ELEIÇÕES 2022

O Direito a ter direitos e o resultado das eleições do Brasil

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Há mesmo democracia em um país que apenas o 'meu' entender é o que deve prevalecer? Em que a 'outra' metade do país está errada?

(Imagem: reprodução)

Paulo Schwartzman*, Jornal Jurid

Olá leitores, tudo bem? Nessa semana caótica que sucede a eleição presidencial mais apertada da história brasileira, na qual o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu o atual presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) pelo placar de 50,9% dos votos a 49,1% (totalizando em números absolutos uma diferença de pouco mais de dois milhões de cidadãos), sombras nefastas rondaram o país pedindo por um golpe à democracia. Sim, ainda existem pessoas que acreditam que apenas a sua opinião pode ser a certa.

Nessa breve coluna, que seguirá um pouco o modo reflexivo daquela “Mundo sem Direito”, tentaremos provocar justamente essa ponderação acerca do que realmente significa a democracia, amparada essa na cidadania, que tem como o voto um de seus mais fundamentais firmamentos. Com efeito, é difícil cogitar-se em um cidadão que não possua o direito de votar, de influir na vida política por meio de seu livre pensar.

Segundo Hannah Arendt, a cidadania seria justamente esse Direito a ter Direitos. É possível efetivamente falar que existem cidadãos no Brasil quando quase metade da população não aceita o resultado licitamente obtido nas urnas?

Há mesmo democracia em um país que apenas o “meu” entender é o que deve prevalecer? Em que a “outra” metade do país está errada?

Inclusive, essa ideia de usar de mecanismos constitucionais (ainda que de forma mal interpretada – como o extremamente incompreendido art. 142 da Constituição da República [que possivelmente será objeto de um texto aprofundando só essa norma]) para fins golpistas e antiestatais não seriam exatamente uma demonstração do libertarianismo à brasileira a que me referi em um texto não tão longínquo? É realmente uma possibilidade.

Parece-me que a nossa jovem democracia, obtida a duras penas após anos de um regime militar sanguinário, escorado no crime e no segredo, ainda não conseguiu fazer uma catarse. Definitivamente um país como o nosso não pode calcar-se em um modelo paradigmático (desculpem o pleonasmo – é mero reforço argumentativo) como Bolsonaro. Pregar a desconfiança nas urnas, a injustiça do processo eleitoral é simplesmente um jogo tão sujo que deveria ter recebido uma resposta mais dura das ditas instituições democráticas.

Que isso seja um alerta: as nossas instituições estão, talvez, deitadas eternamente naquele berço esplêndido que o hino positivista nos brindou. Quiçá justamente essa cama de regalias nas quais nossos magistrados e procuradores se refestelam possa ser a causa de uma “elite” pública covarde no cumprimento de seus reais deveres, mas implacável com aqueles a quem deveria proteger.

Escrevo esta coluna no Dia de Finados, mas infelizmente os mortos da Ditadura parecem não ser muito levados a sério no Brasil. Talvez o dia dos mortos seja propício, pois, no caminhar atual, a democracia brasileira é quase zumbi.

*Paulo Schwartzman é mestrando no IEB-USP, formado em Direito também pela USP. Professor, escritor, mentor e assessor de juiz no Tribunal de Justiça de São Paulo. Colunista em jornais jurídicos e revisor na Revista Brasileira de Meio Ambiente.

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