Por que tantos bolsonaristas estão em Miami neste momento?
Há quem veja com desconfiança a coincidência da presença de tantos bolsonaristas na Flórida (EUA) no momento em que o ex-presidente passa a ser oficialmente investigado pelas cenas de terror conduzidas pelos integrantes de sua seita. Para esses, existe até um nome para a reunião da seita: Foro de Miami
Matheus Pichonelli, TAB
No livro “O outono do patriarca“, o protagonista de Gabriel García Márquez, solitário e sem poder, enfrenta o tédio em um palácio em ruínas onde passa os dias mudando enredos de novelas e lendo a tiragem única de um Diário Oficial feito apenas para ele.
A decadência, após um reinado em que nomeou general um filho recém-nascido, vendeu o mar a uma nação estrangeira e foi engolido pelas ambições de uma mulher e do seu chefe da repressão, é preenchida ouvindo harpas, o som das marés e atrasando relógios, enquanto perto dali as galinhas passam os dias bicando móveis e cadáveres.
Ao menos no cenário, o “outono” de Jair Bolsonaro (PL) não poderia ser mais diferente.
Tratado como celebridade no condomínio em que foi recebido por um lutador de MMA, em Orlando, na Flórida, o patriarca vive dias de descanso após quatro anos em que muito passeou e pouco fez.
Como o personagem de García Márquez, Bolsonaro segue publicando em um diário oficial convertido em LinkedIn as memórias de seu governo e alterando enredo de novelas em que qualquer semelhança com a realidade é mera ficção. A postagem, em suas redes, sobre as razões de sua derrota nas urnas, apagada em menos de duas horas, é um exemplo.
Aqui e ali há notícias de debandada de seus aliados, sobretudo depois que ficaram evidentes as suas digitais na flauta que conduziu uma turba em fúria em direção a Brasília, a Hamelin atualizada em versão candanga.
Fique por dentro:
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Mas não se pode dizer que o protagonista do nosso realismo mágico esteja literalmente só. Perto de sua casa temporária, onde fanáticos fazem vigília e orações por seu mito, vivem o porta-voz do bolsonarismo Rodrigo Constantino, recentemente demitido da Jovem Pan, e o blogueiro foragido Allan dos Santos, homenageado pelo bolsonarista Zezé di Camargo em um show na virada do ano em Miami.
Bolsonaro está em casa.
Desde o fim de seu governo, ele parece engajado em promover, como atração, o turismo de seus conterrâneos na Flórida. Pateta ganhou concorrência.
Não deve haver outra razão para tantos aliados e apoiadores terem viajado para lá nas férias.
Boatos publicados nas redes sociais diziam, dias atrás, que para lá haviam viajado, mais ou menos ao mesmo tempo, o ex-juiz Sergio Moro, o ex-vice-presidente Hamilton Mourão, o ex-ministro Ciro Nogueira e o ex-procurador Deltan Dallagnol — uma comitiva de ex à qual teria se somado ainda o governador afastado do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB).
Depois de muitos desmentidos, soube-se que apenas Moro e Mourão, de quem Bolsonaro preferiu distância, a certa altura do governo, passeavam por lá.
Pois o “cunhado” não deixou o parente estressado sentir saudade.
Antes deles quem também andou conferindo as belezas artificiais da Flórida foi o também ex-ministro e, agora, ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres.
As férias, tiradas dias após trocar de emprego, foram interrompidas por ordem da Justiça, que o mandou voltar para ser preso preventivamente por supostamente facilitar a ação de criminosos contra as sedes dos Três Poderes no dia 8.
No susto, Torres acabou esquecendo nos EUA seu aparelho celular, que anunciou ter sido clonado logo que as imagens da destruição correram o mundo. Acontece muito, claro.
Há quem veja com desconfiança a coincidência, nas noções de tempo e localização geográfica, da presença de tantos bolsonaristas em Miami no momento em que o ex-presidente passa a ser oficialmente investigado pelas cenas de terror conduzidas pelos integrantes de sua seita.
Para esses, existe até um nome para a suposta, e ainda não confirmada, reunião da patota: Foro de Miami.
Coincidências, é claro, acontecem, mas uma das vantagens da vida como ex-presidente é não precisar decretar sigilo nem registrar em ata as visitas extraoficiais.
Caso os turistas encontrem por acaso o ex-chefe num passeio despretensioso pelo mercado, talvez seja bom dar notícias de que a coisa para ele está feia aqui no outro trópico, onde a meta do novo governo é “desbolsonarizar” o poder, a começar pelo setor de inteligência e os responsáveis por sua segurança.
Melhor ficar por lá.
Tanto que Bolsonaro estuda prorrogar sua estada pela terra do ídolo e entusiasta Donald Trump.
Com ajuda de empresários, ele deve ganhar a vida, a partir de agora, promovendo palestras sobre política para americano ver.
Quem tem amigos (e visitas?) tem tudo.
O outono do patriarca pode coincidir com a chegada da primavera dos EUA.
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