Morre a jornalista Glória Maria, ícone da TV brasileira. A jornalista estava afastada da programação da Globo desde dezembro. Em janeiro, foi internada no Rio de Janeiro para fazer um tratamento de metástases no cérebro
Morreu no Rio de Janeiro nesta quinta-feira (2) a jornalista Glória Maria, da TV Globo, aos 73 anos. Ela Foi a primeira a entrar ao vivo na história do Jornal Nacional e inaugurou e era da alta definição da televisão brasileira. Mostrou mais de 100 países em suas reportagens e protagonizou momentos inesquecíveis. Até a publicação desse texto, a causa da morte ainda não havia sido informada pelos familiares.
Glória estava afastada da programação da Globo desde dezembro de 2022. Em janeiro deste ano, foi internada às pressas no Rio de Janeiro para fazer um tratamento de metástases no cérebro e no pulmão.
O problema de saúde foi descoberto após a jornalista se sentir mal e realizar uma ressonância magnética. À época, ela foi submetida a uma cirurgia de emergência para a retirada de uma “lesão expansiva cerebral”, no Hospital Copa Star, Rio de Janeiro. O tumor foi “removido totalmente” e a jornalista voltou para casa dias depois.
A notícia da morte de Glória impactou muitos internautas nas primeiras horas da manhã desta quinta-feira. “Que notícia triste! Quanta contribuição para a comunicação ela deixou”, lamentou Marina Fernandes. “O Brasil perde uma grande mulher. Inteligente, forte, corajosa e acima de tudo humana”, publicou outra usuária.
Em nota, a Rede Globo lamentou:
“A jornalista Gloria Maria morreu essa manhã. Em 2019, Gloria foi diagnosticada com um câncer de pulmão, tratado com sucesso com imunoterapia, e metástase no cérebro, tratada cirurgicamente, incialmente também com êxito. Em meados do ano passado, a jornalista iniciou uma nova fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais que, infelizmente, deixou de fazer efeito nos últimos dias. Glória marcou a sua carreira como uma das mais talentosas profissionais do jornalismo brasileiro, deixando um legado de realizações, exemplos e pioneirismos para a Globo e seus profissionais. Glória deixa duas filhas, Laura e Maria”.
Glória Maria e o racismo
Glória Maria falou sobre as diversas situações de racismo a que foi exposta. Em 2019, por exemplo, ela compartilhou uma publicação no Instagram em que dizia ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar Lei Afonso Arinos — primeira norma do país que considerava a discriminação racial contravenção penal, criada na década de 1950.
O fato ocorreu nos anos 1970, quando a jornalista foi impedida por um gerente de entrar pela porta da frente de um hotel no Rio de Janeiro. O fato foi relembrado pela jornalista em junho de 2020, quando a Globo exibiu um programa especial sobre o debate racial.
“Racismo é uma coisa que eu conheço, que eu vivi, desde sempre. E a gente vai aprendendo a se defender da maneira que pode. Eu tenho orgulho de ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo, não como crime, mas como contravenção. Eu fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar, chamei a polícia, e levei esse gerente do hotel aos tribunais. Ele foi expulso do Brasil, mas ele se livrou da acusação pagando uma multa ridícula. Porque o racismo, para muita gente, não vale nada, né? Só para quem sofre”, relatou à época.
Primeira negra a se destacar na TV
Até a década de 1970, os negros eram raríssimos na televisão brasileira. Nas novelas, atores do calibre de Ruth de Souza eram relegados a papéis secundários. No jornalismo, então, o cenário era ainda mais desolador.
Pretos e pardos ainda são sub-representados na nossa TV, mas é inquestionável que suas presenças aumentaram muito nos últimos anos. Nos noticiários, hoje temos figuras de peso como Maju Coutinho, Heraldo Pereira, Aline Midlej, Zileide Silva, Joyce Ribeiro, Flávia Oliveira, Márcio Bonfim, Abel Neto, Adriana Couto e tantos outros. E todos têm uma espécie de dívida com a pioneira Glória Maria.
Natural do bairro carioca de Vila Isabel, ela já era formada em jornalismo pela PUC quando apareceu na tela da Globo pela primeira vez. Mas de uma maneira inusitada: Glória era princesa do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, que se apresentou no programa Discoteca do Chacrinha. O apresentador foi com a cara dela, e a indicou para um estágio na emissora.
Já contratada, Glória Maria fez sua primeira grande reportagem em novembro de 1971, cobrindo o trágico desabamento do elevado Paulo de Frontin. Não demorou para cair nas graças do público. Fez entrevistas históricas nos anos seguintes, de Freddie Mercury, durante o primeiro Rock in Rio, em 1985, ao general João Baptista Figueiredo, o último ditador do regime militar. “Ele não me suportava”, contou ela a Pedro Bial numa entrevista de 2020. “Passei todo o governo Figueiredo ouvindo ‘tira aquela neguinha da Globo daqui’.”
Num Roda Viva exibido em 2022, ela conta que até mesmo suas filhas, adotadas em Salvador em 2009, sofriam ataques racistas no colégio. “Nada blinda uma mulher preta do racismo, nem mesmo a fama”, afirmou.
Mesmo com tantos obstáculos, Glória Maria chegou a ancorar programas importantes como o RJTV (noticiário local do Rio de Janeiro), o Jornal Hoje e o Fantástico, onde permaneceu de 1998 a 2007. Tirou então um período sabático e se afastou do vídeo por dois anos. Retornou apresentando o Globo Repórter, primeiro ao lado de Sérgio Chapelin e, depois, de Sandra Anneberg. Comandou in loco diversos episódios do programa, até ser diagnosticada com câncer no cérebro em 2019. Glória percorreu o mundo fazendo reportagens. Esteve na Palestina, na Nigéria, no sultanato de Brunei e em mais de 100 países.