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Garimpeiros em fuga das terras Yanomami reclamam de “falta de comida” e de transporte

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Após levar doenças, violência e devastação para as terras Yanomami, garimpeiros pedem prazo e aviões para conseguir deixar o local. Áudios revelam clima de desespero causado pela "falta de comida" e do "medo de cruzar com indígenas isolados" durante a fuga. O nome mais cobrado por eles é o do governador bolsonarista de Roraima, que sempre incentivou o garimpo ilegal e agora teria "largado" o grupo no meio da selva

Ministra Sonia Guajajara sobrevoa território yanomami e constata devastação e crise humanitária (Imagem: Chico Alves/TV Brasil)

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou nesta segunta-feira (6) que haverá reforço das forças federais para retirada de garimpeiros ilegais de terras indígenas em Roraima. A medida inclui territórios Yanomami, onde comunidades inteiras têm sido vítimas de desnutrição grave e outras doenças, que mataram pelo menos 570 crianças só em 2022.

“Dando cumprimento ao decreto do presidente Lula, determinei a ampliação da presença da Polícia Federal e da Força Nacional em Roraima, ao longo desta semana. Queremos que a desintrusão das terras indígenas ocorra em PAZ, sem conflitos. Contamos com a colaboração de todos”, escreveu Dino em rede social.

O ministro se refere ao decreto publicado na última terça-feira (31), com medidas para expulsar os mais de 60 mil garimpeiros das terras Yanomami no estado de Roraima. Entre elas. o controle do espaço aéreo com radares super potentes contra aviões do garimpo. A atividade ilegal foi estimulada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

Governador do Roraima

O governador bolsonarista e pró-garimpo de Roraima, Antônio Denarium (PP), disse no domingo (5) que pediria ajuda do governo federal para a retirada dos garimpeiros ilegais com segurança. Nos últimos dias, desde que as ações do governo Lula foram anunciadas, grupos de garimpeiros ilegais têm fugido pelas matas e rios.

Aliado de Jair Bolsonaro, Denarium está envolvido em uma nova polêmica sobre os Yanomami. Na semana passada, em entrevistas, inocentou o garimpo da responsabilidade sobre a crise humanitária. E disse que os indígenas têm de “se aculturar” e que não podem ficar “andando por aí feito bicho”.

Áudios mostram desespero

De acordo com o jornalista Carlos Madeiro, garimpeiros afirmaram que estão ‘desesperados’ e com ‘medo de morrer’. Muitos desistiram de esperar por resgate ou algum meio de transporte e estão andando pela floresta para tentar chegar até Boa Vista (RR). A distância percorrida varia, já que os garimpeiros estão espalhados em 400 pontos.

“Essa operação [do governo] está sem pé nem cabeça. Eles tinham que primeiro anunciar um prazo de retirada, permitir a [nossa] saída, porque tem locais que são de difícil acesso, que nem varação consegue fazer”, reclama um garimpeiro.

Na região, o termo varação significa a saída, a pé, pela floresta —a viagem dessa forma a caminho de Boa Vista é cercada de riscos e pode durar até quatro semanas.

Os garimpeiros afirmam ainda que não têm recursos para alimentação em viagens tão longas e que muitos dos que atuam na região estão com malária. “Sem aeronave, sem comida para o povo, se não tomar uma atitude, vai morrer muita gente. Tem de mandar [voo] em cada clareira para tirar os garimpeiros.”

O nome mais cobrado por eles é o do governador de Roraima, Antônio Denarium, que sempre se manifestou a favor da atividade de garimpo, teve voto de garimpeiros, mas agora teria “largado” o grupo no meio da selva.

Garimpeiros mais ricos já fugiram

Quem tinha mais recursos deixou a área antes da criação da zona de exclusão de voos, que impede a chegada de aeronaves clandestinas. Além disso, com a alta da procura, o preço dos voos legais explodiu na região.

Já quem teve acesso a barcos tem feito viagens pelos rios, mas em embarcações superlotadas —e nem todos conseguiram uma vaga nesse tipo de transporte.

“O garimpeiro também é ser humano, ou é só índio [sic] que é que é, e o garimpeiro não?”, questionou um deles. Outro diz que a situação “a cada momento piora”. Ele relata que 50 garimpeiros “entraram em desespero” e decidiram caminhar até a capital de Roraima.

A palavra índio era usada pelos colonizadores portugueses para se referirem de forma genérica à população nativa do que é hoje o território americano. Já indígena quer dizer originário e rompe uma ideia depreciativa associada ao termo índio.

Além da distância, outro problema, segundo ele, é que pode haver conflitos entre garimpeiros e indígenas. O homem cita a passagem dos fugitivos pela Serra do Querosene onde, de acordo com ele, há indígenas isolados que já enfrentaram garimpeiros. “É uma tragédia anunciada”, reclama.

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