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“Decepção” de Paulo Coelho mostra como a noção de tempo foi alterada pelo atual estado de urgência

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Paulo Coelho provavelmente nunca escreveu um livro em menos de 90 dias, mas não esperou três meses para jogar a toalha das expectativas em relação ao governo Lula. Com pressa, o escritor não é o primeiro que ameaça apertar o botão da desistência. Mas não está cedo para tanto desconforto? A resposta é complexa

(Imagem: Getty)

Matheus Pichonelli, TAB

Paulo Coelho provavelmente nunca escreveu um livro em menos de 90 dias, mas não esperou três meses para jogar a toalha das expectativas em relação ao governo Lula (PT), para quem fez campanha na disputa contra Jair Bolsonaro (PL), em 2022.

A seus mais de 15 milhões de seguidores no Twitter ele escreveu que o novo mandato do petista “está patético”.

Cuidou, é verdade, de usar o presente do indicativo. Com mais de 320 milhões de livros vendidos, Paulo Coelho sabe a diferença entre “ser” e “estar” — e deixava entreaberta a possibilidade de mudança. Do governo e de sua avaliação.

Para o autor de “O Alquimista”, Lula pecou ao “cair na trampa” do senador Sergio Moro (União Brasil-PR), a quem chamou de “ex-juiz desqualificado”, e por se mostrar incapaz de “resolver problema do BC”, em referência à guerra declarada contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Eram razões suficientes para Paulo Coelho dizer que não devia ter se empenhado como se empenhou na campanha do petista. “Perdi leitores (faz parte) mas não estou vendo meu voto ter valido a pena.”

O tuíte, que teve grande alcance e provocou debates até aqui respeitosos, com intelectuais e influencers, mostra como a noção de tempo foi alterada pelo estado de urgência da contemporaneidade.

Quem votou em Lula votou com a esperança de que um novo dia de um novo tempo se iniciasse tão logo ele subiu a rampa do Palácio do Planalto acompanhado por representantes das populações mais escrachadas por Bolsonaro em sua gestão. A começar pelos povos indígenas, a quem Lula estendeu a mão em seus primeiros dias como presidente, denunciando e travando o extermínio contra milhares de yanomamis impactados pelo garimpo em Roraima.

Com pressa, Paulo Coelho não é o primeiro que ameaça apertar o botão da desistência, embora o livro sobre o novo Lula 3 seja uma obra em fase de rascunho.

Agentes do mercado, que viram em Lula uma perspectiva menos desastrosa do que os anos de beligerância sob Bolsonaro, já dão sinais de impaciência desde o primeiro dia. E aliados, como o senador Cid Gomes (PDT), já fazem alertas sem meias palavras sobre as chances de Lula ser levado para o “buraco” se fizer o jogo do centrão. Um dos alvos escolhidos foi o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Dias antes o ex-governador do Paraná Roberto Requião (PT) já havia mandado recados ainda mais duros.

Mas não está cedo para tanto desconforto?

A resposta é complexa.

Em condições normais de pressão e temperatura, 90 dias seriam um nada para as estruturas do edifício começarem a se assentar. Mas a dinâmica das comunicações em rede transforma esses passos iniciais em uma eternidade — ao menos para quem esperava alguns sinais definitivos de que daqui para frente tudo será diferente.

O “nem tudo” é que são elas.

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No latifúndio político da distância entre expectativa e realpolitik, eleitores de Lula convictos e outros nem tanto se surpreendem com a resiliência de impasses que não se resolveram por pensamento mágico ou boa vontade quando Bolsonaro pegou o avião e se mandou para os EUA.

Muita gente apostava (eu inclusive) que o ex-presidente estava condenado à irrelevância a partir de então. E que o próprio corpo político, não apenas as alas progressistas da conversa, já teriam a essa hora chegado a um consenso sobre os riscos e perigos à própria sobrevivência representados pela máquina bolsonarista ora adormecida. Sobretudo após o 8 de janeiro.

Mas Bolsonaro e sua família seguem recebendo atenção até mesmo quando alguém do clã espirra. Como participantes de um reality show, seus passos, palavras e até figurinos são acompanhados com interesse e repercussão.

Hoje a curiosidade gira em torno da data em que o ex-presidente voltará ao Brasil. Em breve será sobre o que ele pensa em relação a vacinas e doenças sexualmente transmissíveis.

É que não só a viabilidade eleitoral de Bolsonaro como também as condições que o levaram ao poder seguem pairando como alma penada em cada pacto mal formulado da sociedade brasileira.

O ambiente de crise institucional não saiu de cena sem seu agente do caos por perto.

Prova disso é que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), travam neste momento uma briga fratricida em torno dos ritos das medidas provisórias, suspendendo a análise de projetos-chave do governo, que segue refém de criadores de instabilidade no atacado. São os mesmos que vendem facilidades no varejo.

Sob Lula, o centrão não dança no miudinho como esperavam os apoiadores do atual presidente. Pelo contrário: dá as cartas e emplaca aliados em postos-chave.

Na peleja, chama atenção o engajamento de Pacheco, reeleito presidente do Senado com o apoio de Lula, para emplacar mudanças no rito do impeachment de autoridades. Parece (e é?) uma vacina contra eventuais tentações golpistas que habitam do outro lado da rua.

Nos primeiros dias de mandato, Lula descobriu que não há versão paz e amor nem promessa de pacificação com juros a 13,75% ao ano administrados pela autoridade monetária escolhida a dedo pelo seu antecessor. A briga entre o Planalto e o Banco Central, que muitos leram como um atentado contra a autonomia da instituição, é só um indício de que a temperatura seguirá elevada por muito tempo — ao menos até a próxima ata do Copom.

Da mesma forma, a relação de Lula com as igrejas evangélicas não foi pacificada depois de sua eleição, como muitos apostavam. A hesitação inicial entre apoiar ou não o presidente a quem pintaram como o diabo ficou no passado: o que não faltam hoje no Brasil são pastores pintados para a guerra santa.

Lula assumiu o governo com margem estreita de votos e sabe que não pode errar. A briga desnecessária com Sergio Moro (e com os fatos, ao dizer que o ex-juiz armou um plano para se dizer vítima de facções criminosas) instigou opositores e desagradou eleitores como Paulo Coelho. São eleitores que, ansiosos e cansados de ouvir “faz o L” a qualquer tropeço, esperavam do presidente um pouco mais de habilidade a essa altura do campeonato.

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