No Brasil, ter relações sexuais com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável, crime com pena que vai de 8 a 15 anos de reclusão. Apesar disso, o país é o quinto com mais casamentos infantis no mundo
O prefeito de Araucária (PR), Hissam Hussein Dehaini (sem partido), se casou com uma adolescente de 16 anos. A união é alvo de críticas por causa das idades dela e do político, que tem 65 anos.
O que diz a lei?
O casamento está dentro das normas, já que foi autorizado pelos pais da menina. A regra foi revista em 2022 e mantida. O assunto foi pauta no Congresso.
A lei prevê que jovens de 16 e 17 anos, com o aval de pais, podem se casar. Outros representantes legais também podem liberar a união.
O caso do prefeito e quando não pode
Hissam e a adolescente deram entrada nos documentos para oficializar o compromisso em 12 de abril, quando ela já tinha a idade mínima exigida, segundo o Jornal Oficial dos Cartórios de Registro Civil. Nos documentos ou nas redes sociais não consta quando ela faz aniversário.
Caso a jovem ainda tivesse 15 anos, a mesma união não seria permitida. Isso porque o governo federal sancionou uma alteração no Código Civil em 2019, proibindo o casamento entre adultos e menores de 16 anos “em qualquer caso”.
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Antes, a lei permitia o enlace caso a menor estivesse grávida. Também era considerado legal se fosse uma saída para adultos que, caso se casassem, poderiam evitar ser acusados criminalmente por estupro.
O projeto que retirou essas exceções foi de autoria da ex-deputada Laura Carneiro, então no Democratas do Rio de Janeiro. Ele foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado antes de ser sancionado por Jair Bolsonaro (PL).
No Brasil, ter relações sexuais com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável, crime com pena que vai de 8 a 15 anos de reclusão. Apesar disso, o país é o quinto com mais casamentos infantis no mundo.
Oito casamentos com menores de idade por dia
O Brasil tem, em média, oito casamentos por dia envolvendo menores de idade. As uniões são registradas em cartórios e estabelecidas dentro da lei. Os dados são referentes aos três primeiros meses de 2023 e foram informados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
A Arpen reúne os dados referentes aos nascimentos, casamentos e óbitos registrados nos 7.654 Cartórios de Registro Civil do Brasil, distribuídos em todos os municípios e distritos do país.
Segundo a entidade, foram contabilizadas 718 uniões oficiais no país até o dia 31 de março de 2023 envolvendo menores de idade. As uniões não necessariamente envolvem um maior de idade e um adolescente. Em alguns casos, o casamento pode se dar também entre dois adolescentes.
Fenômeno marcado pela pobreza e pela desigualdade
No Brasil, o casamento de crianças e adolescentes é bem diferente dos arranjos ritualísticos existentes em países africanos e asiáticos, com jovens noivas prometidas pelas famílias em casamentos arranjados pelos parentes ou até mesmo forçados. O que acontece no Brasil, por outro lado, é um fenômeno marcado pela informalidade, pela pobreza e pela repressão da sexualidade e da vontade femininas.
Entre os motivos para os casamentos, a coordenadora do levantamento, Alice Taylor, pesquisadora do Instituto Promundo, destaca a falta de perspectiva das jovens e o desejo de deixar a casa dos pais como forma de encontrar uma vida melhor.
Muitas fogem de abusos dentro de casa [vítimas do próprio pai, tios ou padrastos], escapam de ter de se prostituir e convivem de perto com a miséria e o uso de drogas.
Segundo Lima, a gravidez ainda é a grande motivadora do casamento na adolescência, e a união é vista como uma forma de controlar a sexualidade das meninas. “A lógica é: ‘melhor ser de só um do que de vários’. O casamento também aparece como forma de escapar de uma vida de limitações, seja econômica ou de liberdade”, diz Maria Lúcia Chaves Lima, professora da UFPA.
O casamento infantil, reconhecido internacionalmente como uma violação aos direitos humanos, é definido pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CRC) – que o Brasil assinou e ratificou em 1990 – como uma união envolvendo pelo menos um cônjuge abaixo dos 18 anos.
No Brasil, acontece mais frequentemente a partir dos 12 anos, o que faz com que os pesquisadores definam o fenômeno como ‘casamento na infância e na adolescência’.
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