Contra o Preconceito

Homossexualidade masculina e poder

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Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

Wakashudo, catapigos, catamita, pederastas, as relações sexuais entre homens nos auxiliam a resgatar as conexões íntimas entre o ato e o aumento do poder. E mesmo esse poder pode ser historicizado, uma vez que nossa forma colonizada de entender o poder reside justamente em sua naturalização.

O cristianismo, principalmente nas comunidades anteriores à centralização em Roma no século XVI, o esplendor da verdade não se separava do esplendor do amor, sendo a relação homossexual absolutamente aceita.

Exemplo disso pode ser buscado nas circunstâncias que levaram ao massacre de Tessalônica, no final do século IV, uma prova de que até mesmo na era cristã a homossexualidade ainda era aceita por grande parte da população, mesmo sendo oficialmente perseguida. Isso aconteceu quando um cocheiro popular foi acusado de assédio sexual a um oficial do imperador e foi preso. A partir de então, a cidade se reuniu para exigir a sua libertação, demonstrando que a homossexualidade não era vista de todo como um crime nesta parte do império.

Só a partir do século 20, o tema se consolidou com o Papa Pio 12 – que defendeu o celibato na encíclica Sacra virginitas. E no segundo Concílio Vaticano, em 1965, dois documentos trataram do tema. O papa Paulo 6º também divulgou um documento, De sacerdotio ministeriali, abordando o assunto.

A energia masculina se multiplica com a conjunção carnal como acreditam ancestralmente algumas culturas. A cultura japonesa tradicional aconselhava a união ocasional entre guerreiros. Da mesma forma a cultura grega e romana.
É preciso entender essa historicidade, pois a homossexualidade assume diferentes significados muito distantes dos atuais.

Algumas tribos indígenas convivem com a homossexualidade sem nenhum problema, implicando no respeito que os seres nutrem entre si.

Na modernidade, o poder tem a ver com a soberania do homem que emergiu no humanismo. No topo da cadeia da vida, o homem foi assumindo não só decisões sobre a natureza, da qual se separava paulatinamente, mas também em relação aos animais, aos seus semelhantes, as mulheres, os homossexuais e até entre os próprios homens, produzindo escalas baseadas não mais na força, mas na masculinidade, na propriedade, no dinheiro.

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O paternalismo, a colonização, o capitalismo impuseram novos conceitos do uso do poder, como a racialização, a submissão da mulher, a força do provedor e assim por diante, consolidando o poder como força simbólica fundamentada nas cartas de direitos feitas pelos homens. As nações foram instituídas dessa forma, unificando um modelo de família (nuclear), uma forma de educação (formal), uma forma de trabalho (desigual).

Dessa forma, nossa percepção do poder é unimórfica, ou seja, imposta pela história, pela política, pela educação e pelo trabalho.

Portanto, historicizar o poder em sua relação com a homossexualidade nesse passado distante requer um esforço de imaginação, pois o poder moderno fundamentado na desigualdade entre os membros é coisa moderna, é coisa dos últimos cinco séculos.

Sobretudo, a compreensão desses vínculos antigos entre sexualidade e poder nos auxilia a desnaturalizar a desigualdade fundamentada na ideologia.

Wakashudo, o caminho da juventude, era uma prática de homossexualidade entre os samurais que se estendeu até a modernização do Japão no final do século XIX.

Seguindo as práticas budistas do Japão, homem e mulher têm energias diferentes e essas energias são trocadas através dos atos sexuais. Quando homem e mulher praticam o sexo, a energia feminina rouba o poder do homem. O inverso acontece entre homens, o sexo entre eles aumenta a energia, a potência tão necessária na época do Sengoku Jidai, as guerras que ocorreram durante o período Tokugawa em diante.

Não havia impedimento a essas relações que eram inclusive estimuladas para o aumento da força e da coragem.
Entre os gregos clássicos, a relação homossexual significava a única relação de amor que um homem livre poderia desejar. Geralmente, os filósofos da Grécia clássica poderiam desposar a mulher para constituir família, também poderiam se divertir com as hetairas, mulheres que compunham um grande número de habilidades, inclusive como parceiras de discussões filosóficas, mas também das artes do sexo, da mesa, dos vinhos. Mas a relação de verdadeiro amor só era possível entre homens do mesmo status de cidadão e liberdade. O sexo homossexual era símbolo de amor entre iguais. No envolvimento homossexual esses cidadãos se tornavam catapigos e eram publicamente reconhecidos e respeitados.

Entre os romanos, as mesmas relações marcavam as práticas entre os poderosos. Não é apenas o Antinoo que foi eternizado como parceiro amoroso e companheiro do imperador romano Adriano. Após sua morte prematura antes de seu vigésimo aniversário, Antínoo foi deificado por ordem de Adriano, sendo adorado tanto no Leste grego quanto no Oeste latino, às vezes como um deus e às vezes apenas como um herói.

Nessa relação entre homossexualidade e poder temos acesso a uma forma de união que exalta cada um dos parceiros, não encontrando nenhum caso em que o poder de um submete o outro.

Seja no caso dos guerreiros samurais, em que a força potencializa o símbolo da espada, seja no caso dos filósofos gregos, em que a dignidade da sabedoria iguala os amantes, seja no caso da política na Roma dos césares catamitas, cuja prova amorosa pode ser transformada em exaltação e reverência, ou seja, entre os cristãos anteriores à modernidade, e mesmo posteriores, a homossexualidade é a fusão de energias como símbolo de um tempo em que o poder era muito mais uma forma de equilíbrio do que de desigualdade.

Não preciso afirmar que a homossexualidade feminina encontrou nesse passado anterior à sua redução na modernidade, livre expressão e deleite, sem que nenhuma condenação encontrasse eco na história.

Mas a conexão entre homem e mulher é a própria exaltação do amor e uma grande indiferença em relação ao poder, seja ele qual for.

Quando uma conexão afetiva livre do poder se dá, homem é mulher fundem-se de tal sorte que não se sabe mais do gênero de cada um.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor

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