Moisés Mendes*, em seu blog
Alguns nomes de expressão do bolsonarismo, que atuavam no entorno do governo, sem mandatos e sem crachá de político, recolheram armas desde o 8 de janeiro. Mas só para efeito de exposição pública.
Militantes e operadores de ponta da extrema direita, com dinheiro e poder na estrutura fascista, recuaram estrategicamente.
Uns poucos chegaram a erguer bandeira branca e pedir trégua sem constrangimentos. Houve até quem mandasse flores virtuais para Lula.
Mas a máquina mais agressiva do bolsonarismo, que deu shows na posse de Lula e no 8 de janeiro, pode não ter sido desmontada. Está apenas inativa para grandes espetáculos.
É um recuo natural em consequência da imprevisibilidade dos desdobramentos das ações de Alexandre de Moraes para conter manés que viraram patriotas e patriotas que viraram terroristas.
As esquerdas não precisam de um setor formalmente organizado de inteligência para saber que o fascismo age atrás do palco e reagrupa tropas que se dispersaram um pouco em Brasília e nas grandes capitais.
E não precisa de arapongas para obter informações sobre o ativismo virtual e real do bolsonarismo na vida cotidiana das pequenas e médias cidades.
Não se trata de supor o óbvio, que a extrema direita continua organizada e hegemônica no Brasil profundo da bandidagem, do latifúndio predador e da grilagem.
Nem no Brasil do agro pop ou dos vinhos produzidos por trabalho escravo em redutos tomados pelos maus modos do capitalismo escravocrata.
Não busquem fascismo organizado onde ele não se desorganiza. Procurem em ambientes em que o ativismo dessa turma pode parecer difícil no momento.
Quem tem contato mínimo com o Brasil das paróquias sabe que o bolsonarismo continua ostensivo, com laços de convivência ativos e até revitalizados.
O que a agência MAP captou em fevereiro, em análise de perfis de direita e esquerda nas redes sociais, é a realidade observada com método.
A MAP mostra que as redes sociais são a prova da resiliência do bolsonarismo, apesar das adversidades. E, no caminho inverso, revela acomodação e desmobilização das esquerdas desde as eleições.
Os perfis considerados de direita tiveram em fevereiro 30,7% dos engajamentos (interações com os espaços) do total das redes e 87% deles se apresentaram como bolsonaristas. Bolsonaro ficou com 41,9% de aprovação.
Os perfis assumidamente de esquerda tiveram 13% de participação no total, e Lula teve aprovação em 54% dos comentários. Lula tem boa aprovação, mas com redução de engajamento das esquerdas nas redes.
É como se, passada a eleição e com o desmonte dos acampamentos e a prisão de terroristas, as esquerdas tivessem ido tirar uma sesta. Enquanto a direita atordoada se mantém acordada.
Esses dados podem se alterar com as sequelas das notícias sobre as joias das arábias de Michelle (que está bem nas redes sociais) e o que ainda deve aparecer?
Não parece ser esse o tipo de informação que abale o bolsonarismo. A pesquisa MAP indica mais do que resistência. É a reversão de humores, depois das invertidas de janeiro.
A quem pergunta por mais indícios do reagrupamento da direita, o melhor conselho é o da política do século 20: vá a campo conferir ou converse mais com o Brasil real.
A direita pode estar com maior ânimo para daqui a pouco fazer movimentos mais fortes na montagem de um cenário que se avizinha, o da campanha eleitoral para as eleições municipais.
O Brasil interiorano já está com cabeça na eleição de 2024. A política vai retomar a fervura, quando teremos uma ideia do tamanho do bolsonarismo após o abalo da derrota do ano passado e do fracasso do golpe.
Qual é o nível de fidelidade bolsonarista dentro da direita em cidades que talvez não tenham tempo nem vontade de encontrar soluções fora do que existe desde 2018?
O interior bolsonarista levanta-se e anda e aguarda o desfecho da possível inelegibilidade de Bolsonaro para saber se ele e/ou Michelle continuarão vivos, considerando-se o que ainda pode aparecer nas caixas de joias das arábias.
A extrema direita vive e pode, mesmo que redimensionada e reformatada, ter forças para caminhar sem Bolsonaro.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)
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