A maioria dos sete jurados (cinco mulheres e dois homens) decidiu por quatro votos a três condenar o policial pelo crime de homicídio doloso, quando há intenção de matar
O sargento da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) Ernest Decco Granaro, de 36 anos, foi julgado e condenado pelo tribunal do júri a 15 anos de prisão em regime fechado pela morte do artista plástico e skatista Wellington Copido Benfati, conhecido como NegoVila. Como ele já respondia ao processo em liberdade, poderá recorrer solto da sentença.
O crime ocorreu na madrugada de 28 de novembro de 2020 durante discussão em um bar na Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo. O policial que estava de folga e sem uniforme na ocasião afirmou que agiu para se defender de um grupo que tentou agredi-lo.
O sargento chegou a ficar detido no Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte, por pouco mais de um ano, mas foi solto em março, depois que o julgamento marcado para aquele mês teve de ser adiado depois de uma testemunha não comparecer ao júri. O julgamento foi remarcado para abril, mas também acabou por não acontecer.
À época, o advogado do PM, Decio Alexandre Taveira, elogiou a decisão de soltar o policial. “A decisão tomada pelo magistrado foi acertada, tendo-se em conta o que a denúncia narra sobre os fatos. Em situações dessa natureza o Tribunal do Júri é o local correto para o julgamento. Agora, nesta nova fase processual, o sargento Decco terá a oportunidade de provar a sociedade quem é verdadeira vítima”, afirmou.
A reportagem telefonou para o escritório responsável pela defesa de Granaro, mas ninguém atendeu. Também foi encaminhado um email para o contato dos advogados com pedido de posicionamento sobre o júri, mas não houve retorno até a publicação do texto.
NegaVila tinha 40 anos quando foi morto. Ele recebeu um único tiro na região do tórax após uma suposta confusão com o PM e o artista plástico, em frente a distribuidora de bebidas Royal, na esquina entre as ruas Inácio Pereira da Rocha e Deputado Lacerda Franco, a poucos metros do 14° DP (Pinheiros).
O artista estava reunido com um grupo de amigos, assim como o policial militar. Em dado momento, segundo a investigação, houve uma briga entre os grupos.
De acordo com testemunhas, NegoVila tentou apartar a confusão, mas caiu, foi quando, conforme testemunhas, o PM foi em sua direção e atirou. O artista chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.
Policiais militares que estavam na delegacia para apresentar uma outra ocorrência ouviram o disparo e encontraram o sargento.
Segundo o boletim de ocorrência, o sargento mostrou resistência à prisão, “sendo necessário o uso da força para que fosse contido, culminando-se com um breve algemamento do indiciado”, cita trecho do documento.
O policial portava uma pistola calibre .40, de propriedade da Polícia Militar, que foi apreendida. Na delegacia, ainda segundo o boletim da ocorrência, o policial disse ter “sido agredido fisicamente e que se defendeu” e que um grupo de pessoas o cercou e tentou tomar sua arma e, por isso, ele diz ter atirado “a fim de repelir a injusta agressão que estava sofrendo”.
Segundo a versão das testemunhas, após uma briga generalizada, o PM Decco teria atirado para cima, momento em que NegoVila se assustou e caiu. Mesmo caído e sem esboçar reação, o sargento de folga foi até seu encontro e teria efetuado um disparo na altura do tórax do artista plástico.
Protestos e indenização
O assassinato de NegoVila causou indignação à época. Protestos e manifestações artísticas foram feitas na Vila Madalena, bairro onde nasceu, cresceu e acabou sendo morto pelo PM Decco. O Beco do Batman, tradicional reduto cultural repleto de grafites, chegou a ter os muros pintados de preto em sinal de luto.
A família de NegoVila entrou com uma ação na Justiça para pedir que o sargento que atirou nele e o governo do estado de São Paulo paguem aproximadamente R$ 200 mil de indenização por danos materiais e morais à filha da vítima.
A criança fez 11 anos em março de 2022. Ela mora com a mãe, que já era separada do artista. Ele, no entanto, convivia com a filha e contribuía financeiramente. Os advogados dos parentes do artista plástico também pediram o pagamento de pensão mensal, ainda a ser calculada, para a menina até ela completar 25 anos. A Justiça, no entanto, ainda não analisou os pedidos.
“O que buscamos é a garantia de que uma criança, agora órfã, terá meios para uma vida digna mesmo sem a presença e o auxílio do pai, lamentavelmente morto”, afirmou o advogado Davi Rodney Silva, do escritório Nasrallah/Campanella & Souza Silva Advogados que defende os interesses da família de NegoVila.
O advogado Daniel Antonio de Souza Silva informou antes do julgamento que a expectativa era de que o julgamento não fosse adiado pela terceira vez. Isso porque teve antes dois outros adiamentos por falta de testemunhas.
“A sentença de pronúncia já transitou em julgado, de forma que se tornou definitiva e o acusado Ernest será necessariamente julgado pelo Tribunal do Júri. Estamos indo para a terceira plenária, pois as duas anteriores designadas foram adiadas. Nossa expectativa é de que na próxima segunda feira, dia 10 de outubro, o julgamento finalmente aconteça.”, disse o advogado Daniel Silva na semana passada ao g1.
PM acusado por mortes durante durante o trabalho
Diferente do assassinato de NegoVila, que ocorreu após uma discussão em um bar, em que o PM Decco estava de folga, a morte das outras duas pessoas se deu quando ele estava a serviço do Estado, fardado e com uma arma da corporação. Na morte de NegoVila, o PM alega que apenas se defendeu após ter sido agredido.
