Têmo aqui pra quê?
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
A caipirinha tava no ponto. E quem não gosta daquele trago com gosto de folga num sábado de manhã? Os achegados numa dose de antes do almoço vinham, pediam uma – depois outra, que não se aguentavam parar na única – conversavam duas ou três desimportâncias e davam o até logo.
Mas claro, sempre tem os demorados. Aqueles que escaparam da faxina de casa. Ou foram expulsos mesmo. Ou são solteiros convictos ou não, como eu.
Fato é que, com esses, a conversa fluía na leveza do dia de céu claro e calor ameno. Pedi outra, que também não resisto a ficar só na primeira.
O assunto enveredou pra política, naturalmente. Notei certo ressabiamento na exposição dos votos. A maioria deu a entender que ia de Bolsonaro; outros menos, ainda mais velados, indicavam o voto no Lula; sem velamentos mesmo somente os nulos e os que iam engordar deliberadamente o percentual de abstencionistas. Alegavam que os dois são safados, sem vergonha, ladrões, entre outros elogios impublicáveis.
Ponderava-se um daqui, respondia outro dali. Tudo no maior respeito e cortesia. Ninguém queria tornar insuportável o bar de estimação com brigas e discussões desurbanas. Até porque ali era um boteco, não um debate da Rede Globo, pra ter baixarias.
Nisso veio à roda os argumentos de fake news. E elas recheadas pelos lugares comuns: o Brasil vai virar uma Venezuela; Lula é o maior ladrão da história; a Petrobras isso, a Petrobras aquilo…
O tiozinho lulista que tomava uma lata de Skol tentava com toda a calma que a cerveja lhe proporcionava explicar que isso não era bem assim. E apresentava os dados, as notícias em contraprova, seus pontos de vista.
De minha parte, corroborava em silêncio com esse senhor. Com os seus argumentos, não com a sua bebida, que não gosto de Skol, ainda mais em lata. Cerveja tem que ser em garrafa de vidro. Mas isso é outro debate…
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Meu tio não terminou o ensino fundamental. Mas lhe tenho como sábio. Construtor, eu lhe era o servente, quando ele fez minha casa. Dominava as teorias e as práticas das obras, talvez mais que muitos arquitetos. E não entrou em atrito com as plantas ininteligíveis da engenheira responsável? “Muitas vigas aqui, poucas colunas ali”, contrariou ele. Eu não quis defender a importância da ciência e das graduações, só que ele fez do seu jeito e a casa continua de pé. Mas era de sua visão de mundo que mais gostava de lhe ouvir, entre um cimento e outro. Coloque mais um tanto de água na betoneira, que a massa tá seca, ele reclamava sempre.
Dos muitos ensinamentos dele, dois me marcaram mais: o primeiro é que se educa/ensina muito mais pelo exemplo do que pela fala; o segundo é que não podemos passar nesta vida sem aprender nada. Ele não concebe que algumas pessoas vivam, convivam, trabalhem e não aprendam. “Tá fazendo o que neste mundo?”, ele questionava, quando se referia a alguém que fazia determinada atividade errada mesmo depois de tanto tempo a repetindo.
As chamadas fábricas de fake news são eficientes e profícuas. É provável que criem mais mentiras do que se tem tempo de desmascará-las. Mas, nessas horas, me deixo influenciar pelo meu tio. Como pessoas maduras, com vivências e experiências se permitem enganar por notícias falsas e de má-fé? São pessoas a princípio honestas, que de fato querem fazer a melhor escolha pro país, pois não tem maiores interesses diretos na eleição de um ou de outro. Mas como não percebem o ridículo e patético dalgumas “notícias”?
Meu tio é abstêmio. Não bebe e nem frequenta bares. Mas, se tivesse comigo aquele dia, é provável que, ao ouvir pessoas de meia idade ou mais acreditando em absurdos, ele me indagaria em provocação: mas esses senhores não apenderam nada?
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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