O general Paulo Sérgio Nogueira precisa de um manual para evitar o ridículo. Errou até no timing: no dia em que Lula estava em Brasília acenando com a volta à normalidade em encontros com os presidentes da Câmara e do Senado e com os ministros do Supremo, veio à luz o tal papelucho
Reinaldo Azevedo, em seu blog
Vês, Jair Bolsonaro? Quase ninguém assistiu ao enterro de tua última quimera…
É do balacobaco. O presidente contava com o relatório da comissão de fiscalização do sistema eleitoral assinado pelo Ministério da Defesa para… Para sei lá o quê! É visível que o homem está ainda aturdido, e seu mutismo, agora, é uma espécie de apito de cachorro que não é ouvido nem pelo seu público-alvo. É patético.
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A divulgação do relatório de fiscalização — ou que nome tenha aquilo — errou também no “timing”. No dia em que Lula encontrou-se em Brasília com os respectivos presidentes da Câmara e do Senado e com os ministros do Supremo, veio à luz o tal papelucho. Que formidável convite é o texto assinado pelo ministro da Defesa para que os militares voltem para os quarteis, onde têm coisas relevantíssimas a fazer.
É o caso de resgatar aqui uma frase do poeta latino Horácio (65 a.C — 8 a.C), que escreveu em sua “Ars Poetica” (Arte Poética), o seguinte: “Parturient montes, nascetur ridiculus mus”: “Os montes parirão, e nascerá um ridículo rato”. É o famoso “A montanha pariu um rato”. O autor dava um conselho aos poetas, já que sua obra tem um cunho didático. Ele os adverte contra a tentação de começar uma narrativa pelo nascimento das musas — vale dizer: na ânsia, então, de contar tudo, de parir a montanha, o que se tem é uma ridicularia. Extrapolando da poesia para a vida: cumpre não ser derrotado pelo excesso de pretensão. A oposição “montanha/rato”, para ser preciso, antecede Horácio. Mas foi a sua síntese que acabou virando um ditado popular.
Não parece que Paulo Sérgio Nogueira, titular da Defesa, tenha lido Horácio ou antecessores. Tampouco dá a entender que seja íntimo de algum manual de conduta para evitar o ridículo. No dia em que Lula estava em Brasília prestando as devidas mesuras aos Poderes da República, acenando com a volta à normalidade — nem que seja a normalidade possível, depois de quatro anos de sandices, idiossincrasias e delírios paranoicos —, veio à luz o tal documento que nasce de intenções trevosas.
Atenção! A comissão criada pelos militares não encontrou problema nenhum no sistema eleitoral. Ao contrário. A sua auditoria ou fiscalização deixa claro que inexiste qualquer indício de irregularidade, razão por que Alexandre de Moraes, presidente do TSE, publicou uma nota com o seguinte teor:
“O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que, assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022.
As sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas.
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O TSE reafirma que as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional, e que as Eleições de 2022 comprovam a eficácia, a lisura e a total transparência da apuração e da totalização dos votos.”
Não se trata de ironia ou provocação. Ocorre que outros entes também examinaram o sistema e atestaram a sua higidez. A fiscalização feita por técnicos do TCU, por exemplo, foi ainda mais ampla do que a realizada pelos militares. E, como se sabe, não houve qualquer achado.
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Era preciso fazer a vontade do derrotado
Ao longo de quatro anos de mandato, já observei aqui, Bolsonaro demonstrou que não sabe ganhar. Deixou claro que confunde a vitória eleitoral com licença para o vale-tudo. Como a história evidencia, no quinto mês de mandato, estimulou o primeiro ato golpista (26 de maio de 2019), que pregava, então, o fechamento do Congresso e do Supremo. Nada menos. E ele não havia sofrido ainda nenhuma derrota importante em nenhum dos dois Poderes. É um golpista. Para pontuar: em contraste, ontem, Lula exaltou a independência de Legislativo e Judiciário.
Bolsonaro também é um péssimo perdedor, como se pode perceber. Ele simplesmente deixou claro que considerava inadmissível um relatório que tem, goste-se ou não, a chancela das Forças Armadas atestando que ele foi derrotado e que Lula é o presidente legitimamente eleito, segundo as regras do jogo.
E aí a tal comissão se viu na contingência de produzir um relatório que dissesse o óbvio — NÃO HOUVE FRAUDE —, mas que, ao mesmo tempo, fizesse as vontades do capitão arruaceiro, apontando a possibilidade, quem sabe, de haver… É uma vergonha! Há, sim, setores sensatos nas Três Forças que veem a coisa toda com sentimento de vergonha.
O Item 5 da apresentação do relatório, feito por Nogueira, aponta:
“Do trabalho realizado, destaco dois pontos. Primeiro, foi observado que a ocorrência de acesso à rede, durante a compilação do código-fonte e consequente geração dos programas (códigos binários), pode configurar relevante risco à segurança do processo. Segundo, dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”.
O trecho é uma aberração técnica. Em outras oportunidades, e isso pôde ser verificado por outros entes fiscalizadores, o TSE deixou claro que inexiste “acesso à rede durante a compilação do código-fonte”. Quando foi preciso fazer acesso remoto, este se deu de forma individualizada, devidamente registrada, por meio de VPN, com múltiplo fator de autenticação.
O resto da frase do general consegue ser ainda mais obscuro. O que quer dizer “não é possível afirmar que o sistema eletrônico está isento de um eventual código malicioso”? Se não é possível afirmar que “não”, então seria preciso afirmar como poderia se dar o “sim”, coisa que relatório obviamente não faz porque nem eles mesmos sabem do que estão falando.
O documento faz algumas sugestões para, segundo seus autores, aprimorar o sistema, pelo que o presidente do TSE se mostrou grato.
Segredo mal guardado
Convenham: a “restrição”, que restrição não é, era o segredo mais mal guardado da República. Sem essa ambiguidade do documento, que ninguém levou a sério e que serve apenas para Bolsonaro alimentar teorias conspiratórias junto a seus fanáticos, o presidente se sentiria ainda mais humilhado.
Ocorre que, para fazer a vontade do derrotado, quem que se submete ao vexame é o Ministério da Defesa e, ainda que indiretamente, também as Forças Armadas. Havendo ainda cabeças sensatas que vestem uniforme, eis aí um momento que deveria ser considerado emblemático do desastre reputacional que pode colher uma instituição permanente do Estado quando se mete com política.
Que grande convite é esse relatório para que os senhores militares voltem aos quartéis e deixem a política para os civis, como se faz, aliás, nas democracias mundo afora. O seu retorno à gestão do Estado se mostra, como se vê, desastroso. E olhem que os ombros dos militares saem até leves se formos considerar a herança desse governo destrambelhado. Bolsonaro conseguiu, por exemplo, colocar as digitais do Exército numa política de saúde que fez milhares e mortos.
No dia 1º de janeiro de 2023, estará no poder o presidente que mais transferiu recursos às três Forças e que mais contribuiu para o seu aparelhamento técnico e desenvolvimento de políticas estratégicas. E deixa a Presidência aquele que tentou arrastá-las para uma aventura golpista.
Responsabilidade, soldados!
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