Lula diz que, eleito, vai esquecer a campanha e governar para todos: ‘conversar com todo mundo’. Lula comparou o papel do presidente ao de um maestro de orquestra. “Uma orquestra de 215 milhões, que tocam os mais diferentes instrumentos.” Assim, é preciso “harmonizar” sociedade. Ex-presidente afirmou que respeitará o resultado da eleição e espera que seu adversário faça o mesmo
A conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no programa O Brasil Pod+ era com um humorista, Paulo Vieira, mas teve poucos momentos descontraídos, porque os temas dos 90 minutos quase não permitiram: fome, evasão escolar, violência, exploração sexual, devastação ambiental. O candidato da coligação Brasil da Esperança disse que, se for eleito, vai “esquecer” o processo eleitoral e promover diálogo. “Vou conversar com todo mundo”, afirmou, confirmando a intenção de criar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, apelidado de Conselhão, que reunia diversos setores da sociedade para discutir questões nacionais no assessoramento ao presidente.
Lula comparou o papel do presidente ao de um maestro de orquestra. “Uma orquestra de 215 milhões, que tocam os mais diferentes instrumentos.” Assim, é preciso “harmonizar” sociedade. Ele disse que reconhecerá uma eventual derrota – como fez nas eleições em que perdeu – e espera que o outro candidato faça o mesmo. Assim, o adversário, caso perca, “tem que ficar quieto e se preparar para outra eleição, não criar confusão”.
País arrasado
Paulo Vieira afirmou a Lula que, se ele ganhar, vai pegar um país “arrasado” e perguntou por onde começar. O ex-presidente disse que enfrentou e superou dificuldades no primeiro governo, em 2003, mas acrescentou que a situação agora está pior “porque o Brasil é um país desacreditado, (…) está desmontando do ponto de vista das instituições”. E atribuiu isso ao atual presidente, Jair Bolsonaro. “Como é que pode um homem odiar cultura? Ele só gosta de bobagem, de falar mal dos outros, de falar mentira.”
Ao lembrar que nesta quinta (27) completará 77 anos, Lula disse que gostaria de dedicar os próximos quatro anos “para fazer o povo sorrir outra vez”. E brinca dizendo que, por pretender trabalhar 24 horas por dia, a lua de mel com Janja acabou, porque ambos vão “mexer massa na betoneira”, em busca, também de atrair capital interno e externo. “É preciso parar com essa bobagem de construir inimigos, precisamos fazer amigos.”
E a Simone?
Segundo o ex-presidente, é preciso investir em políticas sociais, combatendo a fome (tema que emocionou Lula durante o programa) e mantendo relação aberta com parlamentares, governadores e prefeitos. “O presidente da República tem que conversar com o presidente da Câmara, para discutir os projetos de interesse da nação e tornar isso público. (…) Nasci na vida política negociando no sindicato”, afirmou, lembrando de seus tempos à frente do Sindicato dos Metalúrgicos no ABC paulista. “Você tem que aprender a conversar.” O entrevistador aprovou: “Política é a arte de influenciar pessoas para o bem comum.”
A ex-apresentadora do Jornal Nacional Fátima Bernardes perguntou sobre a participação das mulheres em um futuro governo. E fez uma pergunta específica sobre a presença da senadora Simone Tebet. Avisou Lula que não acreditará caso ele diga que ele e a ex-candidata do MDB não conversaram sobre isso.
Sorrindo, o ex-presidente respondeu que Simone “é uma mulher de muita qualidade”, que pode ocupar qualquer ministério. Mas manteve cautela. “Tem muita gente na cabeça, mas eu ainda não conversei, porque eu não quero ‘sentar na cadeira’ antes de ganhar as eleições”, afirma. “Mas a Simone é um quadro respeitável. Eu posso dizer que vamos ter muitas mulheres no governo. (…) Você (dirigindo-se à jornalista) terá grandes e belas surpresas na montagem do governo.”
