Advogado diz que mulher negra "não tem perfil de gerente" e chama funcionárias de padaria de 'faveladas'
Advogado culpou injustamente funcionárias de padaria por feijão derramado no banco do seu carro. Ao saber que a gerente do estabelecimento era uma mulher negra, o homem passou a fazer comentários racistas e depreciativos. Rafael Marconato chegou a atirar marmita em trabalhadora
O advogado Rafael Beutler Marconato está sendo investigado pelo crime de injúria racial após xingar e agredir uma mulher negra que trabalha como gerente de uma padaria em Ribeirão Preto (SP).
Rafael Marconato teria dito que, por ser preta, ela não poderia estar ocupando o cargo de gerência na empresa. O caso aconteceu na tarde do último domingo (26).
Alessandra Silva Biserra, de 38 anos, registrou um boletim de ocorrência (BO) de forma eletrônica na segunda-feira (27). Ela relata que o advogado esteve na padaria na manhã do dia anterior e comprou uma marmita. Cerca de três horas depois, ele retornou ao estabelecimento pedindo ressarcimento ou a troca do produto, pois o pote de feijão vazou e sujou o assento de seu carro. Ele também teria solicitado o pagamento da lavagem do automóvel.
A gerente afirma que verificou imagens de câmeras e constatou que a embalagem foi entregue devidamente lacrada. Portanto, o cliente foi informado que o valor não poderia ser devolvido e ressaltou que o homem ficou sob posse do produto por horas até retornar.
O advogado atirou o pote de feijão contra Alessandra e, segundo consta no BO, pediu para falar com a gerente do estabelecimento, que não poderia ser ela, porque é preta. O gesto foi gravado pelas câmeras de segurança da padaria.
“Eu atendi ele no balcão. Ele pediu feijão para as meninas pegarem e elas foram lá em cima pegar, embalaram para ele e eu entreguei para ele. Ele inclusive perguntou se tinha vinagrete, e eu respondi que não porque geralmente é de sábado por causa da feijoada. Ele disse tudo bem então”, diz Alessandra.
“Ele estava questionando que quando saiu daqui com o produto, ele não estava embalado adequadamente, tanto que derramou no carro dele. Só que se você verificar as imagens, o produto saiu embalado corretamente. O que aconteceu fora daqui eu não sei te explicar”, afirma Alessandra.
O advogado de defesa de Alessandra, César Augusto Moreira, disse que o caso será enviado a uma delegacia especializada e sua cliente deve prestar depoimento nos próximos dias. Ele adiantou que a vítima irá pedir a continuidade da ação. O Ministério Público de São Paulo deverá apresentar uma denúncia contra o investigado para que o caso seja judicializado.
“A gente pensa que nunca vai acontecer com a gente e olha eu aqui, mostrando para o provo que racismo ainda existe. Todas as pessoas que se sentirem ofendidas têm que procurar os direitos delas. Minha raça não quer dizer nada sobre mim. Eu fiz o boletim porque me senti muito ofendida. Poderia ter sido de outra forma”, desabafa Alessandra.
Ofendeu outras funcionárias
Funcionários da padaria dizem que o advogado ofendeu o grupo todo que estava terminando o trabalho. “Ele chegou acabando com todo mundo, falando que a gente era favelado. Ele estava muito alterado. Ele invadiu a padaria e a gente pediu por gentileza para ele se retirar. Ele empurrou outros funcionários que não deixaram ele entrar, mas ele invadiu, com toda aquela agressividade”, conta a operadora de caixa do estabelecimento.
“Abala todas as estruturas. Ela [Alessandra] está de frente, é nossa gerente, ela tem que ser a pessoa que impõe, que cuida de todos os funcionários. Querendo ou não, ele [advogado] humilhou ela na frente de todos”, lamenta outra funcionária.
OAB se manifesta
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Ribeirão Preto (SP) deve apurar a conduta do advogado Rafael Beutler Marconato. De acordo com Leandro César, membro da Comissão de Igualdade da OAB, o caso deve ser analisado pelo Tribunal de Ética e Disciplina da ordem, assim que a defesa de Alessandra formalizar a denúncia.
“Ele [Marconato] vai poder apresentar sua defesa, prestar esclarecimentos e eventualmente poderá ser punido. A punição pode ser desde uma censura até mais grave, como a exclusão. Tudo isso depende do devido processo legal na Comissão de Ética e na Justiça comum”, afirma.
Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo. Com a mudança na legislação, as condutas tipificadas como injúria passam a ser inafiançáveis e imprescritíveis. A pena para quem cometer o crime, até então de 1 a 3 anos de reclusão, pode variar de 2 a 5 anos de prisão.