O Palácio do Planalto está como a cara do povo: rachado pela violência e pela brutalidade. Mas os prédios serão reconstruídos e, com eles, há a esperança de que o próprio país se reconstrua a partir de outras perspectivas
Paulo Ricardo Moura da Silva*
Existem diferenças que, juntas, se complementam para se tornarem mais potentes. Outras que é possível negociar harmonicamente suas divergências para diversificar as possibilidades. Entretanto, há diferenças que são antagônicas e, por isso, são inconciliáveis, sem que haja conflitos e disputas acirradas. O Brasil é estruturado historicamente por um complexo conjunto de antagonismos sociais, culturais, políticos e econômicos.
Carregamos em nossa história as marcas do genocídio indígena (que se iniciou na colonização portuguesa, mas que se estende até os dias atuais), bem como dos 388 anos de escravidão de negros e indígenas. A desumanização e a violência contra negros, indígenas, imigrantes não-brancos, pobres, mulheres, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, idosos, dentre outros, tornaram-se o modo de organização normal do país. Buscam-se converter milhões de brasileiras e brasileiros em meros objetos nas mãos da classe dominante.
Dados estatísticos referente às desigualdades e às violências no país são alarmantes. 78% das pessoas mortas por armas de fogo no Brasil são negras. No primeiro semestre de 2022, o país registrou 699 casos de feminicídio, uma média de 4 mulheres por dia. Em 2021, 62,9 milhões de brasileiras e brasileiros, isto é, 29,6% da população, teve uma renda domiciliar per capita de até R$ 497 mensais, o que representa R$ 16,57 por dia.
No âmbito da história política, os números nos ajudam a notar ainda mais fragilidades em nossa sociedade. No Brasil, o parlamento (ou o Congresso Nacional) foi fechado ou dissolvido 18 vezes. Tivemos 2 ditaduras, que, juntas, duraram 29 anos. Houve 10 golpes de Estado, incluindo o da presidenta Dilma. 7 presidentes não concluíram seus mandatos por renúncia, deposição ou impeachment, sem considerar o suicídio Getúlio Vargas como uma morte de motivação política.
No ano em que o povo sobe a rampa do Planalto e entrega ao presidente da República a faixa presidencial, temos um ato terrorista e golpista no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Toda violência sofrida pelo povo diariamente sempre foi uma rachadura nos três poderes do Estado Brasileiro. Cada vidro que se trincava, cada obra de arte rasgada, cada móvel depredado conecta-se com as estruturas sociais de um país racista, machista, classista e autoritarista. Logo, não se trata apenas de uma questão eleitoral, em que uma pequena parcela de eleitores bolsonaristas questionam o resultado das eleições. Mas de um país que, em primeira instância, tem urgência em humanizar-se, na medida em que fortalecer e ampliar a vivência democrática.
O Palácio do Planalto está como a cara do povo: rachado pela violência e pela brutalidade. Mas os prédios serão reconstruídos e, com eles, há a esperança de que o próprio país se reconstrua a partir de outras perspectivas. Lula é uma ideia e a alegria já tomou posse. Lembremos o quanto a alegria tem o potencial de resistir e revolucionar, enquanto a tristeza apenas aprisiona e silencia. A tristeza de ver a tentativa de um golpe diante de nós, de fato, existe, mas não ceder a ela é um ato político de resistência.
*Paulo Ricardo Moura da Silva é doutor pela UNESP, professor e coordenação da área de Língua Portuguesa no IFMG – campus Ouro Preto.
→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… considere ajudar o Pragmatismo a continuar com o trabalho que realiza há 13 anos, alcançando milhões de pessoas. O nosso jornalismo sempre incomodou muita gente, mas as tentativas de silenciamento se tornaram maiores a partir da chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Por isso, nunca fez tanto sentido pedir o seu apoio. Qualquer contribuição é importante e ajuda a manter a equipe, a estrutura e a liberdade de expressão. Clique aqui e apoie!