Bolsonaro sabe que é o próximo na fila
Bolsonaro tenta ser um fenômeno político único no mundo. Perde a eleição, perde imunidades, é acossado por uma dúzia de acusações com tramitação formal na Justiça, e agrega ao currículo o caso das joias das arábias
Moisés Mendes*, em seu blog
Jair Bolsonaro precisa voltar ao Brasil para não morrer de tédio em Orlando, onde completa no fim de março três meses de acampamento.
Ninguém com alguma relevância política o visitou nesse tempo todo. Deve ser cada vez mais difícil conviver da manhã à noite dentro de casa com o mesmo grupo de seguranças.
Voltar ao Brasil no dia 30 será o gesto pessoal de alguém em sofrimento, antes de ser parte de um plano com algum sentido político.
Que sentido político explícito ou sugerido Bolsonaro daria ao seu retorno em meio às incertezas sobre o que o esperam depois da fuga com as joias?
Pode tentar testar sua popularidade e percorrer o Brasil em motociatas e grandes reuniões? Ou irá apenas fechar-se em casa e recolher impressões do PL e do centrão sobre o ambiente e os humores ao redor?
Não é pouca coisa o dilema de Bolsonaro
Se voltar e agir ostensivamente, mobilizando as bases, suas ações serão percebidas como afronta ao TSE, às vésperas da provável inelegibilidade.
Se ficar em casa apenas conchavando, essa mesma base poderá considerá-lo vacilante. Foi como parte do bolsonarismo percebeu seu veraneio em Orlando.
Se for intenso, Bolsonaro pode se quebrar com o Judiciário. Se for covarde, não terá como medir uma provável reação política e deixar o TSE inseguro.
Bolsonaro tenta ser um fenômeno político único no mundo. Perde a eleição, perde imunidades, é acossado por uma dúzia de acusações com tramitação formal na Justiça, e agrega ao currículo o caso das joias das arábias.
Três meses depois da fuga, pode testar, na volta, a sua sobrevivência política. Mas sabe que poderá fracassar até como puxador de comboio de motos.
Na Argentina, Maurício Macri tentou, mas desistiu de voltar ao jogo. Não será candidato na eleição à presidência em outubro. Aparecia em sexto lugar nas pesquisas, com 6% a 8%.
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Donald Trump ainda esperneia, também tentando pôr à prova sua popularidade e a capacidade de reação dos homens com guampas, mas deve ser contido pela Justiça. Já está sendo descartado por parte da direita americana.
Em Israel, Benjamin Netanyahu retornou ao poder, mas foi longe demais, tentou amordaçar o Judiciário, enfrentou a fúria das ruas, recuou e só não cai se desistir do golpe.
Na sempre lembrada Bolívia, em estado permanente de golpe, Luís Fernando Camacho, chefe civil do motim da polícia que derrubou Evo Morales em 2019, está preso desde o final de dezembro e nada de grave aconteceu.
Líderes e ex-líderes da direita e da extrema direita, com alguma expressão, estão em sofrimento. Analistas esforçados tentam achar uma grande explicação que sirva para a maioria da desgraceira dessa gente, mas não há nada muito convincente à mão.
Até porque, no caso argentino, Macri morre politicamente, mas o deputado liberal-extremista Javier Milei, um fenômeno mais recente, lidera com folga as pesquisas à presidência.
O Brasil tem muitos Mileis prontos para ocupar o lugar do acampado da Flórida, de Sergio Moro a Michelle, de Hamilton Mourão a Tarcísio de Freitas. E tem ainda Romeu Zema, Simone Tebet e outros que podem surgir mais adiante.
Bolsonaro pode virar um Macri, mesmo que eles não sejam similares. O fascista brasileiro é um ser híbrido, uma aberração verde-amarela única num ambiente em que o imponderável é o que mais se renova.
Bolsonaro foi eleito pelo imponderável em 2018 e tenta sobreviver até à maldição do cavalo dourado das arábias que teve três pernas quebradas. Mas ele sabe que é o próximo na fila.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)
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