Brasileira denuncia racismo em Portugal: “Meu filho foi chamado de ‘macaco’ e deram um mata-leão nele”
Portugal: Menino faz acompanhamento psicológico pois já foi vítima de racismo e xenofobia várias vezes, desde a época em que frequentava creche. Mãe reclama da naturalização do racismo na escola e em vários ambientes: "Aqui, nós que somos negros, imigrantes, vivemos com essa realidade"
via Crescer
Natural de Minas Gerais, Miriam Gomes mora em Portugal há 16 anos. Seu filho, Miguel Felipe, 14, já nasceu no país europeu. Miguel é vítima de episódios de racismo e xenofobia desde que frequentava a creche. “Por aqui, é uma realidade com a qual somos obrigados a lidar”, explicou.
Desta vez, porém, a situação foi além das palavras e Miguel foi violentamente agredido. Um estudante chegou a dar um “mata-leão” (estrangulamento) no filho de Miriam. A mãe precisou levá-lo ao hospital, onde ele ficou imobilizado, com um colar cervical, em observação por duas horas. “Foi a gota d’água”, disse ela, que mora em uma cidade chamada Grândola, perto de Setúbal.
O episódio aconteceu no último dia 23 de fevereiro. “No intervalo das aulas, ele estava brincando com os amigos de ‘chão é lava’, em que um grita ‘o chão é lava’ e todos têm que sair do chão”, conta Miriam.
Miguel e um outro amigo subiram em uma árvore. “Então, esse outro menino veio e começou a chamar meu filho de ‘macaco’. O Miguel pediu para ele parar e reforçou que não gostava desse tipo de brincadeira, mas a outra criança não parou. O Miguel desceu da árvore e o menino deu um mata-leão nele”, relata a mãe. Um quarto menino tirou o agressor de cima de Miguel e ele conseguiu escapar.
Nervoso, Miguel ligou para a mãe, mas mal conseguia falar. Um amigo que estava junto dele, então, pegou o celular e explicou para Miriam: “Tia, um menino bateu no Miguel e o enforcou”. Miriam, na mesma hora, foi até a escola, mas foi barrada na portaria.
Mais tarde, conseguiu conversar com uma das funcionárias, que disse que a escola avisaria à polícia escolar local sobre o que tinha acontecido, para que fosse aberto um inquérito com um processo disciplinar contra a criança agressora. Depois, essa mesma funcionária orientou a mãe a levar o garoto para o hospital porque ele estava com dor, mas não sabia explicar direito o que sentia.
Ela, então, foi buscar atendimento médico. “Na sala de triagem, já o imobilizaram porque o menino tinha apertado o pescoço dele até ‘estalar’ duas vezes. Ele colocou o colar cervical e ficou em observação durante duas horas. O raio-x, felizmente, não apontou nada, foi uma luxação muscular”, conta a mãe. Ele foi liberado, mas a revolta da mãe ficou.
Como já sofreu com racismo em episódios anteriores, um na creche e outro no futebol [pouco mais de um mês antes da agressão atual, um menino disse a Miguel que o pai dele ‘era preto igual ao chinelo que ele estava usando’], o menino faz atendimento psicológico há meses.
“A psicóloga o estimula a colocar o sentimento para fora porque ele é muito retraído, na dele, calado”, afirma Miriam. “Eu falo que ele tem todo o direito de ficar com raiva, chateado, chorar. Só não pode deixar virar mágoa e ir para o coração porque isso faz mal para ele.”, conta.
No hospital, quando estava na maca, imobilizado, Miriam disse que o filho podia desabafar. “Nunca vou esquecer as palavras dele naquele momento. Ele chorou e falou: ‘Mãe, eu não fiz nada com o menino. Por que ele fez isso comigo? Eu estava brincando com os meus amigos. Isso dói, está doendo”.
“Faço questão de abraçá-lo sempre e de dizer que ele é o amor da minha vida. Sempre digo que se o chamarem de ‘preto’, de ‘macaco’, vai doer, porque, aqui, nós, que somos negros, imigrantes, vivemos com essa realidade. Mas reforço que isso não vai matá-lo e que ele é honesto e amado, independente da raça, da cor, do sotaque, de os pais serem brasileiros”, explica.
“Aqui é nítido. Eles falam assim: ‘aquele rapaz de cor’. Sempre digo para o Miguel que se alguém o chamar de ‘rapaz de cor’, ele tem que se impor e dizer: ‘Não sou um rapaz de cor. Eu tenho nome. Eu sou o Miguel’”, diz a mãe, que trabalha como caseira e tem outros dois filhos, Arthur, 8 anos, e Esther, 2.
No dia seguinte à agressão, Miriam foi à polícia e eles afirmaram que ninguém da escola tinha entrado em contato — embora a equipe da escola tivesse assegurado que o faria. Agora, a mãe luta para que os responsáveis sejam punidos e para que a escola assuma responsabilidade pelo que aconteceu.
O menino que agrediu Miguel voltou para a escola na segunda-feira (27/2) e o Miguel na quarta-feira (1/3). “Até agora, ninguém nos procurou e nem falou nada”, diz a mãe. “Mas eu não vou me calar, quero justiça. Vou continuar mostrando para o meu filho que eu sei lutar, independente de ser brasileira, ser negra”.