A ciência descobriu que existem redes de neurônios dos intestinos. Não é de se estranhar que os enfezados tenham aumentado em número e em grau
Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político
Viver no tempo dos enfezados é estranho e bizarro.
A sensibilidade atual é causa de intolerância e seriedade excessiva. As pessoas têm à disposição mecanismos para ampliar a sensibilidade e ao mesmo tempo para arremessar sobre o próximo que ousa perturbar seu equilíbrio precário.
Todo mundo anda ou pisando em ovos ou atirando pedras jurídicas em seus semelhantes. Uma palavra é suficiente para destruir a paz.
A ciência descobriu que existem redes de neurônios dos intestinos. Não é de se estranhar que os enfezados tenham aumentado em número e em grau.
Certamente pensam em meio a muita merda. Daí que a intolerância acompanha o pensamento. Pensar se tornou um ato de guerra.
Em algumas culturas, é bem verdade, o cérebro está nos intestinos. Na antiga China a barriga pronunciada era sinônimo de inteligência e sabedoria. Entre os aborígenes australianos a barriga guarda os segredos auráticos.
Não se engane, os chineses dentre outros, sabiam o que só agora os cientistas estão a descobrir.
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Uma das redes de neurônios mais vastas e importantes do corpo é o sistema nervoso entérico, que se aloja justamente na barriga.
O que nos convida a refletir sobre a natureza do pensamento. Se considerarmos a trajetória individualista na modernidade, certamente devemos reconhecer que a degradação dos últimos quinhentos anos, moral, ambiental, científica, educacional e desrespeitosa com todas as outras formas de vida têm muito a ver com essa rede neuronial entérica. A soberania humana ancorada na razão só fez merda.
Infelizmente, o termo enfezado tem outra origem. À época da escravidão, as cidades mais urbanizadas como o Rio de Janeiro ou Salvador, com grande população escrava e que ficaram conhecidas como cidades negras, não tinham rede de esgotos.
Nas casas, o uso de urinóis substituía a ausência de banheiros, que só no final do século XIX começariam timidamente a compor as casas mais chiques. O conteúdo dos urinóis era esvaziado cotidianamente.
Os coletores desses vasos eram conhecidos como escravos tigres. Passavam anunciando as descargas, carregando sobre as cabeças os tonéis onde os moradores iam despejando suas merdas.
Todavia, antes do descarte no mar, o conteúdo extravasava e se derramava sobre as cabeças e os corpos dos escravos, que iam seneo manchados de excrementos, parecendo as listras dos tigres.
E quando mais transbordava o conteúdo, mais enfezados ficavam os tigres.
Hoje, a sensibilidade excessiva dos militantes os faz reviver esses enfezamentos. Escorrem sobre a pele as fezes da ignorância e do despudor mais indigente.
*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor
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