A Ponte teve acesso a dois processos que tramitam na Justiça, ainda em fase de inquérito policial, ou seja, sem que Decco tenha sido denunciado seja como culpado ou não. As ocorrências em que o agente de segurança se envolveu e que terminaram com o suspeito morto ocorreram em junho deste ano e em outubro de 2019. Ambas na zona leste da capital paulista.
↗ “Ordem é abordar indivíduos negros e pardos”
Na mais recente, segundo o Boletim de Ocorrência, o sargento Decco, na companhia de outros três PMs, todos à época na 3ª Companhia do 19° BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), rumaram para uma favela localizada na Avenida Doutor Frederico Martins da Costa, altura do número 700, após denúncia anônima de tráfico de drogas. Por volta das 13h40, os PMs teriam ingressado pela Viela Ceará, na Favela Madalena.
Pela versão apresentada pelos militares à Polícia Civil, durante a vistoria no local se depararam com três imóveis com a descrição parecida com a fornecida pelo denunciante. Após breve vistoria em dois dos imóveis e sem nada encontrar, partiram para a terceira residência, momento em que se “depararam com um indivíduo sentado a porta, o qual ao ver a aproximação policial adentrou rapidamente para o seu interior e passou a fazer disparos de arma de fogo contra a guarnição”.
O documento oficial cita que, o suposto traficante deu três tiros contra a equipe policial, sendo que “um deles atingiu o colete do sargento Decco, mas não transfixou”. O sargento então contou “que ao receber o disparo na região do hemitórax, caiu no solo, mas mesmo assim, conseguiu revidar fazendo dois disparos que atingiram o agressor”. Outro trecho pontua que o cabo Juliano Luis Azevedo, que vinha logo atrás, efetuou um disparo contra o homem, posteriormente identificado como Clóvis Francisco Moreira Souza, 39 anos.
Atingido por três disparos, sendo um no rosto e dois no tórax, Souza foi socorrido até o Pronto Socorro Sapopemba, onde chegou morto. Pela versão dos policiais, o suposto traficante estava em posse de um revólver Taurus, calibre 38, com três cartuchos deflagrados.
Na residência em que Souza foi baleado, a perícia encontrou porções de maconha e cocaína e tubos de lança-perfume, além de materiais utilizados para embalar drogas. Havia ainda um montante de R$ 24 e 250 bolívares, moeda da Venezuela. Souza possuía dois antecedentes criminais, um por roubo e outro por tráfico de drogas. O caso é investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
Nove meses antes da morte de Souza, o sargento Ernest Decco Granaro patrulhava as ruas do Tatuapé, também na zona leste, a bordo de uma viatura da 1° Companhia do 8° Batalhão Metropolitano. Ao seu lado, conduzindo o carro policial M-08110 estava o cabo PM Fernando de Siqueira Nolasio. Por volta das 3h do dia 16 de outubro de 2019, via rádio, receberam a informação que dois homens em uma moto estavam praticando roubos na região da Radial Leste, nas proximidades do Shopping Tatuapé.
Segundo a versão dos PMs, eles encontraram os suspeitos na Rua Melo Freire, exatamente na alça de acesso da Avenida Salim Farah Maluf para a Radial Leste. De acordo com trecho do depoimento dos agentes de segurança, “ao realizarem abordagem, o ‘garupa’ desembarcou da moto com uma arma em punho e realizou dois disparos em direção aos milicianos, os quais revidaram em legítima reação à agressão injusta”.
O homem que conduzia a moto fugiu, já o baleado foi identificado como Ederson Silva da Cunha, 27. Junto a Cunha, foi localizado um alvará de soltura em seu nome, uma carteira e um relógio, além de um revólver Taurus, calibre 38, com dois disparos deflagrados.
Baleado por um disparo de fuzil 5.56 mm pelo sargento Decco e por um tiro de .40 disparado pelo cabo Nolasio, Cunha foi socorrido ao Pronto Socorro Tatuapé, onde chegou morto. De acordo com perícia, o suspeito apresentava três ferimentos perfuro contundentes: pouco acima do mamilo direito, o segundo, na região torácica, altura das costelas, um pouco abaixo da axila direita, e o terceiro, no dorso, na altura da espinha dorsal.
Outro trecho do documento elaborado pela Polícia Civil aponta que Cunha foi reconhecido por uma das vítimas de roubo. “Estiveram nesta unidade policial e a vítima reconheceu, através de uma foto tirada pelo sargento PM Decco, que o indivíduo de nome Ederson, era o homem que apontou uma arma para sua cabeça, subtraindo seus pertences”.
Ao ser morto, Ederson Silva da Cunha estava somente há uma semana em liberdade. Ele havia saído da cadeia em 9 de outubro, após ter cumprido pena por roubo e tráfico de drogas. O caso segue na fase de inquérito policial, com investigação tocada também pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
Para Marisa Feffermann, coordenadora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, o correto seria que policiais como Decco fossem afastados quando matassem alguém, mesmo no trabalho. “Qualquer pessoa que mata outra pessoa precisa ser afastada para receber tratamento psicológico, mesmo não sendo ela policial. É necessário preservar a saúde mental. Se não afastar, ela começa a achar a morte banal”, diz.
“A Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio vai entregar, na próxima segunda-feira (14), um projeto ao Ministerio Publico que visa o afastamento do policial que se envolva em mortes“, continua. “Além do afastamento, que o projeto requer que o PM perca o direito de andar com a arma da corporação e seja monitorado pela Promotoria”, explica Marisa.
Com FolhaPress, G1 e Ponte
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