Mulheres violadas

Daniel Alves posava de coach patriota e fez postagens no dia da eleição presidencial

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Antes de ser preso, Daniel Alves se comportava como uma espécie de 'coach patriota' nas redes. No 1º turno da eleição o jogador publicou: "Tem um slogan que eu adoro que é 'Brasil acima de tudo e Deus acima de todos'". Já no 2º turno, escreveu: "Não se deixem manipular. O Brasil precisa de ordem e progresso. Pátria Amada Brasil!". Menos de 24 horas após a derrota do seu ídolo, o lateral já lambia as feridas em uma postagem menos efusiva: "Não depositem os seus destinos nas mãos de políticos"

Daniel Alves

Matheus Pichonelli, TBA

Em 1º de outubro de 2022, dia do primeiro turno das eleições no Brasil, Daniel Alves vestiu a camisa da Seleção e gravou um vídeo emocionado, para as suas redes sociais, falando “como bom cidadão brasileiro” de um assunto “importantíssimo”: “O dia de expressarmos nossa vontade de ver nosso país se desenvolvendo”.

Sem citar nenhum dos candidatos, ele convidou os seguidores a escolher um lado, vestir a camisa e mostrar que tinham orgulho “das cores que representamos”.

O amor ao país e o respeito pelos nossos semelhantes, dizia ele, deveriam pairar acima de qualquer postulante ou legenda. Acima também de qualquer menção aos recursos federais que sua ONG recebeu nos últimos anos.

“Não gosto de falar de partido. Acredito que desenvolvimento tem que ser em união e em sintonia. Partido soa a ruptura”, ensaiou o lateral, para quem o crescimento começa dentro de nós mesmos.

“Tem um slogan que eu adoro que é ‘Brasil acima de tudo e Deus acima de todos’. E eu, como patriota, vou sempre defender as cores do meu país.”

Aos 39 anos e perto da aposentadoria, o craque parecia pronto para adentrar de vez nos gramados da política ou da literatura motivacional, talvez não nessa ordem.

Todo dia era um ensinamento em suas redes

Em 4 de outubro, por exemplo, ele postou uma foto de joelhos, com óculos apontando para o infinito e a seguinte legenda: “A maior escravidão de um povo é ser preso mesmo sendo livres”.

A vida, segundo o jogador, “sempre dá uma segunda chance àqueles que correm pelo justo… já que o certo ou o errado é apenas uma questão de opinião!”.

Opinião por opinião, a postagem, encerrada com as hashtags #ConselhosGrátis e “UnidosPorUmBrasilMelhor”, recebeu mais de 184 mil curtidas e palmas efusivas de fãs como a ex-atleta Maurren Maggi.

No fim daquele mês, horas dantes do segundo turno, Dani deixou os seguidores à vontade para fazer “o que seu coração mandar”, mas alertou: “Não se deixem manipular. O Brasil precisa de ORDEM E PROGRESSO de uma vez por todas”. “Que Deus proteja, abençoe e cuide do nosso povo e DA NOSSA PÁTRIA AMADA BRASIL!” — o Caps Lock é do post original.

Menos de 24 horas depois, em 1º de novembro, o lateral já lambia as feridas em uma postagem menos efusiva: “Não depositem os seus destinos nas mãos de políticos”.

Para ele, só “o amor, o respeito e a paz são as chaves pra humanidade viver em harmonia”.

“Sem isso, seremos dominados pelo ódio, pelo rancor e pela violação dos direitos do seres humanos [sic]”.

Não foi por falta de tentativa. Após as notícias de uma ruidosa separação com a cantora Shakira, o ex-zagueiro do Barcelona Piqué, criticado por traí-la com uma mulher mais jovem, foi homenageado pelo amigo: “Todos somos imperfeitos e isso é o que nos faz humanos”.

Era a solidariedade masculina acima de tudo.

Dava até para imaginar o craque inspirando multidões em livros, palestras, templos e palanques num futuro próximo. Todos tinham muito a aprender sobre resiliência, espiritualidade, moda e positividade desfilada pelo multicampeão.

Mas havia uma Copa do Mundo no caminho do ex-atleta em atividade, e as pancadas recebidas por aparecer na lista de convocados do técnico Tite pareciam materializar o que ele tanto pedia em suas postagens: o país estava unido na desconfiança.

O fim da história, com o lateral atuando como melhor tocador de pandeiro do grupo e um zagueiro improvisado em sua posição, é conhecido.

Nada que abalasse a versão autoajuda do jogador. “Ganhar para mim, que sou considerado o maior vencedor da história desse esporte, significa inspirar pessoas”, escreveu ele em uma postagem dedicada ao amigo Neymar.

Dani seguiu publicando, inspirando e desejando que o amor entre os semelhantes reverbere e que todas as maldades e rancores diminuam dos corações. Foram essas palavras usadas em sua primeira mensagem de 2023, postada sob a hashtag #Deusnocomandosempre.

Horas antes, as câmeras de uma boate de luxo em Barcelona mostraram o patriota, casado, pai de dois adolescentes e com a sogra doente, correndo atrás de uma mulher de 23 anos em direção ao banheiro. Ele se trancou com ela no local e saiu de lá cerca de 15 minutos depois.

As imagens mostram a garota deixando o toalete em situação de fragilidade. Ela saiu de lá e passou por exames médicos em um hospital. Três dias depois, foi até a polícia e entregou os laudos. Um deles apontava a presença de sêmen em seu vestido. Ela acusava o jogador de estuprá-la.

Intimado, Daniel Alves se defendeu. Disse, em uma entrevista, que nunca havia visto a moça na vida. Depois disse ao Tribunal de Justiça que naquele banheiro até houve sexo, mas a relação foi consensual. Disse inclusive que permaneceu vestido o tempo todo — versão desconsiderada pela Justiça, já que, segundo o jornal “El Mundo“, a denunciante descreveu em detalhes uma tatuagem íntima do atleta.

A contradição levou a Justiça a decretar a prisão do acusado, sob o temor de que ele fugisse.

A denunciante já avisou que não quer exposição nem dinheiro. Quer apenas a condenação de Dani Alves.

Com exceção de Xavi, que se disse em choque com as acusações sobre o ex-parceiro, quase ninguém se pronunciou sobre o assunto no meio futebolístico. A classe parece mesmo só se mobilizar quando um deles é criticado por Casagrande.

O relato de uma mulher que se diz vítima da violência não mereceu repúdio.

O perfil no Instagram do atleta hoje tem um avatar escuro em sinal de luto. Nas postagens, o que não falta é seguidor apontando a contradição entre as palavras exemplares e a perseguição, seja lá o que a Justiça disser que aconteceu, naquela noite na boate. “Não falha uma”, apontam alguns.

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