Incêndios florestais no Chile já fizeram mais de 6 mil vítimas
Onda de calor que afeta o país todo verão neste ano se tornou mais trágica; 1.493 casas foram destruídas e 24 pessoas morreram vítimas dos incêndios
Matias Delacroix | AP
Camilla Viegas, RFI
De acordo com autoridades do Chile, as chamas já consumiram 424 mil hectares. A ajuda internacional veio de onze países, incluindo o Brasil, que enviou brigadistas e aviões ao país.
A onda de calor que afeta o país todo verão neste ano se tornou mais trágica. Os incêndios florestais, comuns nessa época do ano, têm golpeado fortemente os moradores de pelo menos quatro regiões do país, todas localizadas ao sul: Maule, Ñuble, Biobío e Araucanía. O fogo que se alastra sem controle pelas zonas rurais dessas regiões ganha força quando encontra uma vegetação lenhosa e arbustiva, esteja viva ou morta. Mais de 3 mil brigadistas e 3.600 bombeiros voluntários trabalham para diminuir os danos da catástrofe ambiental e humanitária.
“Estamos em processo de contenção da emergência”, disse o subsecretário do Interior, Manuel Monsalve, em sua última coletiva de imprensa diária. Ele disse ainda que o fogo tem diminuído nos últimos dias, mas que isso não apaga a marca de mais de 424 mil hectares consumidos pelas chamas, uma área equivalente a quase três vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Lunes 13 | Autoridades se dirigen al país tras un nuevo Cogrid con balance por incendios en la zona centro sur del país. https://t.co/Ok3vlAUIVQ
— Gobierno de Chile (@GobiernodeChile) February 13, 2023
Além do que foi consumido pelo fogo, a emergência ambiental já fez 5.981 vítimas, entre pessoas que perderam suas casas, plantações, animais e familiares. De acordo com último balanço do Serviço Nacional de Prevenção e Resposta ante Desastres (Senapred), 1.493 casas foram destruídas e 24 pessoas morreram vítimas dos incêndios.
Na última segunda-feira (13/02), bombeiros combatiam o fogo em 300 pontos diferentes e as regiões mais afetadas continuam sendo Biobío e Araucanía, cada uma com mais de 100 mil hectares destruídos.
Com a declaração de Estado de Catástrofe, realizada no início do mês de janeiro, o toque de recolher noturno vale para 29 comunas das quatro regiões mais atingidas. A medida, segundo as autoridades, é preventiva contra roubos e furtos nas residências que precisaram ser abandonadas temporariamente por seus moradores por conta da aproximação do fogo.
Os impactos
Conversando com a RFI, Miguel Castillo, doutor em Recursos Naturais e Sustentabilidade e pesquisador do Laboratório de Incêndios Florestais da Universidade do Chile, explicou que a biodiversidade não se perde imediatamente após os incêndios. Segundo ele, quando o fogo é causado pela ação humana, intencional ou não, os impactos não necessariamente se manifestam de forma imediata.
“Normalmente, o impacto de curto prazo, além da perda de cobertura arbórea, é a perda da produtividade primária do solo. Isso envolve tudo o que tem relação com processos biológicos que se processam na camada orgânica. Os impactos a médio prazo são os efeitos no solo causados pela erosão, contaminação dos lençóis freáticos, fragmentação de paisagem, alta deflorestação e perda da biodiversidade. Os efeitos do fogo dependem da intensidade e comportamento das chamas. Estes incêndios têm sido de alta intensidade, com alta liberação de energia, assim como os que aconteceram em 2017, mas com algumas diferenças com relação à agressividade”, disse o especialista.
Castillo relembra os incêndios de 2017, que atingiram a região centro-sul do país, começando em 18 de janeiro e terminando em 5 de fevereiro. Nessa situação, o Chile entrou para a história mundial de uma forma trágica, já que o episódio mudou a forma como os incêndios são classificados no mundo.
Antes de 2017, os incêndios eram classificados até a quinta geração, o tipo mais destrutivo já conhecido. Mas, no Chile, a tragédia ultrapassou essa classificação, sendo chamada de incêndios de sexta geração, ou popularmente como “tormentas de fogo”.
