Documento encontrado na casa do ex-ministro Anderson Torres tem diversas páginas e mostra, detalhadamente, que havia uma conspiração golpista vertical, que vinha de cima para baixo, da alta cúpula do governo. Confira a íntegra
(Jair Bolsonaro e Anderson Torres. Foto: Marcos Corrêa/PR)
A minuta de um projeto golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro (veja a íntegra no fim do post), encontrada pela Polícia Federal na casa de seu ministro da Justiça Anderson Torres, nesta semana, deve complicar a situação jurídica de Bolsonaro no Brasil. É o que avalia o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), em entrevista a Rafael Garcia, na edição desta sexta-feira (13) do Jornal Brasil Atual.
Para o especialista, o rascunho de decreto para que o ex-governo implementasse uma medida cujo objetivo era mudar o resultado da eleição prova que Bolsonaro conspirou por um golpe de Estado e que ele “jamais esteve comprometido com a democracia”. O que deve motivar processos contra o ex-presidente “que possam conduzi-lo à prisão”. Atualmente nos Estados Unidos, o ex-mandatário é alvo também de uma mobilização de congressistas daquele país que cobram sua extradição.
Além disso, os parlamentares dos EUA também pediram, em carta nessa quarta (11) ao presidente Joe Biden, que coloque o FBI, a polícia federal do país, para investigar se e como os ataques aos Três Poderes, em Brasília, no último domingo (8), foram planejados em território americano.
“Porque o que está muito claro é que essas tentativas de golpe a todo custo são organizações que orquestram formas de tentativa de tomar o poder. Aconteceu com o (ex-presidente dos EUA Donald) Trump, quando ele incentivou uma multidão a invadir o Capitólio. Na Bolívia, em 2019, aconteceu algo muito parecido quando o Evo Morales conquistou sua quarta vitória. Houve queimas de atas eleitorais, que atrasaram a divulgação de um resultado final idôneo. Então, tudo isso vai mostrando que a extrema direita mundo afora tem métodos orquestrados, pré-fabricados, e no Brasil não foi diferente”, observa o cientista político.
Ele completa, lembrando do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016, ao processo judicial que levou à prisão sem provas do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E a campanha de desinformação contra o processo eleitoral brasileiro, conduzida pelo próprio ex-presidente Bolsonaro. Até aos atos de terrorismo recentemente, em que bolsonaristas tentaram tomar o poder pela força.
As ameaças à democracia brasileira ficaram evidentes, para o professor, com o documento encontrado pela PF em um armário da residência de Anderson Torres, alvo de mandado de busca e apreensão na terça (10). A medida traz, na prática, uma intervenção sob pretexto de apurar supostos abusos de poder, suspeição e medidas ilegais que seriam atribuídas à presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o processo eleitoral. No caso, o ministro Alexandre de Moraes.
O material teria sido produzido após a confirmação da vitória de Lula no segundo turno, em 30 de outubro. Torres, então ministro da Justiça de Bolsonaro, foi nomeado secretário de Segurança Pública do Distrito Federal pelo governador afastado Ibaneis Rocha (MDB) e tomou posse em 2 de janeiro. Porém, em vez de assumir o cargo, resolveu antecipar férias e viajou aos Estados Unidos. Assim, ele estava fora do país no último domingo, quando terroristas bolsonaristas destruíram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Exonerado, o ex-ministro e agora ex-secretário teve ordem de prisão decretada por decisão do STF, que ratificou na quarta a ação de Alexandre de Moraes. Ao saber da descoberta da minuta, Torres justificou em suas redes sociais que o material estava sendo divulgado “fora do contexto”. E que ele seria “triturado oportunamente no MJSP”. O cientista político avalia, porém, que “não há nada que justifique a presença de um documento como esse no interior de uma residência. Absolutamente nada, ainda mais de um ministro da Justiça de Bolsonaro”.
Ao contrário, para Niccoli a minuta mostra que havia uma conspiração golpista vertical. “Vinha de cima para baixo, da alta cúpula do governo. E a gente não pode esquecer que se chegamos a esse ponto, que acaba influenciando golpistas a tomar o poder, é porque o Brasil sempre fez vistas grossas à ultradireita”, critica.
DETALHES DO DOCUMENTO GOLPISTA
O decreto encontrado no armário de Anderson Torres previa, além da instituição do estado de defesa, a criação de uma comissão controlada pelo governo Jair Bolsonaro responsável por fazer a “apuração da conformidade e legalidade do processo eleitoral” vencido pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
Também estabelecia as quebras dos “sigilos de correspondência e de comunicação telemática e telefônica” dos membros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A medida de exceção valeria para todo o período do processo eleitoral até a diplomação de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que ocorreu em 12 de dezembro.
