Introspecção, silêncio, respeito à subjetividade calada do outro. A paz dos passarinhos. Nestes tempos de efervescência política, estamos precisados disso
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Mario Quintana, no poema Bilhete, pede à amada que, se ela realmente lhe ama, que faça isso baixinho, quase em silêncio, de modo a não incomodar os passarinhos. Decerto se referia aos da Praça da Alfândega em Porto Alegre, a qual ele tanto gostava.
Introspecção, silêncio, respeito à subjetividade calada do outro. A paz dos passarinhos. Nestes tempos de efervescência política, estamos precisados disso.
A muitos não basta optar por um candidato e/ou corrente política e até mesmo fazer uma campanha civilizada à sua simpatia política. É preciso ofender, agredir, ameaçar, tentar menosprezar.
Um eleitor postou um vídeo humilhando uma senhora que ele ajudava semanalmente. Tudo porque ela declarou voto no PT. Que, doravante, pedisse marmita ao Lula, debochou sarcasticamente.
Os gestos de altruísmo devem partir duma vontade verdadeira de fazê-los.
Entendo o pretenso filantropo perder o desejo de ajudar alguém que comete o gravíssimo erro de escolher democraticamente quem julga ser o melhor candidato. É legítimo, então, ele não gastar seu dinheiro, se não tem convicção. Mas obviamente o que ele fez foi grotesco. Poderia apenas informá-la de que não mais conseguiria auxiliá-la. Que ficasse com Deus (que os bolsonaristas se dizem seguidores dos ensinamentos de Jesus Cristo).
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Também há vídeos circulando de empresários ameaçando, direta ou indiretamente, com demissões caso Lula vença. Como se suas empresas estivessem quebradas no período do PT no poder.
Do outro lado, também há petistas que ofendem e tentam humilhar votos contrários. O bom debate cedeu à falta de civilidade e de respeito.
O xingamento de “burro” é o mais comum nos dois lados. Ora, é óbvio que eu julgo que o meu argumento não é “burro”. Se achasse, eu não o defenderia. Logo, o que me parece burrice é justamente acusar o meu contraditório de sê-lo
.
O que se busca, voluntaria ou involuntariamente, numa discussão política é mudar o voto do outro ou, no mínimo, satisfazer o ego. O primeiro objetivo é legítimo. O segundo, a discutir, mas não é crime ser egocêntrico. Agora, seja no primeiro ou no segundo desejo, não me parece que qualquer um delas tenha êxito quando o interlocutor age com violência ou sem urbanidade.
Quantos votos o senhor que humilhou a dona de casa conseguiu para o Bolsonaro? Há algum bolsonarista que, a um xingamento, revê seu posicionamento e decide pela esquerda?
Nem cito os casos de violência físicas.
Os passarinhos não votam. Deixemo-los em paz.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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