Governo deve ser plural
Paulo Vieira aproveitou para perguntar sobre políticas voltadas à população negra, e Lula respondeu positivamente. “O governo tem de espelhar a pluralidade da sociedade brasileira”, disse o ex-presidente, aproveitando para reafirmar a proposta de criar o Ministério dos Povos Originários, tendo um indígena à frente. Ele também confirmou a volta do programa Farmácia Popular, criticando o corte de recursos pelo atual presidente. “É um cara desumano, é um cara que não chorou uma lágrima por quase 700 mil pessoas que morreram”, afirmou, referindo-se à pandemia de covid-19, que hoje atingiu 687.907 óbitos registrados oficialmente. Segundo Lula, seu governo garantirá oportunidades às pessoas: “Todo mundo vai ter oportunidade de subir um degrauzinho na escala social”.
Em sua participação, a apresentadora Xuxa quis saber a postura de Lula em relação à exploração de crianças. Imediatamente, vem à tona o caso da recente fala de Bolsonaro “pintou um clima”. Lula fala “em atitude pedófila, que não vê uma criança com respeito”, e Paulo Vieira destacou o exemplo negativo que um presidente da República pode transmitir. O candidato falou em promover uma conferência nacional sobre o tema e sobretudo “punir severamente qualquer brincadeira ou qualquer estupidez com criança”. Mas enfatiza que essa é uma questão que cabe a toda sociedade.
Escola de tempo integral
O também apresentador Serginho Groisman fez pergunta sobre educação e pacificação do país. Observou que nunca se discutiu política como agora, mas que isso não é sinônimo de politização. Em resposta, Lula apontou “certa anomalia” na educação, que anos atrás tinha o setor público como referência. “Por isso, criamos o ProUni e o Fies. Agora, vamos ter que fazer uma pequena revolução conceitual sobre educação. Vamos ter que estabelecer escolas de tempo integral para criança ter multifuncionalidade na escola.” Ele também sugeriu mudanças no currículo, para incluir, por exemplo, a questão ambiental nas escolas. “Para que desde cedo os estudantes aprendam a cuidar do mundo, do seu espaço, do lixo”. Acrescentou que é importante ainda “recuperar os anos perdidos” devido à pandemia, um assunto que deverá ser discutido com os prefeitos.
Sobre pacificação, Lula falou em maior presença do Estado e disse que “armas não educam, matam”. Questionou o fato de o ex-deputado Roberto Jefferson ter um arsenal em casa, assim como “aquele vizinho do presidente da República”. Voltou a falar da criação do Ministério da Segurança Pública, sem invadir as atribuições dos estados, mas conversando com os governadores. Citou sua recente visita ao Complexo do Alemão para elogiar as iniciativas dos próprios moradores e contestou a ideia de alguns de que nesses locais só vivem bandidos. “É coisa de troglodita como esse presidente que nós temos.” Paulo Vieira aproveita a deixa: “E lá ninguém atirou na Polícia Federal”.
Mães, futebol e política
Os dois também conversaram sobre suas respectivas mães, Lindu e Conceição. Paulo contou que em breve sua mãe terá uma outra casa para morar. E relatou que seu “primo Emiliano” não conheceu o Lula operário e perguntou sobre o início de sua vida na política – a rigor, o próprio humorista e roteirista também não conheceu, porque nasceu em 1992, pouco antes de o petista participar de sua segunda campanha presidencial.
Lula lembrou, que até os 18 anos não gostava de sindicato e de política, só queria saber de futebol. Foi ao Sindicato dos Metalúrgicos um dia, influenciado por Frei Chico, seu irmão, e gostou. “Das ideias?”, quis saber Paulo. “Gostei das brigas, da confusão”, brincou Lula. “Depois eu descobri que apenas a luta sindical, a luta econômica, ela tem um limite. (…) Eu descobri que não tinha trabalhador no Congresso Nacional.” E procurou estimular o jovem a participar da política. “Tem gente boa, tem gente que não presta em tudo que é lugar. Na família da gente, no sindicato, na igreja, na vida é assim.”
Ainda ao falar das origens, o ex-presidente lembrou de quando sua mãe pegou os filhos e veio para São Paulo, passando 13 dias em um pau de arara. Contou que viu um caminhão da Shell na estrada e, por isso, durante muito tempo sonhou em ser motorista. “Depois eu fui dirigir um caminhão grande que era o Brasil.”
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