LEIA A ÍNTEGRA:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições que lhe conferem os artigos 84, inciso IX, 136, 140 e 141 da Constituição,
DECRETA: Art. 1° Fica decretado, com fundamento nos arts. 136, 140, 141 e 84, inciso IX, da Constituição Federal, o Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, Distrito Federal, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social.
§1°. Fica estipulado o prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento da ordem estabelecida no caput, a partir da data de publicação deste Decreto, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período.
§2°. Entende-se como sede do Tribunal Superior Eleitoral todas as dependências onde houve tramitação de documentos, petições e decisões acerca do processo eleitoral presidencial de 2022, bem como o tratamento de dados telemáticos específicos de registro, contabilização e apuração dos votos coletados por urnas eletrônicas em todas as zonas e seções disponibilizadas em território nacional e no exterior.
§3°. Verificada a existência de indícios materiais que interfiram no objetivo previsto no caput do art. 1° a medida poderá ser estendida às sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais.
Art. 2° Na vigência do Estado de Defesa ficam suspensos os seguintes direitos:
I – sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do Tribunal do Superior Eleitoral, durante o período que compreende o processo eleitoral até a diplomação do presidente e vice-presidente eleitos, ocorrida no dia 12.12.2022.
II – de acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral e demais unidades, em caso de necessidade, conforme previsão contida no §3º. do art. 1°.
§ 1°. Durante o Estado de Defesa, o acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral será regulamentado por ato do Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral, assim como a convocação de servidores públicos e colaboradores que possam contribuir com conhecimento técnico.
Art. 3° Na vigência do Estado de Defesa:
I – Qualquer decisão judicial direcionada a impedir ou retardar os trabalhos da Comissão de Regularidade Eleitoral terá seus efeitos suspensos até a finalização do prazo estipulado no § 1°, art. 19,
II – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que poderá promover o relaxamento, em caso de comprovada ilegalidade, facultado ao preso o requerimento de exame de corpo de delito à autoridade policial competente;
III – a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;
IV – a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;
V – é vedada a incomunicabilidade do preso.
Parágrafo único. O Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral constituirse-á como executor da medida prevista no inciso I, do §3° do art. 136, da Constituição Federal.
Art. 4º A apuração da conformidade e legalidade do processo eleitoral será conduzida pela Comissão de Regularidade Eleitoral a ser constituída após a publicação deste Decreto, que apresentará relatório finai consolidaria conclusivo acerca do objetivo previsto no caput do art. 19.
Art. 5° A Comissão de Regularidade Eleitoral será composta por:
1 – 08 (oito) membros do Ministério da Defesa, incluindo a Presidência;
II – 02 (dois) membros do Ministério Público Federal;
III – 02 (dois) membros da Polícia Federal, ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal;
IV – 01 (um) membro do Senado Federal;
V – 01(um) membro da Câmara dos Deputados;
VI – 01(um) membro do Tribunal de Contas da União;
VII – 01 (um) membro da Advocacia Geral da União; e,
VIII – 01 (um) membro da Controladoria Geral da União.
Parágrafo único. À exceção das autoridades constantes do inciso I, cuja indicação caberá ao Ministro da Defesa, as indicações dos membros dos órgãos e instituições que integrarão a Comissão de Regularidade Eleitoral deverão ser feitas em até 24 (vinte e quatro) horas após a publicação deste Decreto no Diário Oficial da União, devendo as designações serem formalizadas em ato do Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral.
Art. 6°. Serão convidados a participar do processo de análise do objeto deste Decreto, quando da apresentação do relatório final consolidado, as seguintes entidades:
I – 01 (um) Integrante da Ordem dos Advogados do Brasil
II – 01 (um) representante da Organização das Nações Unidas no Brasil
III – 01 (um) representante da Organização dos Estados Americanos no Brasil (Avaliar a pertinência da manutenção deste dispositivo na proposta)
Art. 70. O relatório consolidado final será apresentado ao Presidente da República e aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, e deverá conter, obrigatoriamente:
I – apresentação do objeto em apuração
II – a metodologia utilizada nos trabalhos
III – as contribuições técnicas recebidas
IV – as eventuais manifestações dos membros componentes
V – as medidas aplicadas durante o Estado de Defesa, com as devidas justificativas
VI – o material probatório analisado
VII – a relação nominal de eventuais envolvidos e os desvios de conduta ou atos criminosos verificados, de forma individualizada.
Parágrafo único. A íntegra do relatório final consolidado será publicada no Diário Oficial da União.
Art. 8° Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, de de 2022. 201° ano da Independência 134º ano da República
Jair Messias Bolsonaro