Jovem que cheirou pimenta "não voltará às atividades normais", diz médico
Thaís Medeiros de Oliveira: Durante o almoço, jovem levou ao nariz um pote de pimenta em conserva e, pouco tempo depois, sofreu uma parada cardiorrespiratória, teve um edema cerebral e foi internada em estado grave. Apesar dos prognósticos médicos, mãe diz que seguirá lutando pela recuperação total da filha
Thaís Medeiros de Oliveira, de 25 anos, está internada em estado grave desde o dia 17 de fevereiro na Santa Casa de Anápolis (GO). A jovem teve uma forte reação alérgica após sentir o cheiro de uma pimenta.
Os médicos acham que o contato da jovem com a pimenta foi um gatilho para ela desencadear uma crise de asma grave, fazendo com que Thaís não conseguisse respirar normalmente. Isso levou à baixa circulação de oxigênio para o cérebro e o coração, o que provocou uma parada cardiorrespiratória na jovem.
Thais passou mal enquanto almoçava na casa do namorado, e chegou a ficar mais de 20 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ela cheirou um vidro de pimenta em conserva. “Ela chegou já intubada. A gente pode dizer que foi um tempo importante [de receber atendimento médico], porque a situação clínica atual dela mostra, pela dificuldade de oxigenação do cérebro, que ela está ainda com um quadro neurológico bem comprometido”, diz o médico Murilo Carlos Santana.
Segundo a Santa Casa de Anápolis, a jovem teve um edema cerebral. O namorado informou pelas redes sociais que a jovem deixou a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na última sexta-feira (10), reafirmou que Thais não corre risco de morte encefálica e que ela apresenta poucos estímulos.
“A gente espera uma lesão neurológica grave. Pode ter uma recuperação, mas a gente acredita que voltar às atividades habituais, normais dela, isso, infelizmente, não”, afirma Rubens Dias, chefe da UTI da Santa Casa.
A mãe da jovem desabafou sobre não perder a esperança na recuperação da filha e contou sobre as crises alérgicas recorrentes que a jovem tinha. “Quando fui ao hospital ela esforçou muito, abriu os olhos e apertou minha mão. Falei: – Thais, volta para a mamãe, e a lágrima dela desceu. Eu não tenho o que fazer, é rezar e ter confiança no pai. Eu quero a minha menina de volta. Não vou desistir dela”, disse Adriana Medeiros.
Adriana conta que a filha tinha bronquite e asma e sofria com crises alérgicas, inclusive, chegando a ficar cinco dias internada com uma bactéria no pulmão.
“A Thaís contraiu asma e bronquite no final da gravidez dela, desde então, eu venho lutando com ela. Ela tem alergia a muita coisa, só que a gente ainda não sabia. A gente ia começar um tratamento com ela no Hospital das Clínicas em Goiânia, mas, por motivo financeiro, não conseguimos continuar. Ela disse: – não, mãe, depois a gente faz”, conta a mãe.
Adriana explica que as crises de Thais começaram com falta de ar, tosse, pulmão cheio e empolava o corpo, porém, ela nunca havia registrado reação à pimenta, o que causou espanto para todos. “Ela comia pimenta em casa, tínhamos costume de comer, e nunca teve problema. Como ela já estava com falta de ar, cheirou a pimenta e fechou a glote”.
O que diz a Ciência
O caso de Thais é bastante raro na medicina. Segundo a Santa Casa de Anápolis, houve melhora de suas condições respiratórias e infecciosas, em sua pressão arterial e no quadro do edema cerebral, que é o acúmulo de líquido na região.
“Infelizmente ela foi vítima de uma combinação de vários fatores que levaram a um quadro de crise asmática grave“, diz Helton Santiago, professor de Imunologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ele diz que a reação a um alérgeno (a substância que desencadeia o processo alérgico) muitas vezes se manifesta de forma intensa logo na primeira reação. “Nesse caso, há a possibilidade de ela ter desenvolvido alergia à pimenta sem saber, o que é raro de acontecer, ou de possuir alergia a outra substância que tenha reatividade cruzada contra algum componente da pimenta”.
Reatividade cruzada ocorre quando o sistema imunológico do corpo interpreta as proteínas de duas substâncias diferentes como semelhantes e desencadeia a reação que aparece na forma dos sintomas alérgicos. Ou seja, existe até a possibilidade de que Thais não seja especificamente alérgica a pimenta.
Um estudo publicado no ano passado por cientistas de instituições da França e do Japão analisou o caso de uma paciente japonesa de 16 anos alérgica a pólen e frutas e que sofreu uma reação anafilática — estado de choque no corpo que causa sintomas severos e potencialmente mortais — após consumir pimenta.
O que desencadeou o quadro grave de Thais foi uma conserva de pimenta bode (Capsicum chinense), popular no Centro-Oeste do país e bastante presente em pratos goianos.
Claudia Silva, técnica do Embrapa, diz que essa variedade tem ardência considerável e estima um patamar entre 120 mil e 190 mil na escala Scoville (que varia de 2 mil a 2 milhões).
A sensação de ardor nas pimentas, que pode evoluir para tosse, espirro e lágrimas, é provocado pela capsaicina, o principal componente da planta. “A capsaicina pode sensibilizar receptores no epitélio nasal e gerar irritação”, afirma Danielle de Lima Ávila, nutricionista e doutora em Bioquímica pela UFMG.
Helton Santiago diz que a substância tem a capacidade de se ligar em determinados receptores dos mastócitos, células imunológicas responsáveis por estimular as manifestações clínicas da alergia.
“Dessa forma, se uma pessoa inalar pimenta, mesmo que não seja alérgica, pode apresentar sintomas parecidos com asma. Se a exposição for intensa, mesmo o consumo oral ou inalação podem desencadear uma reação tão forte que parece ser o de um quadro anafilático”, explica o professor de imunologia.
Mas ele chama atenção especial para os perigos da asma. Um brasileiro morre por asma a cada 4 horas aproximadamente, de acordo com dados do Ministério da Saúde de 2018 a 2020. “Vale lembrar que asma é uma doença séria e que apresenta uma mortalidade significativa no mundo. Portanto, uma pessoa asmática deve fazer um acompanhamento adequado do seu quadro com um pneumologista ou um alergista”, diz Santiago.