros temas que ficavam na margem em toda história do Brasil, ganharam espaço e protagonismo com a ascensão de Lula ao poder. É bem verdade que muitos desses debates ficaram restritos ao viés identitário, poderiam ter ido mais além, com uma abordagem classista que deixasse claro que o problema central, que agrava todas as violências sociais, é a desigualdade.
Mas independentemente dessa posição mais radical em deixar claro que os principais problemas do Brasil precisam ser combatidos numa perspectiva de luta de classe, Lula introduziu questões antes intocáveis. Subverteu a ordem vigente de alguma forma e criou novos paradigmas. Ou alguém acha que é pouco ser praticamente senso comum que é necessário amparar os mais pobres com algum mecanismo de distribuição de renda?
Se voltarmos apenas 25 anos, teremos o retrato de um país que considerava programa como o Bolsa Família privilégio e que políticas semelhantes serviam para alimentar uma legião de vagabundos. Todo o mérito de romper com esse discurso é do Lula. A grandeza dessa conquista obrigou até a extrema-direita bolsonarista entender que é inaceitável não existir algum programa de renda mínima.
Esse legado de Lula não foi construído de forma linear e sem obstáculos como pode parecer. Exatamente por isso, que sua história que já tinha elementos suficientes para ser considerada épica, foi acrescentada de eventos que deram ainda mais força a narrativa que Lula é o maior líder político brasileiro. Um homem do povo, gestado na classe trabalhadora e sem vínculos com as elites.
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Pois, foi essa elite conservadora, de extrema-direita, que sem condições de vencer Lula democraticamente, resolveu promover a desconstrução do seu legado político e mesmo com o maior bombardeio midiático da história, mais o golpe à presidente Dilma, não conseguiu reverter a opinião do povo brasileiro, muito menos a intenção de voto. Restou a estes a farsa jurídica com quebra do Estado de Direito, praticada por membros do judiciário sabidamente parciais.
Mas nem a prisão foi capaz de matar Lula e as transformações que promoveu. Os bastiões da moralidade foram desmascarados. Toda trama foi vazada, o juiz Moro condenado suspeito, algo mais que óbvio, visto que, teve como prêmio o cargo de ministro de Bolsonaro.
Se a história de Lula merecia destaque, a reparação jurídica com reestabelecimento dos direitos políticos, permitiu a ele escrever mais um capítulo condizente com a sua dimensão. Após todos os ataques, ilegalidades processuais, manipulações, difamação, condenação midiática, numa proporção que nenhum outro político talvez conseguisse sobreviver, Lula retorna para vencer as eleições, quebrar com o ciclo de ódio promovido pelos moralistas de extrema-direita e ser presidente do Brasil pela terceira vez.
O personagem épico não é mero objeto de ficção. A vitória de Lula para presidente da República em 2022 consolida definitivamente seu nome como o maior de todos os políticos sulamericanos e, certamente, um dos homens mais influentes do mundo em toda história. O nordestino, retirante, metalúrgico, filiado ao Partido dos Trabalhadores, que foi preso injustamente é na verdade o maior transgressor da lógica conservadora, que estabeleceu o mérito como direito de privilegiados. A crença incessante de que toda sua trajetória teria criado raízes no povo brasileiro foi inabalável. Esse é o grande motivo da sua vitória. A lição que Lula deixa: lutar sempre. Afinal, a vida continua.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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