Se Bolsonaro for reeleito, agora com uma base robusta, irá dar prioridade à reforma administrativa, a uma nova reforma da Previdência, com foco na sua privatização, promoverá a desvinculação dos critérios de reajuste dos benefícios previdenciários em relação à inflação passada e ao INPC e ao reajuste do salário-mínimo, e ressuscitará as PECs da Desvinculação
Antônio Augusto de Queiroz* e Luiz Alberto dos Santos*, Congresso em Foco
Discute-se agora, com ar de surpresa, o vazamento de propostas do Ministério da Economia com medidas que podem impactar o orçamento da classe média, dos assalariados e dos aposentados e pensionistas, mas isso não apenas é do conhecimento público há muito tempo, como parte dessas medidas já foi incorporada nas Emendas à Constituição 103/19, da reforma da Previdência, e da Emenda Constitucional (EC) 109/21, conhecida como PEC Emergencial.
Primeiro, vejamos o que já foi aprovado em nível Constitucional – EC 103 e 109 – cuja implementação depende apenas do envio ao Congresso Nacional das medidas provisórias ou dos projetos de lei, para dar cumprimento às determinações constitucionais. Registre-se que parte delas já está sendo cumprida, como a cobrança de contribuições confiscatórias sobre remunerações e proventos, no caso dos servidores públicos, duramente atingidos pela EC 103/19, enquanto outras proposições legislativas já estão prontas no Ministério da Economia e só não foram enviadas ao Poder Legislativo ainda porque estamos em ano eleitoral e isto poderia prejudicar a candidatura de reeleição do Presidente Bolsonaro, por isso estão guardadas a sete chaves.
Além da cobrança imediata de contribuições mais elevadas, em vigor desde março de 2020, na Emenda Constitucional nº 103, da reforma da Previdência, foi autorizado que os governos federal, estadual e municipal – além do aumento da idade mínima, do tempo de contribuição e do valor da contribuição dos filiados aos Regimes Geral de Previdência Social (INSS) e do Regime Próprio de Previdência Social (Servidores Públicos) – cobrem contribuição de aposentados e pensionistas do Serviço Público sobre o valor de R$ 5.875,00, atualmente isento de contribuição, mediante a redução do limite de isenção de um teto do INSS (R$ 7.087,00) para um salário mínimo (R$ 1.212,00), bastando para tanto que declare que o Regime Próprio dos Servidores gasta mais com aposentadorias e pensões do que arrecada do governo e desses contribuintes, e que as receitas presentes ou futuras serão insuficientes para honrar as despesas previstas, o chamado déficit atuarial. Está autorizado ainda que, caso essa nova tributação sobre os aposentados e pensionistas, por meio da redução do limite de isenção, não seja suficiente para zerar o déficit financeiro desses regimes, os governos deverão instituir contribuição extraordinária, sem limite definido, sendo esta cobrada de todos – ativos, aposentados e pensionistas – do serviço público.
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Esses excessos de tributação, verdadeiro confisco, proibido pela Constituição por regra que é cláusula pétrea, acham-se sob exame do Supremo Tribunal Federal, que no último dia 16 de setembro iniciou o julgamento de 12 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs).
O relator, ministro Roberto Barroso, porém, considerou em seu voto que o déficit no setor é incontestável, com piora significativa nos últimos anos, e o pagamento de aposentadorias e pensões consome fatia relevante do Produto Interno Bruto (PIB) e do orçamento estatal, deixando poucos recursos para setores como saúde e educação.
Ressaltou em seu voto a necessidade da autocontenção judicial, reconhecendo a validade da EC 103, aprovada pela maioria de três quintos de cada Casa do Congresso Nacional, e que o “princípio da solidariedade” justificaria o aumento de contribuição. Sobre a progressividade das alíquotas entendeu que a medida não caracteriza confisco, já que busca efetivar o princípio da capacidade contributiva. E afirmou que a mera previsão constitucional da possibilidade de criar a contribuição extraordinária não ofende, a priori, cláusula pétrea, mas pode vir a ser objeto de exame a lei que a institua.
Quanto a esses pontos, o ministro Edson Fachin divergiu do Relator e julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da EC nº 103/2019, na parte alteradora dos parágrafos 1º-A, 1º-B e 1º-C do art. 149 da Constituição Federal. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vistas do Min. Ricardo Lewandowski. Caso o STF confirme a constitucionalidade da EC 103, ou não aprecie o pedido de declaração de inconstitucionalidade, estará aberto o caminho para mais esse arrocho tributário.
