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Arianização à brasileira: Vislumbrem a face do terrorismo brasileiro

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Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

A sociedade do espetáculo foi recentemente questionada no filme Não, não olhe, do diretor do momento Jordan Peele, com todo o peso de danação que carrega em nome da destruição.

Por aqui, sem atrasos significativos, o espetáculo de milhares de pessoas invadindo a praça dos três poderes num domingo de Brasília vazia chegou como um alívio para muita gente que as eleições haviam dividido.

Tentando controlar as narrativas, a rede Globo de jornalismo não demorou a caracterizar aquele bando de gente vestindo verde e amarelo de terroristas. E de fato acabou por controlar. Não em relação ao seu segundo objetivo, pois o primeiro era mesmo valorizar a importância do ato a níveis internacionais. Mas o segundo, que seria o de definir o tipo de crime, logo depois deve ter sido corrigido pelas autoridades, que mais ajuizadas perceberam que senhoras portando travesseiros, gente desempregada que se voluntarizou para uma aventura política, não perfaziam terroristas, cuja pena na legislação seria pesada demais para manter milhares de pessoas comuns em cárceres políticos.

Mas como dias antes o governo já anunciara um departamento à la 1984 que define o que é a verdade, fez a poderosa emissora recolher seu julgamento precoce. Agora são baderneiros.

Mas se no nível da grande mídia caiu o julgamento pesado, no gosto popular da esquerda, terrorismo agora tem uma nova cara.

Aqui mesmo no pragmatismo político um mosaico com vários rostos solicitava dos leitores a utilização de aplicativos para identificar cada um deles na esperança de condenar terroristas perigosos.

Eu vi as imagens desses rostos. Senhoras carecas com câncer, homens depauperados pelo desemprego, machistas com cara de desavisados, mulheres donas de casa cansadas do serviço doméstico, que aceitaram o convite anunciado nas redes de uma jornada até a capital da república, ônibus, café da manhã, almoço, jantar, abrigo com banheiros químicos, tudo de graça e que podiam sair para uma estada de cinco dias para a ocupação revanchista de uma eleição que julgam ilegítima.

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Algumas questões precisam ser consideradas. Se houve esses anúncios dias antes que pessoas comuns poderiam responder, então os sistemas de informação e vigilância do atual governo estavam cientes do movimento anunciado.

Além disso, cem ônibus se dirigindo a Brasília nas circunstâncias tensas das ocupações não deveriam passar despercebidos pela vigilância de estrada.

O atual presidente, segundo informações, estava em Araraquara, na mais importante região de plantio de cana do país. Demorou um bom tempo até que se manifestasse sobre o evento. Fiquei atento à sua fala para entender os motivos das demoras, as duas, essa de sua resposta e do vacilo de sua inteligência de informação.

Como sabemos, o congresso atual foi reconfigurado de modo a dificultar a ação do governo, dado a maioria de congressistas ligados ao governo anterior.

Em algum momento da fala presidencial, Lula fez menção aos congressistas afirmando que a partir de agora o legislativo precisa sempre se lembrar de quem são os bolsonaristas radicais que invadiram a praça dos três poderes para achincalhar a democracia.

Penso que com isso vincula qualquer partidário de Bolsonaro a atos de terrorismo caracterizados nessa invasão.
Então tivemos um espetáculo razoavelmente programado pelos dois lados da equação dicotômica que emergiu das últimas eleições. Eleições emocionais, tão típicas dos tempos populistas como estes.

Mas se o novo governo controla a verdade dos fatos por meio de seus vários tentáculos, também controla a pós verdade.

As redes sociais estão em polvorosa com a solicitação de auxílio a seus ofendidos usuários para identificar como puderem os terroristas antidemocráticos. E a sanha tecnológica é muito eficiente nisso.

Então, uma parte dos eleitores de Lula, a esquerda de modo bem genérico, faze o serviço dos sistemas de inteligência do governo e atuam como potenciais denunciantes a caça daqueles rostos terríveis do cartaz de procura-se.

Os nazistas usaram do mesmo expediente logo depois de Hitler ter sido eleito para a chancelaria. Chamaram então de processos de arianização. Tinham por objetivo a aliança de uma parte da sociedade sofrida da Alemanha para denunciar aqueles que eram judeus e receber os benefícios que achavam ser merecedores. Os ideólogos do nazismo haviam determinado que os judeus seriam a parte maldita capaz de unir a nação, ou seja, aqueles que não eram judeus, em torno de um objetivo comum, a grande Alemanha. A grande Alemanha daqui tem sido chamada de Democracia por gente como Lula ou Bolsonaro e seus seguidores. Eliminariam de bom grado a turba de seguidores do opositor para os benefícios da Democracia.

Vizinhos eram denunciados e os denunciantes ficavam com seus negócios, casamentos eram desfeitos e um dos cônjuges denunciava o outro para se livrar da maldição a que foram jogados os judeus, cada ato denunciatório era exaltado publicamente para angariar mais adeptos.

Um filme que é sensível a esse ambiente foi feito em 1948 e acabou por ganhar o Oscar. A pequena loja da rua principal, filme checo dirigido por Jan Kadar e Elmar Klos.

Na Tchecoslováquia, durante a Segunda Guerra Mundial. Tono (Jozef Kroner), um pobre camponês, é nomeado “inspetor arianização” de uma pequena loja de botões comandada por Rozalia (Ida Kaminska), uma viúva judia. Os dois acabam tornando-se amigos, mas eis que é dada a ordem para que todos os judeus abandonem suas casas e sigam para campos de extermínio. E ele precisa denunciar sua amiga judia.

No filme, sensível, o dilema do protagonista é enorme e fundamental, hoje, por aqui em tempos de cancelamentos fáceis, pessoas que se julgam bons cidadãos correm a denunciar, mas sem ter que receber o butim de sua aliança profana.

Por agora, a eliminação moral já é suficiente e cada uma dessas vidas inscritas nos cartazes de PROCURA-SE está sendo investigada, revirada, exposta, por gente que é da mesma natureza e estão aprisionados no mesmo juízo de valor.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor

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