Sem repressão, bolsonaristas dobram aposta no terrorismo. Derrotada nas urnas, minoria movida pela intolerância, preconceito e ódio de classe, raça e gênero, não aceita os resultados da democracia e está querendo impor terceiro turno
Os bolsonaristas foram do fechamento de rodovias a manifestações de pequenos grupos em frente a quartéis pelo Brasil, sempre com palavras de ordem antidemocráticas, para ameaças, hostilizações e até ataques armados nos últimos dias. Desde sexta-feira (11), já foram confirmados ao menos cinco casos de violência.
“Até quando os bolsonaristas vão sair por aí espalhando ódio?”, questionou o senador Humberto Costa (PT-PE) em sua conta no Twitter. Inconformados com o resultado eleitoral, apoiadores do presidente derrotado Jair Bolsonaro (PL) vêm dobrando a aposta nos atos de terrorismo desde a confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), há 15 dias.
11/11: Yanomami morta
Na noite do último dia 11, dois homens passaram de bicicleta atirando contra um grupo de Yanomami, oriundos da região do Ajarani. Os indígenas estavam acampados próximos à Feira do Produtor, em Boa Vista.
Os autores do disparos mataram uma mulher, mãe de um bebê, e feriram um homem Yanomami. De acordo com informações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ele encontra-se hospitalizado. Em nota, a entidade destacou que o ataque configura crime de ódio e exigiu investigações por parte das autoridades. Ainda que o crime não tenha sido elucidado, a avaliação é que o caso está diretamente relacionado a uma situação de violência estimulada pelo atual presidente. O território viu crescer nos últimos anos o número de invasões por garimpeiros, que usam da violência e de intimidações para explorar a área indígena.
Uma reportagem da BBC identificou que esses garimpeiros ilegais vêm contando com a impunidade prometida por Bolsonaro, para driblar a fiscalização e perseguir com tiros e discursos racistas os verdadeiros donos da terra. Sem se esconder, eles ainda gravam a rotina de trabalho ilegal. Os videos são veiculados desde 2018 em canais no YouTube, nos quais eles também mostram apoio ao governo federal.
12/11: atentado a tiros em Rondônia
Um apoiador de Bolsonaro também é suspeito de ter atacado a tiros a sede de um site de notícias em Porto Velho, no sábado (12). Imagens das câmeras de monitoramento do local flagraram um homem atirando pelo menos 19 vezes contra a fachada da sede do jornal, por volta das 3h40. O diretor e fundador do Rondoniaaovivo, Paulo Andreoli, contou ao Uol que, nos últimos dias, vinha recebendo ameaças de grupos bolsonaristas por matérias jornalísticas publicadas sobre os movimentos golpistas dos apoiadores do presidente.
“As ameaças estavam chegando de forma direta, e fomos avisados por alguns amigos que estão nesses grupos de organização dos protestos de extrema-direita. A gente sabia que ia acontecer algo contra a gente, mas não dessa forma”, declarou Andreoli. Na cena do atentado, a Polícia Militar de Rondônia recolheu 20 cápsulas de pistola calibre 9 mm. O material foi levado para investigação. O ataque, pela madrugada, não deixou feridos. Apenas danos materiais.
O diretor do veículo disse, contudo, que vai reforçou a segurança. “Garantir nossa proteção e continuar. Já fizemos a ocorrência policial. A gente jhá recebeu ameaças e já tivemos outros atentados, mas não como o da madrugada deste sábado”, observou.
Centro do MST invadido em PE
Quase simultâneo ao atentado em Rondônia, o Centro de Formação Paulo Freire, que pertence ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na zona rural de Caruaru (PE), foi invadido e depredado na madrugada de sábado. De acordo com a direção do MST, foram vistos quatro pessoas, com camisas amarelas, invadindo o espaço localizado no assentamento Normandia, uma referência no estado.
Segundo o movimento, eles se aproveitaram de uma festa de vaquejada, com som extremamente alto, no Parque de Vaquejada Milanny, em frente ao assentamento. Ali eles picharam o símbolo da suástica nazista e o nome Mito, usado por bolsonaristas para se referir ao presidente da República. O grupo ainda arrombou e incendiou a casa de moradia da coordenadora do centro. “Com o fogo, a militância que mantém o Centro, foram alertados e conseguiram ainda apagar o incêndio”, informou a direção do movimento. Ninguém ficou ferido. No entanto, a casa foi parcialmente queimada, principalmente as camas, telhados e os pertences.
“Lamentamos muito ter que fazer este informe, já que saímos de uma jornada eleitoral polarizada e acirrada. O Brasil e o povo brasileiro clamava por atitudes e empenho para resgatar a democracia, os preceitos constitucionais do estado democrático de direito e uma postura enérgica contra a fome, contra a violência, contra o ódio e contra todo o tipo de preconceito. Os bolsonaristas foram derrotados nas eleições, mas uma minoria, movida pela intolerância, preconceito e ódio de classe, de raça e gênero, não aceitaram os resultados da democracia e estão querendo nos impor um terceiro turno”, escreveu o MST.
