Ministros Fernando Haddad e Simone Tebet anunciaram o mecanismo de funcionamento da nova âncora fiscal. A regra proposta pelo governo torna o limite de gastos mais flexível, atrelado à receita, e abre exceção orçamentária para o atendimento do piso salarial da enfermagem, emperrado no Judiciário e no Executivo
Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) anunciaram o mecanismo de funcionamento da nova âncora fiscal. A nova regra proposta pelo governo torna o limite de gastos mais flexível, atrelado à receita. Além disso, abre exceção orçamentária para o atendimento do piso salarial da enfermagem, emperrado no Judiciário e no Executivo. Para o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o novo arcabouço fiscal deverá tornar possível a implementação do piso salarial da categoria.
A criação do piso salarial da enfermagem foi definida na forma de lei e de emenda constitucional em 2022. A implementação, porém, ainda enfrenta obstáculos. No mesmo ano de sua criação, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão do piso. Pelas normas do teto de gastos, o piso só teria validade a partir do momento em que o governo editasse uma medida provisória especificando sua fonte de recursos.
O governo anterior não avançou nessa questão. Depois de eleito, Lula se comprometeu a resolver a situação, mas seu governo segue negociando com a categoria, sem encontrar espaço no orçamento da União para encaixar os gastos para o pagamento dos valores, estimado em cerca de R$ 16 bilhões considerando os gastos da saúde federal e também os repasses aos estados e municípios.
Em sua proposta de nova âncora fiscal, que servirá para substituir o atual teto de gastos, Haddad afirmou que, com a possibilidade de construção de um orçamento mais flexível, o governo poderá eliminar as exceções existentes na política fiscal, mantendo apenas as excepcionalidades previstas na Constituição. Estas são justamente o piso salarial da enfermagem e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Daniel Menezes, porta-voz do Cofen, afirma que a expectativa do Cofen é que, uma vez aprovada, a nova regra fiscal dará condições para que o governo consiga dar efeito ao piso salarial. “Esperamos que a medida provisória seja assinada com brevidade, pois esse ponto provavelmente era um dos que estava pendente de análise para a assinatura”, afirmou.
Apesar da esperança, Menezes conta que o conselho seguirá negociando com ou sem a nova regra fiscal. Ele afirma que a expectativa do órgão é de receber no dia 11 de abril a primeira versão da minuta do governo com a destinação de recursos para implementação do piso salarial.
Na Câmara dos Deputados, o líder da Frente Parlamentar da Enfermagem, Célio Studart (PSD-CE), conta que compartilha da expectativa do Cofen de que a nova regra fiscal possa destravar o piso no judiciário. “Uma boa notícia para a enfermagem. É extremamente importante que o piso salarial seja preservado e realmente priorizado. Espero que muito em breve possamos ver publicada a medida provisória para que o STF revogue a suspensão. O mais importante é ver, o quanto antes, esse dinheiro nos contracheques desses profissionais”, declarou.
Fabiano Contarato (PT-ES), líder do PT no Senado e autor do projeto de lei que deu origem ao piso salarial da enfermagem, também espera o efeito judicial do arcabouço fiscal.
“Certamente o arcabouço afasta em grande medida as preocupações apontadas pelo STF na liminar que suspendeu a aplicação do piso da enfermagem e abre caminho para publicação da medida provisória que permitirá o pagamento do merecido piso a essa importante classe de trabalhadores e trabalhadoras”.
“Certamente o arcabouço afasta em grande medida as preocupações apontadas pelo STF na liminar que suspendeu a aplicação do piso da enfermagem e abre caminho para publicação da medida provisória que permitirá o pagamento do merecido piso a essa importante classe de trabalhadores e trabalhadoras”.
ENTENDA A NOVA REGRA FISCAL
O novo marco estabelece uma relação entre a despesa e a receita. Ele fixa o limite de crescimento dos gastos a 70% da variação da receita primária nos 12 meses anteriores (com fechamento em julho). Por exemplo: se o total arrecadado for de 1.000 reais, o governo poderá subir suas despesas em no máximo 700 reais.
A proposta também cria uma banda, ou seja, um intervalo para a meta de resultado primário das contas públicas – trata-se da diferença entre o que o governo arrecada e o que ele gasta, excluindo o pagamento de juros da dívida pública.
A fim de facilitar a compreensão, é possível promover uma comparação com a inflação. O País tem uma meta para o IPCA, mas indica também um certo nível de tolerância para mais (o teto) ou para menos (o piso). No caso da regra fiscal, a banda prevê crescimento real da despesa (ou seja, acima da inflação) entre 0,6% (piso) e 2,5% (teto) ao ano.
Há um gatilho considerado importante pelo governo: se o resultado primário das contas ficar acima do teto da banda, a parte excedente poderá ser utilizada para aumentar os investimentos. A recíproca, porém, está presente: se o resultado primário ficar abaixo do intervalo estipulado, as receitas só poderão crescer até 50% da receita no exercício seguinte.
Esse é o principal ponto do aspecto considerado pelo governo como anticíclico, ou seja, voltado a não sufocar os investimentos durante um período de aperto econômico, o que poderia gerar uma bola de neve.
Um dos objetivos da gestão Lula com o novo arcabouço é zerar o déficit das contas públicas em 2024, transformá-lo em superávit de 0,5% do PIB em 2025 e gerar um superávit de 1% em 2026, último ano do mandato. Se a proposta for bem-sucedida, o governo espera estabilizar a dívida pública em no máximo 77,3% do PIB. Não se trata, porém, de definir uma meta para a dívida, algo que parte do “mercado” defendia.
Quando Lula tomou posse, o déficit nas contas públicas previsto para 2023 era de 231,5 bilhões de reais. Com uma série de medidas adotadas pela Fazenda – a exemplo da reoneração de combustíveis -, a expectativa é de que o rombo fique em cerca de 100 bilhões de reais.
“O teto de gastos está sendo substituído por uma regra que procura sanar o que identificamos como deficiência das regras usadas até aqui”, disse Haddad nesta quinta-feira.
Já Simone Tebet afirmou que a nova regra, “por ser flexível, é crível”. “Fácil de ser entendida, transparente e, portanto, gera estabilidade e previsibilidade. Ele não comporta exceções, a não ser o que está na Constituição”, avaliou a ministra. “Não tem objetivo de diminuir os gastos públicos, embora isso vá acontecer. E vai acontecer porque tem limite e o limite é dado em relação ao aumento da receita.”
com informações do Congresso em Foco