Bolsonaro caminha em direção ao penhasco
Não há mais como tentar recuar e ser poupado e não há nem como fugir, porque o personagem de Bolsonaro não tem dimensão literária nem mesmo para uma fuga
Moisés Mendes*, em seu blog
Todos os que tentaram uma saída menos previsível para Jair Bolsonaro (PL) acabaram fracassando. Não há caminho de volta para quem nunca soube nem mesmo andar para os lados.
Bolsonaro insiste no cenário do caos porque não obteve o que tentou negociar. Porque não confia mais nos interlocutores e sabe que a outra alternativa é a certeza de um fim terrível, possivelmente preso.
Entre ir direto em direção ao final que já está escrito, sem resistir, e testar seus limites até a última hora, optou pelo tudo ou nada, mesmo que o mais provável seja o nada.
À sua frente, só um arbusto, que pode ser uma miragem, e o penhasco. O arbusto é onde ele ainda enxerga resistência e onde Luis Roberto Barroso só vê manés.
Bolsonaro foi informado por sua intuição precária, por recados diretos ou por senhas e sinais falsos, que ainda há uma chance. Com muita bagunça nas ruas, com cerco à Polícia Federal, incêndios, correrias e pânico.
E o que viesse depois se encarregaria de criar uma guerra civil ou o caos social. Os militares teriam de agir. E ele continuaria no poder.
Nada é improvável ou absurdo para o fascismo, e o tempo passa a dizer a Bolsonaro que não há muito o que fazer.
Não se trata mais de um blefe, com patriotas na frente dos quartéis, para conseguir o que ele ainda não obteve numa negociação.
Não é a última cartada para acertar a rendição com a conquista de algo como a trincheira de senador vitalício.
Não é o gesto extremo para que pelo menos poupem os filhos. Essa etapa de concessões até a rendição parece já ter sido vencida.
Bolsonaro não confia em mais ninguém e não tem uma base que o oriente. O que sobrou ao seu redor é a xepa da feira de Brasília.
A extrema direita perdeu funcionalidade e se transformou numa biruta em dia de vento norte.
Restaram em desordem os terroristas de rua, tios e as tias dos quartéis, caminhoneiros envolvidos com tráfico de drogas e contrabando e os militares que lhe devem favores, todos misturados agora a um cacique golpista.
Bolsonaro sabe que a turma que poderia ajudá-lo já debandou e apenas simula algum apoio.
Se tivesse grandeza trágica, poderia ser um personagem shakespeariano do terceiro time, um sub-herói patético da extrema direita.
Mas a figura é ruim para a construção de algo mais sofisticado. Ele não tem nem um cão que possa captar os seus dilemas e com quem possa conversar. Não tem nem um cavalo.
Não há mais como tentar recuar e ser poupado e não há nem como fugir, porque o personagem de Bolsonaro não tem dimensão literária nem mesmo para uma fuga.
Há o penhasco, a mais medíocre de todas as saídas. Bolsonaro oferece gasolina e deixa que incendeiem Brasília porque vai saltar no meio do fogo do imponderável.
O caos é a obsessão derradeira, mesmo que signifique sua prisão nos primeiros dias de janeiro. A outra saída é acabar preso do mesmo jeito. Por isso ele tenta ser Bolsonaro até o fim.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)
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