Padre é condenado pela Justiça após chamar de 'assassino' médico que fez aborto legal
Médico que realizou aborto legal em criança de 10 anos vítima de estupro vence ação contra padre que o acusou de 'assassinato'. Além do padre, grupos evangélicos tentaram invadir hospital para impedir o aborto
A Justiça deu ganho de causa ao médico Olímpio Moraes Filho, que foi chamado de ‘assassino’ por um padre após realizar um aborto legal em uma menina de 10 anos, vítima de estupro. O caso aconteceu em 2020 e foi amplamente divulgado.
O procedimento foi realizado no Centro de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife, onde Olímpio Moraes atuava como obstetra e diretor do hospital. Na época, a identidade do médico foi espalhada nas redes sociais por grupos religiosos extremistas.
No dia em que a menina foi internada para realizar o aborto, grupos ligados às igrejas evangélica e católica fizeram um protesto do lado de fora da unidade e tentaram invadir o local.
No processo, o médico apresentou como provas textos publicados pelo padre no site da Associação Provida de Anápolis, nos quais se referem ao obstetra como “assassino”. O religioso foi condenado a pagar R$ 10 mil de indenização.
“Vislumbro ainda que, apesar da liberdade de expressão, não se pode imputar a uma outra pessoa comentários ofensivos que abalem sua imagem pessoal e profissional baseados em temas polêmicos que inclusive dividem opiniões. Portanto, a liberdade de expressão e de pensamento não é direito absoluto e deve ser exercida em respeito à dignidade alheia para que não resulte em prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa”, disse o juiz na decisão.
No Brasil, o aborto é previsto em lei (artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940) quando a gestação é resultado de estupro, quando a gravidez é de risco para a vida da gestante e quando o feto é anencéfalo (não possui cérebro).
Olímpio Moraes Filho disse que considera a decisão judicial uma vitória de “todos os médicos e profissionais de saúde e de toda a sociedade que defende os direitos reprodutivos das mulheres”.
“Nós que defendemos a ciência, a ética, a democracia, a Justiça e a lei, muitas vezes, somos atacados por pessoas que fazem exatamente o contrário. Divulgam mentiras, calúnias e utilizam seus lugares e poderes – infelizmente, nesse caso, a igreja – para promover o ódio”, afirmou.
ENTENDA O CASO
O caso de estupro da menina de 10 anos em São Mateus (ES) provocou indignação nacional. A criança, que era abusada pelo tio desde os 6 anos de idade, estava grávida de 3 meses.
A polêmica começou porque a interrupção da gestação foi considerada uma “possibilidade”, de acordo com a secretária de Assistência Social de São Mateus. Por isso, a hashtag “#gravidezaos10mata” ficou nos assuntos mais comentados do Twitter Brasil.
A morosidade da Justiça para se posicionar sobre o caso, enquanto a gravidez avançava, abriu espaço para que grupos que se intitulam “pró-vida” se manifestem em defesa do ‘feto’. “O bebê é inocente e não tem culpa de nada” e “matar o bebê é crime imperdoável aos olhos de Deus” foram comentários publicados por pessoas que se autoproclamam contra o aborto.
A então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves entrou no caso e tentou intervir para que o aborto não fosse realizado.
Após negativa de atendimento na cidade capixaba onde vivia, mesmo com aval da Justiça, a menina foi transferida para Recife. Apesar de toda a pressão de Damares Alves, a família da menina não cedeu e o aborto foi realizado.