Um dos piores legados de Bolsonaro foram os superpoderes de Arthur Lira
O "toma lá, dá cá" é um problema antigo na política brasileira. Nunca se viu, porém, nada parecido com o atual orçamento secreto. Trata-se de um aperfeiçoamento absurdo da tecnologia da corrupção; uma engenharia maligna montada durante e por causa do governo de Jair Bolsonaro
Chico Alves, em seu blog
Há muito tempo os políticos fisiológicos exibem criatividade para se beneficiar de verbas governamentais. Quando se fala do escambo imoral entre Executivo e Legislativo do Brasil, logo vêm à mente os escândalos do Mensalão e do Petrolão. Governos anteriores, no entanto, já chafurdavam nessa lama.
Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, deputados receberam uma bolada para aprovar a reeleição para presidente. Antes, em 1989, a Petrobras frequentou o noticiário por conta de desvios originados em indicações políticas (o jornalista Ricardo Boechat ganhou prêmio com matérias sobre o tema). Poucos anos depois, o tesoureiro de Fernando Collor voltava a tentar implantar um esquema de maracutaias na mesma empresa.
O “toma lá, dá cá” é distorção antiga na política brasileira. Nunca se viu, porém, nada parecido com o atual orçamento secreto, descoberto pelo jornalista Breno Pires, do jornal O Estado de S. Paulo. Trata-se de um aperfeiçoamento absurdo da tecnologia da corrupção.
Por esse expediente, em 2022, os presidentes da Câmara e do Senado distribuíram recursos de emendas no valor de R$ 16 bilhões sem que se possa identificar com exatidão parlamentares beneficiados e nem onde o dinheiro foi gasto. Essa engenharia maligna foi montada durante e por causa do governo de Jair Bolsonaro.
Eleito sob a promessa de que daria fim ao “toma lá, dá cá” entre Executivo e parlamentares, Bolsonaro começou seu mandato sem fazer negociação de nenhuma espécie com o Congresso – nem mesmo as lícitas, que são a base da política.
Depois de uma sequência de derrotas, completamente enfraquecido, o presidente abriu as portas para o Centrão, que, em troca de apoio, implantou então o orçamento secreto. Trata-se de um dispositivo fisiológico que se retroalimenta, já que os beneficiados desse ano usaram parte da dinheirama para turbinar suas campanhas eleitorais. A maior parte se elegeu.
A maior parte dessa operação está centralizada na mão de um homem: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). São esses superpoderes que o tornam tão soberbo nas atuais negociações com o presidente da República eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), exigindo cargos e apoio a seus interesses em troca da tal governabilidade.
Mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional o orçamento secreto, Lira continua poderoso. Articula para manter o fluxo de recursos de emenda de alguma outra forma.
Caso Lula o enfrente, corre o risco de ganhar um gigantesco inimigo, que tem por trás de si um contingente considerável de deputados do Centrão.
Como resolver essa aberração? Ninguém sabe ao certo. O que se sabe mesmo é que a decisão do STF não encerra essa distribuição indiscriminada de recursos iniciada no governo Bolsonaro.
A maior ironia é lembrar que a gestão que permitiu o aparecimento do orçamento secreto (e se beneficiou dele) começou bradando que daria fim ao “toma lá, dá cá”.
Falsos moralistas geralmente acabam assim, afundados na imoralidade.