“Há 150 mil anos essas mesmas paisagens sofriam com os incêndios e podiam ter seu ciclo biológico de recuperação sem nenhum problema. O fogo agia como agente regulador. Mas, conforme a civilização humana foi ocupando os territórios, a frequência dos incêndios fez com que a resiliência da vegetação tenha diminuído drasticamente. É muito importante que tenhamos trabalhos de restauração, recuperação e reabilitação dessas paisagens. A restauração tem como objetivo deixar a paisagem o mais próximo de como era antes do fogo; a recuperação tem o intuito de evitar a erosão do solo; e a reabilitação são ações mais profundas para a recuperação do solo para que este não siga degradando”, conclui o especialista.
O fator humano
De acordo com a Corporação Nacional Florestal (Conaf), a origem dos incêndios florestais está concentrada na ação humana: 99,7% dos incêndios se iniciam por descuido ou negligência de pessoas que manuseiam sem cuidado fontes de calor, seja por queimadas agrícolas ou outra intencionalidade. Pelas leis chilenas, gerar de maneira intencional um incêndio é um crime e a pena pode ir de 5 dias a 20 anos de detenção.
“Quero assegurar ao país que quem intencionalmente iniciou um incêndio será processado com as penas máximas que o ordenamento jurídico permite, neste caso o Código Penal”, disse o subsecretário do Interior Manuel Monsalve. Ele também explicou que “o governo vai exigir processos para conseguir as mais altas penas para aqueles que covardemente iniciarem incêndios”.
Até o momento, 31 pessoas foram indiciadas e estão sendo investigadas pelo MP chileno. Uma delas é o empresário do ramo imobiliário Marcelo Piccardo, que foi acusado de negar-se a disponibilizar água de sua piscina para as equipes de emergência. O caso ganhou repercussão nas redes sociais quando foi publicado um vídeo do piloto espanhol Felipe Bru narrando a situação: “ainda há casas em risco com fontes ativas e estamos buscando água em locais mais próximos e nesse momento tem gente, donos dessas piscinas, que estão nos sinalizando para não tirarmos água de lá. Me parece um ato anticívico da parte deles, vendo a situação que estamos lidando neste momento”.
Teni que ser un REAL HDGP para negarte a que saquen agua de tu embalse en #Yumbel.
Te deseo lo peor del mundo!
Que tu agua se seque, que se llene de zancudos y que te piquen en todos los pliegues wn por ser un mierda de persona.#FelipeBru eres un caballero💪 “Incívico” es mucho https://t.co/hLlWxWXyjC— Paula Bustos (@Pau_Bustos_F) February 7, 2023
Em entrevista a um meio de comunicação local, o piloto disse: “fiquei com muita raiva, saí do helicóptero com raiva porque a verdade é que as casas estavam pegando fogo e essa pessoa não entendeu que era uma verdadeira emergência para os vizinhos. A necessidade era real”.
Nesta segunda-feira, o governo do Chile processou Marcelo Piccardo por ter negado água para o combate aos incêndios que atingiram a localidade de Yumbel, na região de Biobío.
Vítimas silenciosas
Da mesma forma que os vídeos que mostram a força das chamas viralizam nas redes sociais, os registros de resgate de animais também têm seu lugar em distintas plataformas. Postados em diversos perfis e repostados pela imprensa chilena, a maioria mostra o drama de pessoas que tiveram que sair de suas casas, não tendo tempo de salvar seus animais de estimação.
Para ajudar o reencontro de famílias com seus animais de estimação perdidos durante a emergência, uma página no Facebook fornece espaço para a divulgação de fotos e vídeos.
Um informe do Instituto de Desenvolvimento Pecuário (INDAP) detalhou que, entre as vítimas dos incêndios, há cerca de 4.240 animais de produção mortos pelas chamas, dentre eles vacas, ovelhas, cabras, porcos, cavalos e outras espécies.
Ainda segundo o relatório do INDAP, 71% dos animais mortos correspondem a aves, seguindo-se 10% caprinos e bovinos, 5% ovinos e 2% suínos e equinos. Além disso, mais de 13.300 animais que conseguiram sobreviver necessitam de alimentação urgente. Cerca de 80% das colmeias de abelhas registradas pelo órgão nas regiões afetadas foram destruídas pelos incêndios.
