Bolsonarista é assassinado por amigo durante discussão política no MT
O assassino, que está foragido, precisa ser julgado e condenado. Mas isso não basta. O Brasil tem que punir os responsáveis por disseminar o ódio como instrumento da política - e o principal deles está, por enquanto, em um autoexílio na Flórida
Leonardo Sakamoto*, em seu blog
Valter da Silva, eleitor de Bolsonaro, foi morto a tiros por seu amigo, Edno Borges, apoiador de Lula, durante uma discussão sobre política em um bar, em Jaciara (MT), neste domingo (19). O assassino, que está foragido, precisa ser julgado e condenado. Mas isso não basta. O Brasil tem que punir os responsáveis por disseminar o ódio como instrumento da política – e o principal deles está, por enquanto, em um autoexílio na Flórida.
É ignorância ou má fé afirmar que tanto Lula quanto Bolsonaro são igualmente responsáveis pelo aumento da violência de cunho político. Não são. É terrível dizer isso, mas basta ver o número muito, mas muito maior de mortos e feridos causados pelo bolsonarismo.
Ao invés de condenar a violência e pedir para que seus seguidores e os demais brasileiros desarmassem os espíritos na eleição, Jair Bolsonaro foi no sentido contrário. Excitou tanto seu “exército” que todos vimos onde isso desaguou.
Relembre: “Vamos fuzilar os petistas ou mandá-los para a Venezuela”, diz Bolsonaro
O presidente foi duramente criticado após o assassinato do tesoureiro do PT e guarda civil Marcelo Arruda pelo agente penitenciário bolsonarista Jorge Guaranho, em Foz do Iguaçu (PR), no dia 9 de julho no ano passado. O assassino ficou sabendo da festa de aniversário de temática lulista de Arruda e foi lá provocar. O caso terminou com o petista morto, o bolsonarista preso e Jair tentando tirar o corpo fora.
Mesmo assim, ele defendeu, em comício na praia de Copacabana, no dia 7 de setembro, que era necessário “extirpar da vida pública” adversários políticos da esquerda.
Na mesma noite, Benedito dos Santos, eleitor de Lula, foi morto a golpes de faca e machado por Rafael de Oliveira, apoiador de Bolsonaro, após uma discussão política entre ambos na zona rural de Confresa, também no Mato Grosso, descambar para a briga. O assassino confessou o crime e foi preso.
Santos teria dado um soco em Oliveira e pegado uma faca, mas foi desarmado e correu. Oliveira o perseguiu e passou a golpeou pelas costas. Já caído no chão, foi acertado com facadas no olho, no pescoço e na testa. Depois, ele foi a um barracão buscar um machado para decapitar a vítima, que ainda estava viva, acertando-o no pescoço. Isso não é legítima defesa, mas ódio.
↘ Bolsonaro criou um país que teme por sua vida se falar de política
Em 24 de setembro, Antônio Carlos Silva de Lima foi esfaqueado e morto em um bar em Cascavel (CE) após Edmilson Freire da Silva entrar no estabelecimento, perguntar “quem é eleitor do Lula” e discutir com a vítima, segundo testemunhas.
Ainda em setembro, Davi de Souza foi baleado durante um culto evangélico em Goiânia (GO) pelo policial militar Vitor Lopes, dentro da Congregação Cristã no Brasil. Souza e outras pessoas estavam insatisfeitas com o comportamento do pastor Djalma Faustino, amigo do PM, que pregava aos fiéis não votarem em partidos de esquerda.
Claro que não houve vítimas simpatizantes do PT. Hildor Henker, apoiador de Bolsonaro, foi morto após ser esfaqueado em uma briga de bar em Rio do Sul (SC) por um amigo que defendia o PT. A Polícia Militar disse que o crime ocorreu por motivações políticas e desavenças familiares antigas.
Mortes não pararam com o fim do segundo turno das eleições
Isso sem contar as mortes ocorridas em vários estados após o resultado do segundo turno ser conhecido na noite de 30 de outubro. Como as de Luana Oliveira Barcelos, de apenas 12 anos, e Pedro Henrique Soares, de 28, que estavam celebrando a vitória de Lula em Belo Horizonte (MG) e foram mortos por Ruan Nilton da Luz, que saiu distribuindo ódio.
A polícia encontrou três armas de fogo e 500 munições em sua posse.
A sobreposição dos discursos de lideranças políticas, religiosas e sociais ao longo do tempo, fomentando ódio contra políticos, magistrados, jornalistas, entre outros, distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna a agressão “necessária” para tirar o país do caos e extirpar o “mal”, alimentando a violência. Isso ocorreu com folga no bolsonarismo.
Da mesma forma, a sobreposição de discursos afirmando que crimes como esses não têm relação política acaba por normalizar a violência política, que passa a ser encarada como briga de bêbado na esquina. Com isso, seguidores ajudaram a semear ainda mais sangue em uma eleição que será marcada por tumultos.