Na Emenda Constitucional nº 109, resultante da PEC 186/2019, conhecida como “PEC Emergencial”, ficou determinado (art. 4º) que o Presidente da República deveria encaminhar ao Congresso Nacional, em até 6 (seis) meses após a promulgação da Emenda Constitucional (ela foi promulgada em 15 de março de 2021) plano de redução/eliminação gradual de incentivos fiscais, ao longo de oito anos, de modo a não ultrapassarem 2% do PIB, com redução de pelo menos dez por cento no primeiro ano de sua implementação. E, ainda, prevê que Lei complementar tratará de “critérios objetivos, metas de desempenho e procedimentos para a concessão e a alteração de incentivo ou benefício de natureza tributária, financeira ou creditícia para pessoas jurídicas do qual decorra diminuição de receita ou aumento de despesa”, “regras para a avaliação periódica obrigatória dos impactos econômico-sociais dos incentivos ou benefícios” e “redução gradual de incentivos fiscais federais de natureza tributária, sem prejuízo do plano emergencial”.
Em setembro de 2021, o Executivo enviou ao Congresso o PL nº 3.203/2021, que “dispõe sobre o plano de redução gradual de incentivos e benefícios federais de natureza tributária e o encerramento de benefícios fiscais, nos termos do disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021”, prevendo a não renovação de 7 benefícios fiscais que findam em 2022, 4 que findam em 2023, 8 que findam em 2024 e 1 que tem o prazo final previsto para 2025. Prevê, ainda, a revogação de benefício da redução de 70% no IRRF sobre as remessas na aquisição de obras estrangeiras, a redução do valor de estimativas de renúncia decorrente do benefício de redução do IPI na importação de autopeças e a revogação de diversos benefícios fiscais cuja revogação já consta do texto do Projeto de Lei nº 2.337, de 2021 (reforma do Imposto sobre a Renda), que envolve, entre outras, a tributação sobre juros e dividendos.
Mas, como já foi noticiado pela mídia, acha-se sobre a mesa do ministro a proposta de eliminação das deduções do gasto com educação e saúde, bem como as deduções assegurada aos idosos e deficientes. O artigo 4º da EC 109 cita explicitamente todas as deduções que ficam preservadas e entre elas não estão aqueles asseguradas em razão da idade e de deficiência nem as deduções com educação e saúde dos contribuintes pessoas físicas.
Quanto à eliminação da correção do salário-mínimo, bem como dos benefícios previdenciários e assistenciais, assim como a desvinculação do desses benefícios do salário-mínimo, isso já conhecido dos brasileiros, pois desde 2019 o governo Bolsonaro defende isso. Quem não se lembra das três PECs do plano de emergência fiscal (PECs 186, 187 e 188), enviadas ao Senado em 2019, sob o grande guarda-chuva do chamado “três D” – Desvinculação, Desindexação e Desobrigação – que tinha por finalidade adotar o orçamento de base zero, ou seja, não haveria nenhuma despesa obrigatória e todos os anos o governo e o Congresso Nacional decidiriam onde aplicar os recursos arrecadados da sociedade, sem garantia de gasto mínimo com educação, saúde, ciência ou tecnologia ou qualquer outra política pública. Nos termos daquelas propostas, no caso da ocorrência de déficit público, ficaria vedada a “adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal”. Assim, para contar o volume da despesa previdenciária ou assistencial, o Executivo poderia, até mesmo, ignorar a garantia da preservação do valor real das aposentadorias e pensões.
Registre-se, ainda, que o Ministério da Economia não ficou nada satisfeito com o resultado da reforma da Previdência nem com a não aprovação das PECs do pacote “três D”. É preciso lembrar, ainda, que quando essas propostas foram enviadas ao Congresso o Centrão ainda não fazia parte da base do governo Bolsonaro. Por isto, alguns pontos dessas reformas, entre eles a privatização da Previdência, mediante a mudança do regime de repartição para o de capitalização, não foram aprovados.
Entretanto, se Bolsonaro for reeleito, agora com uma base robusta, irá dar prioridade à reforma administrativa, a uma nova reforma da Previdência, com foco na sua privatização, promoverá a desvinculação dos critérios de reajuste dos benefícios previdenciários em relação à inflação passada e ao INPC e ao reajuste do salário-mínimo, e ressuscitará as PECs da Desvinculação, da Desindexação e da Desobrigação, além de implementar, de imediato, as pendências das Emendas Constitucionais 103 e 109.
*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Ex-diretor de Documentação do Diap, é sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”.
*Luiz Alberto dos Santos é advogado, doutor em ciências sociais, mestre em administração, consultor legislativo do Senado Federal e sócio da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas, foi subchefe de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa Civil da Presidência (2013-2014).
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