Criticado por bolsonaristas, Ministério da Defesa divulga nova nota e torna a situação ainda mais patética
Os militares passaram as últimas horas sendo xingados pelos bolsonaristas após a divulgação do relatório que não aponta fraude nas urnas e Bolsonaro determinou que o Ministério da Defesa divulgasse uma nova nota com o objetivo de tentar inverter a narrativa, mas o cenário ficou ainda mais patético
Embora não tenha encontrado nenhum indício de fraude nas eleições, o Ministério da Defesa afirmou nesta quinta-feira (10) que não descarta a possibilidade de fraudes no pleito.
Em nova nota, a pasta disse que o relatório de seus técnicos em informática, enviado na terça (9) ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sugere uma investigação sobre os códigos usados nas urnas para identificar possíveis alterações durante sua geração.
A nova nota surge após apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) passarem horas xingando os perfis do Ministério da Defesa nas redes sociais. Interlocutores do Planalto afirmam que partiu do presidente a ordem para a publicação da nota de hoje.
A nova nota não traz nenhuma informação nova, mas indica uma tentativa de controlar a narrativa sobre o relatório cuja divulgação vinha sendo esperada com grande expectativa pela militância bolsonarista que tem ido às ruas.
Na véspera, o título da nota não falava sobre o teor do documento: “Defesa encaminha ao TSE relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação”. Já nesta quarta o novo tom: “Relatório das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas”.
Também nesta quinta, ao final da sessão plenária do TSE, o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, foi questionado pela imprensa sobre o novo posicionamento da pasta, se haveria alguma providência por parte da corte e se essa polêmica não teria fim. “Já acabou faz tempo”, disse o ministro.
As eleições no Brasil foram consideradas justas e limpas por 26 entidades, incluindo a OAB e o TCU. Nenhum delas encontrou qualquer evidência de que tenha ocorrido fraude. Observadores internacionais também afirmaram que a disputa eleitoral no país aconteceu de maneira transparente.
Ainda pela manhã, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que o papel das Forças Armadas na fiscalização das urnas eletrônicas foi deplorável e o resultado, humilhante. Lula disse ainda que o presidente Jair Bolsonaro (PL) deveria pedir desculpas às Forças Armadas por usá-las.
O Ministério da Defesa tem feito eco a Bolsonaro, que acumula mentiras sobre o sistema eleitoral e foi derrotado pelo ex-presidente Lula (PT) na disputa pela reeleição.
Usadas no país desde 1996 sem nenhum registro de fraude até hoje, urnas eletrônicas e sistemas eleitorais brasileiros têm passado por constantes melhorias, pleito após pleito. Parte delas impulsionadas pela contribuição e críticas da comunidade técnica.
Militares foram covardes
O processo eleitoral brasileiro é reconhecido como um dos mais modernos, seguros e transparentes do mundo. Os militares, como já era de esperar, não encontraram nada, mas foram obrigados a acrescentar alguns asteriscos no relatório para alimentar os golpistas que permanecem nas ruas. Os extremistas, porém, não queriam apenas migalhas.
“O que os militares estão dizendo no relatório é: ‘não há nenhum indício de fraude, mas não podemos passar um atestado de idoneidade total às urnas e à Justiça Eleitoral porque se não vamos perder o emprego'”, afirma o jornalista José Roberto Toledo
O jornalista disse que faltou “hombridade” aos militares para reconhecerem de maneira direta, com todas as letras, a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro. “É uma vergonha. Eles passam um recibo de incompetência e estendem uma indecisão que só existe na cabeça do Bolsonaro”, destacou.
Apesar de não encontrar fraude, o documento produzido pelos militares faz ‘sugestões de melhorias’ e também afirma que no caso do teste de biometria realizado neste pleito ainda há “lacunas” que não permitem atestar a sua eficiência.
‘Pai’ da urna eletrônica
Um dos pontos questionados pelos militares no relatório foi desmentido na noite de hoje pelo analista Giuseppe Janino, ex-secretário de TI (Tecnologia da Informação) do TSE. O especialista ajudou a projetar o sistema nos anos 1990 e foi apelidado de “pai da urna”.
No ponto em questão, o Ministério da Defesa alega que o TSE teria restringido o acesso dos militares aos dados das urnas. Giuseppe rebate e diz que os militares poderiam ter acessado esses dados no ano passado, em testes públicos com a participação de várias instituições, mas perderam a chance.
Segundo Giuseppe, esses testes realmente não poderiam ter sido feitos quando as Forças Aramadas inspecionaram o sistema — de 2 a 19 de agosto desse ano —, mas estiveram disponíveis no TPS (Teste Público de Segurança), um ano antes. No evento, que teve a participação de 26 entidades públicas e privadas, os especialistas puderam fazer experimentos e explorar eventuais vulnerabilidades. Nada de errado foi encontrado por nenhuma das 26 entidades.
“Esse tipo de teste, que eles gostariam de ter feito, é possível nos testes públicos de segurança, que eles tiveram oportunidade de participar e não participaram”, diz.
A abertura do código-fonte das urnas às entidades fiscalizadoras ocorreu em 4 de outubro de 2021, em cerimônia na qual o general Heber Garcia Portella, comandante de Defesa Cibernética do Exército, esteve presente como representante das Forças Armadas. Os militares, porém, só solicitaram o acesso ao código-fonte no dia 1º de agosto de 2022.