10 vizinhos da mulher foram ouvidos. "Nunca a vimos de roupa verde-amarela. Ela estava passando por dificuldade financeira e, depois da eleição, começou a frequentar o acampamento porque lá distribuíam comida de graça", relatou uma. "Após algumas semanas ela foi ficando mais envolvida. Eu dizia para ela largar isso, daí ela me falava: 'mas ele [Lula] é ex-presidiário'. Eu respondi 'mas você também é', e ela não gostou muito", contou outra
Hygino Vasconcellos, TAB
Da noite para o dia, Maria de Fátima Mendonça Jacinto de Souza passou a vestir a camiseta do Brasil e a empunhar uma bandeira verde-amarela. Os vizinhos acompanhavam o vai-e-vem da idosa de sua casa em direção ao quartel do Exército, um percurso de 1,2 km feito a pé, em Tubarão (SC). Ela saía de casa por volta das 16h e só voltava à noite.
Inconformada com o resultado das eleições presidenciais de 2022, a catarinense participou dos atos golpistas de 8 de janeiro e viralizou em um vídeo no qual era exaltada: “Dona Fátima, de Tubarão, Santa Catarina, de 67 anos, tá quebrando tudo!”, ao que ela responde: “Vamos para a guerra, vou pegar o Xandão agora!”. Ela acabou presa pela Polícia Federal, no dia 27 de janeiro.
Antes do segundo turno, a vizinhança mal sabia das inclinações políticas de “Dona Fátima de Tubarão”. Dos dez vizinhos ouvidos pela reportagem, a maioria reagiu com surpresa ao vê-la na gravação. Alguns dizem sentir pena da idosa, outros estranharam vê-la naquela situação.
Outros não pouparam palavras. Uma das vizinhas, que preferiu não se identificar, classifica a conterrânea como “ridícula”.
“Dela não dá para se esperar nada”, diz outra, uma idosa de 72 anos, contando que se distanciou “após ver que ela estava indo para o caminho errado”, referindo-se aos antecedentes criminais de Fátima — ela foi condenada por tráfico de drogas, em 2014.
“Dona Fátima” morava no bairro Passagem de Tubarão (SC). A casa dela fica em uma esquina, no final de uma rua asfaltada e pouco movimentada, tanto que é preciso fazer ziguezague para passar entre os carros estacionados. Na quadra onde ela morava apenas uma bandeira do Brasil permanece à mostra no alto de uma casa.
A poucos metros, há uma linha de trem. Por ali passam vagões carregados com carvão em direção ao porto de Imbituba. Também circula um trem turístico de passageiros, que vai de Tubarão a Laguna.
Atrás de um muro alto, a casa parece simples e hoje é ocupada por um filho adotivo, que não estava no endereço nesta quinta-feira (2). Vizinhos contam que, após o vídeo viralizar, Fátima chegou a ser vista lá, mas não permaneceu por muito tempo.
A casa ao lado também pertence a Fátima, mas os cômodos estão alugados há cerca de seis meses para duas mulheres. Na rua é possível alugar quitinetes por R$ 400 a R$ 450, conta a aposentada Adriana Alves, 57, que é dona de uma pensão a poucos metros dali.
Antes das duas inquilinas, antigos locatários faziam “bagunça” na casa, com música alta e gritaria em plena madrugada, segundo relatos. “Ela colocou muita gurizada de rua para dentro”, disse a idosa de 72 anos.
Almoço grátis
Na rua, Fátima é conhecida por fazer de tudo um pouco. Já foi cabeleireira, manicure, cuidadora de crianças — foi chamada de “costureira de mão cheia” por alguns moradores. “Ela se virava”, conta uma comerciante de 63 anos. “Muito trabalhadora”, define outra.
Entretanto, a idosa passava por dificuldades financeiras e andava comprando “fiado” em um mercadinho da rua, contam. Uma vizinha arrisca dizer que Fátima teria participado do acampamento no QG do Exército em Tubarão e foi para Brasília para os atos de 8 de janeiro “por lanche e passagem de graça”.
“Antes das eleições, ela circulava por aqui com roupa normal, nunca vi de verde-amarelo. Nunca soube que ela tinha partido. Mas depois ela foi para lá [para o acampamento] mais para comer de graça porque lá distribuía lanche. Foi só por isso. Ela estava passando por uns perrengues de não ter dinheiro. Como vai comprar comida?”, indaga.
Uma vizinha de 72 anos conta que tentou convencê-la a se conformar com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência. “Eu dizia: ‘Larga disso, guria. Vamos esperar para ver o que dá, vamos colocar fé. Perdeu, perdeu’. Daí ela me falava: ‘Mas ele é ex-presidiário’. E eu disse: ‘Por ex-presidiário para ex-presidiária…’. Ela não gostou muito.”
Antecedentes
Flagrada vendendo crack, Fátima foi condenada em 2014. Na época, policiais militares receberam denúncias de tráfico na casa dela e montaram uma campana.
Às 3h da madrugada, ela saiu e ficou varrendo a calçada e, sem perceber que estava sendo monitorada, disse em voz alta: “Pode vir pra cá”. Na sequência, uma pessoa se aproximou e perguntou: “Tem?”. “Tem”, ela respondeu, e na sequência um adolescente saiu de sua garagem com as pedras. Minutos depois, um carro branco parou na frente da casa e um ocupante perguntou se tinha cocaína para vender. “Não, pó, não”, ela respondeu.
Diante da movimentação, os policiais deixaram o esconderijo e correram para abordar os moradores da casa. Com o adolescente foram encontrados 3,6 gramas de crack e R$ 16. Dentro da casa, os PMs localizaram R$ 218 dentro de uma impressora e R$ 350 num guarda-roupas no quarto da idosa. No processo, Fátima argumentou que usuários de droga “invadiam” sua casa e deixavam entorpecentes no local alugado. Porém, os policiais viram a senhora agir ativamente nas transações.
Ela foi condenada a mais de quatro anos de prisão em regime semiaberto. Após recorrer, a pena foi diminuída para três anos e dez meses em restrições de direitos e prestação de serviços à comunidade.
‘Ela foi na onda’
Apesar dos antecedentes, a maioria dos vizinhos elenca características positivas de Fátima. “É uma pessoa simpática, risonha, alegre e desbocada, de falar palavrão”, conta a comerciante de 63 anos, que reprova a participação da idosa nos atos em Brasília.
“Jamais imaginei que ia fazer uma besteira desse tamanho. Protesto é uma coisa, quebra-quebra é outra”, diz. “Me espantei quando eu a vi na televisão. A coisa começou a ficar séria, né? Fiquei com pena dela, porque ela fez no impulso. Ela foi na onda. É uma Maria vai com as outras.”
Já um vizinho de 35 anos considera que a conterrânea estava “no lugar e na hora errados”. Ele acredita que, ao participar do vídeo, ela foi tentar fazer uma “gracinha”, mas acabou sendo mal interpretada. “Foi sem maldade. Pelo jeito dela espontâneo de brincar, de falar. É uma pessoa muito alegre. Acho que talvez o jeito dela que pecou ali. Não é o jeito dela ser agressiva.”
Outra vizinha diz que ficou sensibilizada com a situação. “Fiquei até meio triste. É uma pessoa de idade, às vezes faz coisas que não quer e depois se arrepende. Acho que a pergunta que todo mundo fez foi: ‘O que essa mulher estava fazendo lá?'”, diz Adriana.
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