A extrema direita já testou a capacidade de reação do Ministério Público, do Judiciário e das polícias. E o sentimento é de que não dá nada
Moisés Mendes*, em seu blog
A extrema direita tem hoje no Brasil o destemor que parte das esquerdas já teve durante a ditadura. Mas há uma vantagem nas afrontas do bolsonarismo sem medo.
Eles têm a certeza de que as instituições não contam com braços nem forças suficientes para alcançar todos eles.
As esquerdas foram perseguidas, e o Brasil teve cassações, expurgos, torturas, mortes e desaparecimentos. Em todos os casos, com julgamentos sumários. As estruturas repressivas e punitivas funcionavam.
A extrema direita já testou a capacidade de reação do Ministério Público e do Judiciário (nem vamos falar das polícias), e o sentimento é de que não dá nada.
Não dá nada pedir golpe, fazer discursos em churrascarias de beira de estrada com caminhoneiros, aglomerar diante de quarteis e encomendar a cabeça de ministros do Supremo e de Lula.
Não dá nada participar de grupos de golpistas de tios e tias do zap, porque se reorganizam e driblam controles das próprias redes e das autoridades.
E não dá nada continuar bloqueando estradas, com ou sem o apoio de policiais rodoviários, porque a única punição efetiva são multas que poderão ser questionadas mais adiante.
A frase-clichê pré e pós-eleição é quase simplória e cansativa. Alexandre de Moraes é o herói nacional, mas não pode tudo sozinho.
O TSE e o Supremo não alcançarão os fomentadores e os disseminadores do golpe em seus muitos estágios, compartimentos e hierarquias, pelos mais variados motivos.
Pela falta de poder para agir contra os grandes chefes nas atuais circunstâncias. E pelo tamanho das redes operadoras intermediárias que alimentam redes maiores, incontroláveis em suas dimensões.
Mas é possível chegar a nomes de expressão nessas engrenagens, para testar a valentia da turba com um instrumento consagrado de contenção de ações criminosas coletivas.
Alguém em algum momento terá de ser preso, como já mandaram prender Sara Winter, Daniel Silveira, Zé Trovão, Allan dos Santos e outros do terceiro time da extrema direita.
Falta o flagrante? Não falta. Há flagrantes configurados nas mais diversas situações. Falta a gravidade da agressão? Não falta. Não falta mais nada.
Só faltam o momento certo e a escolha do preso, que não pode ser um bagre qualquer. Não pode ser um dos 37 arruaceiros que já foram detidos nas rodovias, segundo o ministro da Justiça.
Ninguém sabe o nome de nenhum desses 37. Poderiam ser 537, não resolveria nada. Não há entre os presos, que geralmente pagam fiança e são liberados, nenhum com ascendência sobre os golpistas.
Mas Alexandre de Moraes sabe quem são os que não foram presos, mas poderiam ter sido, porque têm voz de comando e/ou dinheiro.
O procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Mário Sarrubbo, também sabe.
Sarrubbo tem dito que polícia e Ministério Público conhecem muitas das figuras manjadas na articulação das milícias golpistas.
O procurador-geral diz saber que as ações articuladas têm o financiamento de grandes empresários conhecidos e que o funcionamento das estruturas é a mesma de organizações criminosas.
O tio do zap, que comanda a rede familiar e de amigos, é o criminoso pequeno. Mas os grandões já apareceram nas investigações das fake news e do gabinete do ódio comandadas pelo próprio Moraes.
Se não pegarem um deles, se um financiador milionário ou um chefe das milícias não for preso, não haverá contenção.
Não há como o desfecho de uma etapa decisiva das investigações e da repressão não resultar em um caso exemplar.
Não argumentem que MP e Judiciário não lidam com amostras e exemplos. Lidam, sim. Sara Winter foi uma tentativa fracassada de punição-modelo.
Todos os outros presos de terceira linha, incluindo Roberto Jefferson e suas granadas, também não serviram para aplacar a demanda por repressão e Justiça.
Falta a prisão de um grande criminoso que não aceita a democracia. São muitos, alguns manjados. Alexandre de Moraes sabe quem são e onde encontrá-los na hora certa.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)
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