Globo pediu desculpas por apoiar a ditadura, mas esqueceu do caso Escola Base
Caso emblemático voltou a ser assunto recentemente após o lançamento do documentário "Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado"
Fernanda Talarico, Splash
O caso da Escola Base aconteceu em 1994 e voltou a ser assunto recentemente, quando o Globoplay lançou “Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado”. O documentário é focado em Valmir Salaro, jornalista da Rede Globo e o primeiro a reportar a denúncia de que crianças estariam sofrendo abuso durante o horário escolar. As informações foram provadas falsas, mas o estrago na vida dos acusados nunca foi revertido.
Antes da Rede Globo demonstrar interesse em abordar o assunto novamente, o jornalista Emílio Coutinho, 37, lançou o livro “Escola Base” em 2016. Inteirado sobre o caso e suas vítimas há anos, o repórter acredita no impacto positivo que a produção tem causado — tanto que chegou a participar —, mas não poupa críticas à emissora.
“Fico impressionado porque a Globo se desculpou pela ditadura, mas esqueceu da Escola Base, foi mais fácil apagar da memória”, disse Coutinho. “As reportagens prejudicaram ‘só’ dois casais, então a imprensa em geral decidiu esquecer, colocar para debaixo do tapete”.
“Na época em que comecei a escrever o livro, questionei porque a Globo não falava da Escola Base”.
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A demora para abordar o assunto não é a única crítica que Coutinho faz sobre o título. “Colocam o Valmir Salaro como vítima, mas o caso da Escola Base não se resume a ele”.
“O documentário contou uma parte da história, sobre um aspecto. Mas não foi toda a imprensa que deu a notícia. O jornal ‘Diário Popular’, por exemplo, não noticiou o caso. Eles decidiram não falar sobre o assunto. Então, senti falta de falarem também sobre os que não citaram”.
O lado bom
O escritor tem críticas ao título, mas também vê pontos positivos. “Por sair pela Globo, houve uma boa recuperação de imagens das reportagens que tinham ‘sumido’.”
“Em decorrência dos processos que as vítimas moveram, não havia mais vídeos disponíveis sobre o caso. Algumas emissoras escondem a sete chaves o que aconteceu, como a Bandeirantes. Acho importante que a Globo tenha aceitado falado desse caso, mesmo que tanto tempo depois.”
O jornalista, que também é professor universitário, entende que “Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado” promove uma “boa reflexão”. “Na época, em 1994, não tínhamos isso. Hoje, pelo menos, temos esse exemplo do que não fazer.”
O interesse
Emílio Coutinho entrou na faculdade de Jornalismo em 2012 e desde o início da graduação pensou em fazer o seu trabalho de conclusão de curso (TCC) sobre a famigerada sucessão de fatos que se deu a partir de denúncias de duas mães.
“Quando eu comecei a escrever, me questionavam o porquê de mexer nisso. Na internet, em 2011, 2012, você não encontrava nada sobe a Escola Base. Talvez porque não havia uma associação pedindo os direitos dos envolvidos? Não sei.”
À época que iniciou sua pesquisa, havia apenas um livro sobre o assunto: “Caso Escola Base: os Abusos da Imprensa”, escrito por Alex Ribeiro em 1995, pouco tempo depois dos acontecimentos. “Eu queria saber o que tinha acontecido depois de tanto tempo. Havia boatos que eles teriam trocado de país, trocado de nome? Eu estava muito curioso para saber, mas não conseguia em nenhum lugar. Por isso, resolvi ir atrás.”
“Fui atrás primeiro da documentação e de tudo que foi publicado na mídia. Quando me deparei com o tema e com as dúvidas, percebi que ninguém tinha as respostas, então comecei a fazer pesquisas.”
O jornalista teve dificuldades de conseguir falar com alguns dos principais personagens, como foi o caso das mães que fizeram as denúncias, o delegado envolvido no caso e outros. “Mesmo os que não deram depoimento ficaram sabendo que o trabalho estava sendo desenvolvido.”
Uma das negativas veio de Ricardo Shimada, filho de Icushiro e Maria Aparecida Shimada, proprietários da Escola Base e acusados de aliciarem crianças. “Ele entrou em contato comigo apenas quando eu lancei o livro.”
Coutinho e Shimada escreveram juntos “O Filho da Injustiça”, obra a ser lançada no próximo ano e relatará a versão do filho do casal dos fatos.
“Meus pais me deixaram de fora das matérias e fora dos holofotes, para me proteger. Eu era um adolescente. Guardei isso por muito tempo”, explicou Ricardo Shimada sobre o que o levou a escrever sua história.
“No livro, relembro de quando vi os policiais chegando na escola. Conto da tentativa de suicídio da minha mãe e dos meus pais, depois do caso, ainda precisando bancar a reforma da escola para entregar o prédio.”
Coutinho acredita que, com o documentário do Globoplay, agora é realmente a hora certa de lançar o título. “Conversamos por muito tempo. Foi um trabalho árduo, escrito a quatro mãos, mas valeu muito a pena.”
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