Conquistado a duras penas, desde que foi criado, em 1999, o centro já formou mais de 100 mil pessoas em várias áreas, como Curso Técnico em Práticas em Agroecologia. Além de ser considerado o maior centro rural popular do Nordeste. Mas virou alvo de bolsonaristas. Ainda em 2019, no primeiro ano de Bolsonaro, o governo federal desfez o acordo histórico entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o MST para cobrar o despejo do local.
“Fica mais uma vez a lição, de que não podemos “baixar a guarda”. Temos que manter o alerta para proteger nossas estruturas e garantir a posse de Lula no primeiro de janeiro. Até lá, alerta máxima. Cuidar e proteger nossas estruturas e nossas lideranças, contra a ira do ódio e do preconceito e da intolerância dos grupos fascistas”, pediu o movimento após o ataque no sábado.
13/11: Bolsonaristas armados ameaçam bispo
Casos de violência por parte de apoiadores de Bolsonaro também foram reportados neste domingo (13). O bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Vicente Ferreira, foi cercado por cinco homens armados, na cidade de Moeda (MG), que ainda o xingaram. Dom Vicente tem se destacado por criticar o atual governo e por sua luta por justiça ao lado das famílias vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que matou 270 pessoas, em janeiro de 2019, e até hoje deixou quatro pessoas desaparecidas.
Em nota, o bispo da Arquidiocese de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, condenou a violência bolsonarista contra o religioso e disse que providências já estão sendo tomadas para coibir a intolerância religiosa.
“Em uma sociedade livre, democrática, a divergência de opiniões não pode justificar atitudes beligerantes, descompromissadas com a fraternidade. O Evangelho ensina que todos, independentemente de suas convicções, somos irmãos uns dos outros, filhos e filhas de Deus”, destacou a arquidiocese. O bispo também recebeu apoio nesta segunda (14) de representantes políticos que condenaram a violência bolsonarista.
Ministros do STF são hostilizados
Ainda no domingo, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes foram hostilizados por manifestantes bolsonaristas em Nova Iorque (EUA), onde participam do evento Lide Brazil Conference, que ocorre nesta segunda e terça (15).
As imagens divulgadas por canais bolsonaristas nas redes sociais mostram os ministros sendo provocados e xingados pelos manifestantes que não aceitam a derrota de Bolsonaro. Barroso e Moraes chegaram a ser perseguidos fora da área do evento. De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, a perseguição às autoridaeds começou a ser orquestrada durante o final de semana, quando o endereço do hotel onde os ministros estão hospedados foi compartilhada em grupos bolsonaristas.
O caso foi comentado pelo próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, durante a abertura do evento. “O que se pretende é substituir o sistema político. O que se pretende atacar é a própria democracia”, afirmou Moraes. “O Poder Judiciário atuou para chegarmos às vésperas do final do ano com a democracia garantida. A democracia foi atacada, aviltada, mas sobreviveu. O Judiciário não foi cooptado, não foi aumentado, foi uma barreira a qualquer ataque à liberdade”, declarou.
Gilmar Mendes também considerou em seu discurso que o Brasil está “em um estado de normalidade institucional”. Por outro lado, reconheceu que, apesar da vitória da “institucionalidade”, há “setores da sociedade (que) recusam a aceitar o resultado das eleições. Esse quadro de fato merece atenção, pois denota uma dissonância cognitiva”. “É preciso indagar se há algo mais por trás dos discursos que pedem intervenção militar e a prisão do inventor da tomada de três pinos”. O ministro também classificou as reações como o “surgimento de um populismo embalado por um discurso de ódio”.
Procuradora golpista
Até o momento, um dos poucos casos respondidos pela justiça foi a recente decisão do corregedor nacional do Ministério Público, Oswaldo D’Albuquerque, contra a procuradora de Justiça no Pará Ana Tereza do Socorro da Silva Abucater. A procuradora havia defendido em suas redes sociais as manifestações antidemocráticas que bloquearam rodovias do país, afirmando ainda que o STF “não tem autoridade sobre a manifestação”.
O corregedor determinou, na sexta (11), a exclusão de todas as postagens de caráter antidemocrático. De acordo com despacho de D’Albuquerque, elas “afrontam a lisura e a confiabilidade do processo eleitoral brasileiro ou a autoridade das decisões proferidas pelos poderes constituídos”. Ana Tereza também foi proibida de realizar novas publicações que “afrontem a lisura e confiabilidade do processo eleitoral ou a autoridade das decisões proferidas pelos poderes constituídos”. A decisão foi proferida depois que a vereadora de Belém e deputada estadual eleita Livia Duarte (Psol) acionou o Ministério Público do estado.
A minoria bolsonarista segue, porém nas ruas.
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