Extremistas paralisam rodovias por não aceitarem o resultado das urnas e provocam engarrafamento e desabastecimento de remédio e alimentos. Confederação de Caminhoneiros diz que ação é promovida por grupos extremistas isolados: "Não representa a categoria"
BBC
Pouco tempo após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser confirmada no segundo turno das eleições presidenciais contra Jair Bolsonaro (PL), grupos de caminhoneiros bolsonaristas e outros apoiadores do atual presidente começaram a fechar rodovias.
Até as 23h desta segunda-feira (31), de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), havia bloqueios parciais ou totais em 25 Estados (incluindo o Distrito Federal) — os únicos onde não havia registros de ocorrências eram Alagoas e Amapá.
Em nota, a PRF afirma que acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para conseguir liberar estradas bloqueadas e diz que adotou todas as providências para o retorno da normalidade do fluxo nas rodovias afetadas.
A proporção dos protestos não se alastrou como na greve de 2018, mas causa preocupação em partes do país por fazerem com que algumas rodovias sejam completamente bloqueadas, provocando engarrafamento de mais de 12 horas.
Na noite de segunda-feira, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) publicou uma nota de repúdio aos protestos, classificando-os como “antidemocráticos”.
“Vivenciamos uma ação antidemocrática de alguns segmentos que não representam a categoria dos caminhoneiros autônomos de não aceitação do resultado das urnas. Precisamos respeitar o que o povo decidiu nas urnas: a vitória de Luís Inácio Lula da Silva”, diz o texto, em nome do diretor da CNTTL, Carlos Alberto Litti Dahmer, que é caminhoneiro autônomo de Ijuí (RS).
‘Posicionamento do presidente é que determinará rumo dos protestos’
Janderson Maçanero, caminhoneiro de Itajaí (SC) conhecido como Patrola, que faz parte dos protestos atuais, diz que, na sua cidade, a movimentação é composta apenas por 20% de caminhoneiros, e o restante dos manifestantes são cidadãos de diferentes profissões.
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O cenário, com o propósito de não aceitar um novo presidente, é diferente de outros que o caminhoneiro participou, como em 2014, uma paralisação feita para reivindicar queda nos preços de combustíveis, e em 2019, pela contratação direta de caminhoneiros sem terceiros que intermediassem valores.
Ele afirma também que os protestos não têm liderança direta ou reivindicação específica — alguns, por exemplo, defendem um golpe de Estado conduzido pelos militares, que ele diz não ser o seu caso — mas todos têm, em comum, a rejeição a Lula e a não aceitação da vitória do petista nas eleições.
“É o posicionamento do presidente que determinará rumo dos protestos e o posicionamento da categoria. Estamos esperando ele falar. Ou Bolsonaro vai à guerra, ou ele se extinguirá do cenário político, porque aí ele não é o líder que pensávamos.”
Patrola afirma que “ir à guerra”, para ele, é não aceitar o resultado, mas não descreve exatamente como isso poderia se desenrolar, já que ele próprio diz não apoiar um golpe militar. Ele diz aguardar que o presidente anuncie a solução.
A aceitação dos resultados por parte de Bolsonaro, complementa, seria uma decepção para ele e para muitos de seus colegas.
Sobre quanto tempo a paralisação poderia durar, ele diz que “tempo é relativo” para os caminhoneiros. “Aqui estamos em casa. Nosso caminhão tem onde comer, onde dormir… Esse é o nosso cotidiano.”
‘Acredito que a categoria não terá dificuldade em negociar com o governo Lula’
Wanderlei Dedeco, caminhoneiro de Curitiba, Paraná, que atua como “conselheiro” das lideranças dos caminhoneiros, segundo sua própria descrição, se diz contra as paralisações e afirma que até o começo do dia, não acreditava que os protestos durariam por muito tempo, mas já passou a ver o cenário com “outros olhos”.
“As manifestações estão crescendo rapidamente, e não tem uma intervenção imediata da PRF como houve em outras ocasiões. Além disso, a demora de Bolsonaro para se pronunciar pode contribuir para que os protestos se alastrem.”
“Os protestos estão sendo feitos por caminhoneiros revoltados, que não aceitam perder, e por empresários – nos locais você só vê ‘carrões’ – que acreditam que vão perder algo com o governo Lula. Mas a democracia marcou presença ontem, é assim que funciona o jogo.”
Dedeco foi uma das lideranças da greve de caminhoneiros de 2018, e diferentemente dos caminheiros ativos nos protestos, apoiou Lula no segundo turno das eleições.
“Já fui um crítico do PT e do Lula, acreditei na Lava-Jato. Mas se o STF não o condenou, quem sou eu para fazer isso? Eu votei no Lula e agora quero ver ele governar. Se ele fizer algo errado, pode ter certeza que eu vou criticar, diferentemente dos bolsonaristas que ficaram ‘endeusando’ Bolsonaro e aceitavam tudo de errado que ele fazia.”
Na opinião dele, os caminhoneiros tendem a ser beneficiados com a eleição de Lula. “Com o governo Bolsonaro não havia condições para sentar e negociar. Já o governo de Lula sempre foi mais democrático, aberto a ouvir o que estava bom e o que não estava. Acredito que a categoria não terá dificuldade em negociar com o governo Lula”, diz.
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