Ajuda Internacional
A chanceler chilena, Antonia Urrejola, que estava em férias de verão e retornou ao país neste último domingo (12), respondeu às críticas que vem enfrentando sobre seu distanciamento neste período de crise nacional. Ao receber brigadistas portugueses no aeroporto de Santiago, ela afirmou que de seu local de férias coordenou com a equipe do Ministério das Relações Exteriores todos os esforços com outros países para o envio de ajuda ao país.
Com a chegada dos portugueses, já são mais de 750 brigadistas, bombeiros, soldados e especialistas das mais diversas áreas que estão no Chile colaborando no combate aos incêndios florestais. A isto juntam-se os equipamentos e material de apoio logístico e financeiro que chegam de diversos países.
Os 144 brigadistas portugueses se somam aos demais profissionais enviados por: Japão, Colômbia, Venezuela, Argentina, China, Equador, México, Itália, Espanha e Brasil. Na semana passada, o presidente chileno, Gabriel Boric, divulgou em suas redes sociais uma conversa que teve com o presidente Lula sobre a situação no país, na qual o Brasil teria se comprometido em ajudar o país transandino.
Para a missão humanitária brasileira, coordenada pelo Itamaraty, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), o governo brasileiro autorizou o envio de uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) equipada para o combate aos incêndios (com tripulação e equipe de campo), além de aeronaves-cisternas, veículos, equipamentos e materiais.
O apoio deve custar R$ 3,5 milhões aos cofres brasileiros e conta também com a viagem de 60 brigadistas disponibilizados pelos ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Além disso, outros especialistas em Comando e Controle e em comportamento do fogo reforçam a equipe de ajuda humanitária no Chile.
Acabo de hablar con el Presidente @LulaOficial para gestionar la pronta llegada de apoyo desde Brasil para el combate de los incendios. Agradezco profundamente la ayuda y cooperación latinoamericana! pic.twitter.com/prUc43BF2B
— Gabriel Boric Font (@GabrielBoric) February 8, 2023
Leia também: Governo Lula envia ajuda humanitária para a Turquia: alimentos, remédios, médicos e bombeiros
Gracias querido Lula. Sabía que podíamos contar contigo. Viva América Latina unida! https://t.co/pZZjxzAOb1
— Gabriel Boric Font (@GabrielBoric) February 8, 2023
Diante dessa situação, a aprovação cidadã do presidente Boric aumentou. Uma última pesquisa feita pela consultora Cadem, constatou um crescimento na popularidade do presidente chileno. Na segunda semana de fevereiro, 29% das pessoas ouvidas pela pesquisa aprovam a gestão presidencial, o que representou um crescimento de 2% com relação à última pesquisa. Mesmo assim, a desaprovação do presidente ainda é alta entre os chilenos (65%).
Aporte financeiro para as vítimas e plano de recuperação
Na semana passada, o governo chileno anunciou ajuda financeira aos afetados pelos incêndios e nesta terça-feira (14) iniciou o pagamento. Segundo a Secretaria de Serviços Sociais, 1.113 famílias foram cadastradas e receberão o aporte financeiro. No total, o governo vai destinar mais de $ 2,3 bilhões de pesos chilenos, o que equivale a cerca de R$ 14 milhões.
“O Bônus de Recuperação não é para a recuperação da casa em si, mas sim para a recuperação da qualificação habitacional em termos de pertences, móveis, etc. e é disponibilizado gratuitamente”, disse a subsecretária de Serviços Sociais, Francisca Perales.
Além da ajuda financeira, o governo também anunciou a entrega de pelo menos 600 casas de emergência às famílias das regiões mais afetadas nos próximos meses. Tratam-se de pequenas residências montadas de maneira simples e rápida, mas que têm todas as instalações de água, esgoto e elétrica para abrigar uma família.
Essas casas só serão entregues uma vez que os terrenos estejam estabilizados, sem risco de serem atingidos por mais focos de incêndio e limpos de escombros. Para isso, ONGs estão atuando em conjunto com o governo, como a Techo e a Desafío Levantemos Chile, ambas com ampla experiência em catástrofes no país.
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