Uma pesquisa encomendada ao Datafolha pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), coletada entre 3 a 13 de agosto de 2022, apontou que 67,5% tinham medo de serem agredidos fisicamente pela sua escolha política ou partidária. Ou seja, durante as eleições, sete a cada dez brasileiros temiam apanhar por ter opiniões.
Violência desaguou nos atos golpistas de 8 de janeiro
Durante as eleições de 2014 e o processo de impeachment de Dilma Rousseff, ouvi de muita gente que não tínhamos que nos preocupar com a violência fomentada nas redes sociais porque era “só a internet”. Eu que já agredido na rua em mais de uma ocasião, tentava explicar que não era bem assim.
A percepção coletiva de que a violência on-line transbordava e se tornava off-line veio forte há quatro anos, com os tiros contra a caravana de Lula na região Sul do Brasil, com a facada contra o então candidato Jair Bolsonaro, com a morte do músico Moa do Katendê pelas mãos de um bolsonarista por ter votado em Fernando Haddad.
Mas ela escalou a novos patamares porque o presidente da República estimulou não apenas que a população se armasse, dando os meios para isso através de decretos, mas também que ela usasse a violência em nome de seus objetivos. Ele dizia que era necessário “fuzilar a petralhada”, depois se esquivou afirmando que isso era uma “figura de linguagem”. Não foi o que seu rebanho entendeu.
Bolsonaro plantou na cabeça de seus seguidores que a eleição foi roubada e que as instituições os enganaram, mesmo sem apresentar uma prova.
Com isso, a derrota para Lula deflagrou uma nova onda de violência política. Em Jundiaí (SP), estudantes de uma escola técnica foram agredidos quando o ônibus que os transportava passou em frente a um quartel onde ocorria um ato pró-golpe militar. Após um dos jovens fazer um gesto de “L” pela janela, bolsonaristas subiram no ônibus e agrediram os estudantes, como pode ser visto em vídeo que viralizou nas redes.
Uma criança de sete anos ficou inconsciente e teve que ser atendida em um hospital, em Divinópolis (MG), após um homem apertar o seu pescoço em uma padaria. Segundo a mãe da criança, o responsável é um policial militar reformado e teria se irritado quando o menino respondeu “Lula lá” ao ser questionado se era bolsonarista.
Golpistas provocaram uma confusão durante um espetáculo infantil na Feira do Livro de Porto Alegre, uma das mais tradicionais do país. Pouco antes da peça, os bolsonaristas chutaram as estruturas de ferro do evento e ofenderam quem estava no teatro. A PM teve que usar gás de pimenta para dispersar os bandidos e permitir o início do espetáculo.
Duas irmãs que defendiam Lula e vestiam vermelho foram empurradas e cuspidas por outros colegas em uma escola de elite em Curitiba. E em um grupo de WhatsApp, jovens estudantes da capital paranaense defenderam atirar em petistas e feministas após a derrota de Bolsonaro. Um sugeriu a arma do pai, outros falaram em comprar metralhadora.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, foi xingado por cerca de 20 minutos ao ser reconhecido em um restaurante em Porto Belo (SC) por golpistas que participavam de um bloqueio. Deixou o local para evitar tumultos, mas foi seguido até a residência em que estava hospedado. Quando a situação ameaçou fugir do controle, teve que ir embora.
No dia 12 de dezembro, bolsonaristas queimaram carros e ônibus em Brasília. Em 24 de dezembro, plantaram uma bomba em um caminhão de combustível com o intuito de explodir o aeroporto da capital. Em 8 de janeiro, golpistas de todo o Brasil invadiram, vandalizaram e roubaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Agora, os defensores do golpe militar na Câmara e no Senado querem montar uma CPMI do 8 de janeiro para tentarem vender a ideia de que os golpistas são heróis e que os atos terroristas foram uma mentira.
A reconstrução de laços de uma sociedade dividida é fundamental para que possamos reerguer o país no pós-Bolsonaro, mas a pacificação dos ânimos não significa ignorar crimes cometidos em nome da inconformidade com os resultados eleitorais.
Como já disse aqui, nem sempre a violência partiu de bolsonaristas, como o caso do carro que atropelou de forma criminosa pessoas que estavam em um bloqueio golpista em Mirassol (SP), e que também merece a punição prevista em lei. Mas a principal fonte da violência nesta eleição foi o bolsonarismo, que coloca o justiciamento miliciano acima da Justiça, pregando que se o mundo não funciona do jeito que eles esperavam, o mundo tem que levar porrada até se corrigir. No limite, o mundo que morra.
*Leonardo Moretti Sakamoto é um premiado jornalista brasileiro. Além da graduação em jornalismo, possui mestrado e doutorado em ciência política pela Universidade de São Paulo.